13 agosto 2014
A RAÇÃO DE EINSTEIN
O plantão não estava corrido quando a pediatra do andar de cima veio para uma visita-desabafo. Ofereci a cadeira, um sorriso e dois ouvidos.
- Você não vai acreditar. Olha só.
E desfiou o causo da menina atendida há pouco com uma senhora crise alérgica. Apesar dos 8 cachorros criados dentro de casa, a mãe fez questão de frisar: “já rodamos todos os testes possíveis e ela não tem alergia aos cachorrinhos, não. Inclusive, todos eles são muito bem tratados, vacinados e alimentados sempre com ração de primeira qualidade”.
O quase-atrito teve início quando a colega preencheu a receita, com uma coletânea de remédios nada em conta:
- Doutora, mas isso vai ficar caro! E eu ando tão apertada de dinheiro...
A pediatra não se conteve e soltou a pérola óbvia:
- Mas... e o dinheiro para comprar a ração de primeira qualidade para todos aqueles cachorrinhos? Esse dinheiro não falta, né?
Hum, golpe baixo não vale. Além do quê, sei muito bem onde essa conversa leva: a lugar algum. Justamente porque este tipo de esclarecimento vai contra a famosa frase de Einstein, proferida lá pelos idos de 1940 e qualquer coisa: “existem apenas duas coisas infinitas - o Universo e a estupidez humana. E não tenho tanta certeza quanto ao Universo”.
Naquele dia, a frase do velho Albert foi representada por uma ração para cachorros – ou para crianças, melhor dizendo. Triste, muito triste. Há várias décadas, seguimos alimentando o grosso das gerações futuras com este prato, a ração da estupidez de Einstein. O consumo antes do desenvolvimento, o poder no lugar do afeto, a aparência em prol do conteúdo.
Os ingredientes desta ração estão recheando o futuro com problemas de um gosto bem amargo: 1/3 das crianças e 1 em cada 8 adolescentes sofrem de depressão, tornando o suicídio uma das 10 causas mais comuns de mortes na população abaixo dos 15 anos de idade.
Cerca de 5% das crianças entre 7-11 anos de idade apresentam distúrbios da ansiedade e mais de 10% estão acima do peso. Aproximadamente 15% dos adolescentes fazem uso sistemático de alguma droga (lícita ou ilícita), e os sintomas da síndrome do pânico afetam 1 de cada 20 destes projetos de adultos. Bom, pelo menos para os psiquiatras, as próximas décadas prometem ser divertidíssimas.
Fora das estatísticas, as conseqüências da Ração de Einstein podem ser percebidas em outros sintomas. Por exemplo: o sujeito tem um quintal cheio de lama e limo. Os anos se passam e ele nem para enterrar uma semente de mamão, tomate, abacate, goiaba, cebolinha ou qualquer coisa que valha. Vivemos em um país excepcional, com frutas da época brotando aos montes em todas as épocas do ano. Mas quem tem tempo de plantar uma sementinha? Quase ninguém. Afinal, o pouco tempo que sobra é invariavelmente gasto com latinhas de cerveja, programas de auditório e bordões de incentivo para o futebol nas quartas-feiras. E tome um prato cheio da ração de Einstein.
O mesmo amigo, esse da casa sem frutas ou rede de esgoto, tem 5 filhos e 3 cachorros. Por que não 3 galinhas no lugar dos caninos? Primeiro: cachorro não bota ovo. Segundo: tirando alguns coreanos, não creio que alguém mais curta um delicioso ensopado de Rex com Totó aos domingos. Terceiro: se o bendito não tem tempo de acompanhar sequer o dever de casa das crianças, que diabos está fazendo criando 3 vira-latas? Olha aí, outra tigela da ração.
Felizmente, para os bons gourmets, é possível contornar a indigestão e optar por um prato mais saboroso. Podemos tomar outro caminho, um caminho mais de acordo com nossa capacidade de pensar. Um caminho onde a hipocrisia não é um condimento salpicado no arroz com feijão, e nossas crianças não recebem diariamente uma ração insossa de vícios e idéias empoeiradas.
A cada novo dia, a cada novo encontro com um ser humano, somos presenteados com a incrível oportunidade de criar um universo inédito, muito aquém da panela de estupidez profetizada por Einstein. Para preparar a refeição do futuro, repleta de cordialidade, ternura e altruísmo, só precisamos fazer uma única coisa extraordinária: escolher os ingredientes com inteligência.
Como você anda temperando sua vida?
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