10 outubro 2014

Você sabe quem é Abraham Verguese?

Leitura Recomendada: Abraham Verghese.

(Cutting for Stone's Verghese Talks Prose, Patients With Topol. Medscape. Oct 09, 2014.)

07 outubro 2014

O ATAQUE DA URSA

© Dr. Alessandro Loiola


Uma das coisas que sempre tornavam o trabalho mais divertido no interior eram os vocábulos. Nada do estresse gratuito ou da neurose idiopática das grandes cidades. Nada disso. A rotina consistia em saber o nome do vizinho, comer um bolo de chocolate na praça aos domingos e chegar no posto de saúde bem cedo, no frio da manhã de segunda-feira, para descobrir um bule café cheiroso recém-passado brotando da copa.

- Pois não, seu Josemar, o que está havendo com o senhor hoje?
- Ah, doutor, eu tô tomando direitim os remédio da pressão. – Pega a sacola de plástico surrada e bem atada com um nó caprichoso e dela vai tirando e colocando sobre a mesa uma coleção de cartelas amassadas.
- Esse piquininim aqui ó, o Aécio (AAS, anticoagulante), esse outro Lazico (Lasix, um diurético) e o Colorama (Clorana, outro diurético) pra módi forçar a urina, mas vou falar pro sinhô, num ando me sentino muito bem não.

Sigo o exame enquanto ele desenvolve a história. Pressão ok, ausculta cardíaca ok, mas pulso com frequência levemente aumentada. Pulmões jóia. Bem hidratado, talvez um pouco pálido.
- O pobrema é que já tem uns dias que ando sem apetite e obrando (evacuando) escuro. Acho que a ursa tá atacada.
- Como?
- A ursa, médico.
- ?
E ele aponta para a boca do estômago.
- A ursa.
- Ah.... a úlcera!

A endoscopia mostrou realmente uma ursa atacada. Mordida, até. Uma ulceração havia se formado no começo do duodeno. Provavelmente desencadeada pelo Aécio. Não o político mineiro, mas o comprimidinho amarelo.

O AAS é um dos pequenos milagres da medicina. Diminui a incidência de complicações cardiovasculares em diabéticos, corta em até 50% o risco de morte em pessoas infartadas, além de reduzir a possibilidade de vários tumores (segundo alguns estudos atuais). Apesar disso tudo, o AAS é meio venenoso para os estômagos mais sensíveis. E esse era o caso da ursa do seu Josemar.

As úlceras podem se formar na mucosa do estômago, do intestino delgado ou do esôfago. O sintoma mais comum - uma dor tipo queimação na região do estômago – é causado pelo contato dos ácidos gástricos com a área ulcerada. A dor também pode ser percebida na parte de trás do osso esterno, durar de alguns minutos a várias horas, piorando com o estômago vazio e à noite, aparecendo e desaparecendo espontaneamente.

Outras manifestações das úlceras gastroduodenais incluem vômitos com sangue, fezes escurecidas, náuseas, diminuição do apetite e perda de peso.

Anos atrás, acreditava-se que o estresse e os alimentos muito temperados eram a principal causa das úlceras pépticas. Atualmente, sabe-se que a maioria das úlceras é causada por uma bactéria chamada Helicobacter pylori (H. pylori).

Diversos fatores podem desencadear ou colaborar para a formação das úlceras, tais como: uso regular de medicamentos antiinflamatórios (p.ex.: diclofenaco, aspirina, cetoprofeno, naproxeno e outros), cigarro (a nicotina aumenta o volume e a concentração do suco gástrico), bebidas alcoólicas (o álcool é um irritante para o estômago) e estresse (apesar do estresse por si só não causar úlceras, ele certamente contribui para o seu desenvolvimento).

O diagnóstico da úlcera é bem fácil (lógico, não sou quem vai ser submetido à endoscopia...) e, felizmente, o terapia é bem sucedido em mais de 95% dos casos.

A imensa maioria das úlceras é benigna, mas elas podem complicar com sangramento, perfuração ou obstrução intestinal. Se você sofre de úlcera péptica, procure atendimento médico com mais urgência caso apresente:
  • Fezes com sangue ou muito escurecidas e com odor fétido.
  • Vômitos insistentes ou com sangue.
  • Calafrios ou vertigens.
  • Perda inexplicável de peso.
  • Dor que não melhora com o uso dos remédios habituais.

Além disso, você pode ajudar no tratamento seguindo algumas orientações simples:
  • Não fume e limite o consumo de bebidas alcoólicas, chocolate e café. 
  • Não utilize antiinflamatórios sem a orientação de seu médico de confiança. 
  • Evite alimentos muito temperados, apimentados ou gordurosos, e faça refeições menores porém mais freqüentes. 
  • Se for descansar após uma refeição, repouse em uma posição recostada. Evite deitar de barriga para cima logo após comer.  
  • E retorne ao seu médico de confiança se a ursa voltar a rugir.

06 outubro 2014

Bacteriúria assintomática

© Dr. Alessandro Loiola


Quando um médico pronuncia “bacteriúria assintomática”, está querendo dizer: “não vou receitar antibióticos para você”. Infelizmente, muitos colegas tem um dedo nervoso segurando uma caneta inquieta, e, quando confrontados com resultados mostrando presença de bactérias na urina, não pensam duas vezes antes de lascar antibióticos no pobre coitado.

