© Dr. Alessandro Loiola
Por volta do terceiro ano de faculdade, quando ainda ensaiava meus passos na direção desta nobre escravidão científica que é fazer plantões para pagar contas, fui surpreendido pela incrível fauna que pode habitar um hospital-escola:
Durante a disciplina de Infectologia, fomos convidados a recolher swabs de locais diversos. Swab é um termo elegante para dizer “cotonete comprido especial”. Os médicos têm essa mania de inventar nomes complicados para coisas simples, talvez um modo elegante de diferenciar a casta dos reles mortais. Arroto vira eructação, excesso de pum vira “meteorismo significativo” e um olho vermelho se transforma em “possível blefaroconjuntivite aguda infecciosa”. Mas no final é tudo a mesma coisa.
Pois bem. De volta ao cotonete no terceiro ano. O trabalho daquele mês consistia em recolher e cultivar alguns swabs para determinar quais bactérias e fungos estavam convivendo conosco nas enfermarias. Alguns passaram o swab no próprio sapato, outros em rodapés, outros no jaleco guardado no armário em casa, etc. No dia da leitura dos resultados, a sala se encheu de “ooohs!” como se fosse uma final de reality show.
- Dr. Fulano, seu sapato está cheio de Escherichia coli! – “Oohs!” e o sujeito era congratulado com tapinhas nas costas e votos de “Parabéns, viu? Escherichia coli! Uma beleza!”.
- Dr. Cicrano, onde diabos o senhor foi descobrir essa Neisseria gonorrhoeae??
- Colhemos o swab passando na orofaringe de uma colaboradora do hospital, professor. Por sinal, uma boa colaborador.
- Olhe o respeito, rapaz! – tentou disfarçar um certo olhar de terror folheando a pasta com os laudos e completou -... Foi na enfermaria de Cirurgia, foi? Bem, hum, não importa... *pigarro*... mas preciso saber o nome dela depois, ok? Hããã... e vamos ao próximo laudo que é o do doutor... Beltrano. Dr. Beltrano, é alguma brincadeira isso?
- Hein?
- Poderia nos dizer onde o senhor foi buscar o seu material? Em algum laboratório de biossegurança?
- Não, professor, peguei com o Placenta.
Havia um sujeito que trabalhava no pátio de estacionamento do hospital. Ele não era só feio. Ele era do avesso. Nada contra ser do avesso, mas no caso dele até o próprio fazia graça e falava:
- Quando eu nasci, minha mãe jogou fora a criança e batizou a placenta.
E ninguém o conhecia pelo nome. Mas o hospital inteiro sabia quem era o Placenta.
- Com o Placenta?
- Isso.
E imediatamente o professor enviou um de seus assistentes para ir buscar o Placenta e providenciar sua internação. O motivo? No swab do Placenta tinha crescido um Mycobacterium tuberculosis tão multirresistente que dava até para ser usado em uma guerra química.
Esse foi meu primeiro contato com um caso grave de Tuberculose - conhecida pelos mais íntimos como "Velha Senhora". O Placenta foi internado e tratado, mas até hoje me pergunto como um sujeito que convivia tão perto de tantos médicos só foi diagnosticado em um trabalho de rotina, e não pelos seus sintomas.
Anos depois, compreendi que justamente este é o grande trunfo da tuberculose: ela pode ser uma doença extremamente dissimulada, ardilosa, sutil. O bacilo que a causa conseguiu se embrenhar em nosso meio e vem convivendo conosco há mais de 4.000 anos: indícios de infecção por tuberculose foram encontrados em múmias egípcias datadas de 2.400 a.C. O bacilo pode ser passado de uma pessoa para outra através de pequenas gotículas liberadas no ar (p.ex.: quando a pessoa infectada tosse, fala, espirra, ri ou canta).
Apesar da TB ser contagiosa, ela não é uma infecção fácil pegar. Em boa parte dos casos, a fonte é alguém da família ou um colega de trabalho – raramente um estranho -, mas alguns fatores podem aumentar seu risco para adquirir a doença, como baixa imunidade (p.ex.: pessoas com HIV, diabetes, insuficiência renal avançada, sob quimioterapia ou em uso de medicamentos que diminuem a atividade do sistema imune), idade avançada, uso excessivo de bebidas alcoólicas e desnutrição.
Os sintomas mais comuns incluem perda de peso inexplicável, fadiga, febre, suores noturnos, calafrios e perda de apetite. Quando localizada nos pulmões, a tuberculose produz tosse persistente (em geral com duração acima de 20 dias ou mais), escarro com raias de sangue e dor no tórax. A infecção também pode afetar outras partes do corpo, incluindo os rins, a coluna vertebral e o cérebro.
O diagnóstico de TB pode ser difícil, necessitando o auxílio de vários exames diferentes. Para felicidade sua e do Placenta, atualmente existem tratamentos eficazes contra a doença. Em todos os casos, a prevenção é a melhor terapia, e algumas medidas simples podem ajudar a proteger você e outras pessoas da tuberculose:
• Cuide de seu sistema imunológico: prefira alimentos naturais e saudáveis como frutas e vegetais, mantenha um padrão de sono regular, e exercite-se pelo menos por 30 minutos na maioria dos dias da semana.
• Mantenha os ambientes que você freqüente bem ventilados e arejados
• No caso de pessoas diagnosticadas com TB: siga o tratamento corretamente e tome todos os medicamentos até o fim; permaneça em casa durante os primeiros 10-14 dias de tratamento; e cubra a boca com um lenço (de preferência, descartável) sempre que for rir, tossir ou espirrar. No começo do tratamento, utilizar uma máscara quando estiver na companhia de outras pessoas também é uma boa dica para reduzir o risco de transmissão.
E lembre-se: a tuberculose é uma infecção grave, mas pode ser curada com o tratamento adequado. Em caso de dúvidas, procure sempre seu médico de confiança! Ou a turma de estudantes de Infectologia mais próxima.
06 agosto 2014
A Velha Senhora
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