Apesar de inúmeras diretrizes não recomendarem o tratamento desses casos, dados estatísticos apontam que até 80% das pessoas com bacteriúria assintomática recebem receitas de antibióticos. Isso representa um abuso de prescrição.

A bacteriúria assintomática deve ser tratada apenas em gestantes ou em pacientes que serão submetidos a algum tipo de procedimento genitourinário onde se acredita que ocorrerá um sangramento significativo. Concorde comigo: esse é um grupo bem pequeno de pessoas – estudos mostram que menos de 2% dos pacientes com bacteriúria assintomática necessitam tratamento.

Nos EUA, este problema já suscitou debates acalorados, a ponto de existir uma campanha chamada Choosing Wisely, que sugere não solicitar qualquer tipo de urocultura, mas tratar sindromicamente. A Sociedade Americana de Geriatria colocou entre as suas “5 principais recomendações” NÃO SOLICITAR exames de urina ou uroculturas em pacientes idosos assintomáticos.

Usar antibióticos em quem não precisa é uma maneira excelente de produzir efeitos colaterais desnecessários e cepas de bactérias multirresistentes. Ainda temos um longo caminho a percorrer, mas quem sabe um post em um blog pode um dia mudar uma pessoa – e esse já seria um bom começo para mim.

03 outubro 2014

A alimentação e o cérebro do bebê

© Dr. Alessandro Loiola


Será que a saúde mental de um bebê pode ser afetada pela qualidade da alimentação materna durante a gravidez e sua própria alimentação nos primeiros anos de vida?

Para responder a essa pergunta, mais de 20 mil gestantes norueguesas foram acompanhadas entre 1999 e 2008. Os resultados foram surpreendentes.

As causas dos transtornos comportamentais e emocionais em adultos jovens são muitas e variadas. Identificar os fatores de risco para essas anormalidades tem ocupado a cabeça dos cientistas há um bom tempo. Quase sempre, as pesquisas enfatizavam fatores psicossociais, tais como a qualidade da atenção dos pais, o nível de estresse no núcleo familiar e a presença de transtornos mentais na família. Finalmente, alguém fez uma pergunta diferente e partiu em busca de novas respostas.

O estudo norueguês mostrou, sem muita sombra para dúvidas, que uma dieta não-saudável durante a gravidez e na tenra infância aumenta o risco de produzir crianças com problemas de conduta oposicional e desatenção. Os resultados poderiam ser explicados pelo impacto da falta de nutrientes estratégicos durante a fase de crescimento e maturação do cérebro, mas para provar quais nutrientes e de que modo isto ocorre ainda serão necessárias mais pesquisas.

Atualmente, existe um movimento para explicar os transtornos mentais e somáticos utilizando os mesmos mecanismos que determinam a boa saúde de um modo geral. Ao sugerir que a alimentação tem um papel tão crucial no desenvolvimento do cérebro, este estudo reforçou esta tendência, abrindo uma enorme janela para intervenções profiláticas e a própria compreensão de bem-estar.

02 outubro 2014

O valor da atenção

© Alessandro Loiola



Existe um adágio popular que diz: “O olho do dono é o que engorda o boi”. Interessante e verdadeiro. Basicamente ele está dizendo que atenção gera prosperidade. Tudo aquilo a que dedicamos nossa atenção tende a crescer.

Cuide das plantas de sua casa e elas vicejarão. Preste atenção especial a um determinado desafio no trabalho e logo você aumentará seu conhecimento a respeito e, como consequência, aumentará também a possibilidade de resolver aquilo com sucesso. A atenção tem esse efeito: para onde quer que você a aponte, o objeto da atenção cresce e evolui.

Quando for rever para onde anda mirando sua vida e se está obtendo o progresso que acha que merece, preste bastante atenção também nos resultados, e não para os esforços que anda fazendo para obtê-los. Não espere uma recompensa se você “pelo menos tentou”.

“Vou tentar diminuir meu orgulho”. “Vou tentar ser mais atencioso(a) ou compreensivo(a) ou resiliente”. “Vou tentar ser menos ciumento(a)”. Sério, você acha que tentar basta?

Um rottweiler raivoso está correndo ao seu encalço e você pensa em escapar pulando o muro. Tentar não é o bastante, não vai lhe colocar em uma faixa de segurança. E também não deve ser o foco. Você tem que pular o muro e escapar, não existe meio termo. Se começar a valorizar o tentar, logo estará acomodado em apenas fazer algum esforço (por mais frouxo e medíocre que ele se torne com o tempo) e nunca irá obter qualquer avanço prático.

Lembre-se: onde quer que você preste atenção, é lá que a coisa irá terminar. É a lei da lavoura - o que você planta, você colhe. A atenção é uma arma poderosa, mas muitas pessoas permitem que ela seja jogada de um lado para o outro pelos outros, o dia inteiro, pelos motivos mais banais.

Se você investir sua atenção nas coisas que realmente quer E IMPORTAM (confiança, afeto, alegria, respeito, diálogo, serenidade, paz), as chances são de cada vez receber mais e mais disso.