30 janeiro 2007

BEBIDAS ENERGÉTICAS

© Dr. Alessandro Loiola


Plantão de sábado à noite, um calor danado. Estava a caminho do bebedouro mais próximo quando a recepção anuncia a chegada de mais um paciente. Eles (da recepção) devem ter câmeras escondidas pelo hospital, porque é impressionante a freqüência com que chamam exatamente na hora em que vamos almoçar ou ao banheiro. É você lembrar que tem bexiga ou estômago, e pronto!, lá vem o som pelos corredores solicitando sua presença com urgência em algum lugar distante.

Deixei o bebedouro onde estava – pesado demais para carregar –, e voltei à sala de atendimento a tempo de ver dois amigos deitando um terceiro sobre a maca, nariz sangrando que era uma beleza.

- Saindo da festa, bateu com o carro, doutor!

Conforme relato da própria vítima, poucos metros após dar partida ele colidiu com um poste “que estava pra todo lado na rua”. Ótimo. Postes que miram em carros. Os donos de auto-escolas irão adorar a notícia.

Exame neurológico, respiração, pulsos, pressão arterial... tudo estável. Levo o paciente para a radiografia. Fora o hálito pra alambique nenhum botar defeito e um pequeno galo na testa, tudo normal.

- É doutor, a sorte foi que eu tomei umas latinhas energéticas antes de ir para a balada. Se não fosse isso, bau-bau. Tinha sido muito pior, viu.

Latinhas energéticas. Cheguei a imaginar alguma forma extraterrestre de baterias líquidas para consumo humano, mas era mais simples que isso. Como qualquer entretenimento gastronômico da moda, as bebidas energéticas vêm ganhando espaço na mídia, nas prateleiras das lojas de conveniência, nas boates e nos estômagos dos mais sugestionáveis. Na maioria dos casos, não passam de drinques ricos em carboidratos contendo doses generosas de cafeína, vitamina B, aminoácidos e ervas com propriedades estimulantes.

Entre outras coisas, estas pequenas bombas enlatadas se dizem capazes de repor a força, a disposição e até mesmo a potência sexual. Com um apelo desse, as bebidas energéticas movimentam um mercado de 3.5 bilhões de dólares apenas nos Estados Unidos, especialmente entre jovens de 18 a 30 anos de idade.

A raiz do problema não está na propaganda ou no conteúdo, mas no volume: uma lata de bebida energética contém a mesma quantidade de cafeína de uma xícara de café, e os jovens conseguem derrubar não uma ou duas doses, mas várias latas “energéticas” no intervalo de poucos minutos. A ingestão excessiva de cafeína resulta em ansiedade, insônia e agitação. Além disso, a Taurina, um aminoácido presente em algumas bebidas energéticas, aumenta o trabalho cardíaco quando combinada à cafeína, intensificando a sensação de estar cheio de energia.

Não é raro ver pessoas associando bebidas energéticas a drinques alcoólicos. Elas dizem que a associação diminui os efeitos depressivos do álcool - e estão certas. Porém, ao mascarar estas conseqüências, o ilustre beberrão fashion termina ingerindo uma quantidade de álcool muito acima dos limites do próprio corpo. E as conseqüências chegam logo.

As bebidas energéticas não cortam os efeitos do álcool sobre a coordenação motora. Ou seja: apesar dos altíssimos níveis de álcool no sangue, você se encontra estimulado o suficiente para achar que é capaz de dirigir até sua casa. Está alerta e falante, mas sua rapidez de reflexos é de fazer vexame em qualquer concurso de lesmas e tartarugas com cãibras.

O álcool não afeta apenas a coordenação motora, mas também a capacidade de tomar rapidamente decisões. Motoristas alcoolizados são perigosos não apenas devido à sua falta de coordenação, mas porque não são capazes de avaliar corretamente os riscos a que se expõe.

As pessoas precisam compreender que a sensação de bem-estar produzida pelo consumo de bebidas energéticas não significa necessariamente que o corpo não foi afetado pelo álcool. Se você bebeu além do razoável, mesmo com suas latinhas energéticas e tudo mais, você está sob os efeitos do álcool, sim – apenas não se deu conta ainda.

Pelo menos, não até deitar na maca do pronto-socorro mais próximo.


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Dr. Alessandro Loiola é médico, palestrante e escritor, autor de PARA ALÉM DA JUVENTUDE – GUIA PARA UMA MATURIDADE SAUDÁVEL (Ed. Leitura) e VIDA E SAÚDE DA CRIANÇA (Ed. Natureza). Atualmente reside e clinica em Belo Horizonte, Minas Gerais.

23 janeiro 2007

TODO MUNDO EM PÂNICO

© Dr. Alessandro Loiola


“Nada de câncer ou HIV: as doenças mentais serão o grande mal do Século XXI”. Estas palavras foram proferidas por um querido professor na Escola de Medicina, nos idos do Século XX, quando eu ainda tinha cabelos e a maioria dos trabalhos científicos envolvia pesquisas direcionadas para a AIDS. Hoje percebo que ele não poderia estar mais certo – e eu, mais careca.

No dia a dia do consultório, mais da metade dos atendimentos são para tratar conseqüências de estados emocionais alterados. Por exemplo: a paciente que se queixa de dores crônicas no pescoço, mas não por artrite ou contusões, e sim por todos aqueles problemas que vencem no dia seguinte e a deixam em um estado de tensão constante. E aí tome hipertensão arterial, obesidade, angina, etc.

Recentemente, vem aumentando o número de pacientes que apresentam um distúrbio emocional em particular, a Síndrome do Pânico, uma alteração caracterizada por várias manifestações inespecíficas que ocorrem em ataques. Durante a crise, podem ser observados palpitações, suores profusos, tremores, falta de ar, náuseas, cólicas abdominais, vertigens, desmaios, medo de perder o controle ou enlouquecer, dormências, calafrios e fogachos.

Tudo bem, sou obrigado a concordar que qualquer pessoa levemente conectada à nossa realidade corre o risco de desenvolver muitos desses sintomas:

A cada dia, no Brasil, ocorrem cerca de 200 assassinatos, 1.000 roubos de carros e mais de 7.500 pessoas são assaltadas - e menos de 5% destes crimes são esclarecidos. Coloque em uma panela estes números da Insegurança Pública e adicione todos os impostos que vencem no começo do ano, o material escolar das crianças e a prefeitura cavando túneis que desabam sob prédios e residências. Tempere com o risco da sua filha adolescente contrair alguma doença sexualmente transmissível que vá lhe chamar de vovó ou vovô, e pronto: temos mais um paciente com Síndrome do Pânico aguardando na recepção.

Calcula-se que cerca de 2-5% da população mundial sofra com a doença. As mulheres são 2-3 vezes mais afetadas que os homens, principalmente no final da adolescência e por volta dos 30 anos de idade.

Como os primeiros casos foram descritos há pouco mais de 20 anos, os cientistas ainda não conseguiram descobrir exatamente os mecanismos que causam a Síndrome. O que se sabe é que os ataques duram cerca de 20-30 minutos (raramente mais de 1 h), podendo ocorrer várias vezes ao dia. O uso de cafeína, álcool, nicotina e outras substâncias com atividade sobre o sistema nervoso central ajudam a desencadear ou potencializar as crises.

A avaliação especializada é essencial. A Síndrome do Pânico deve ser diferenciada de outros problemas potencialmente mais graves, como infarto agudo do miocárdio, doenças pulmonares, epilepsia e alterações na glândula tireóide, entre outros.

Selado o diagnóstico, o tratamento segue o mesmo roteiro de tantos outros distúrbios da ansiedade. Podem ser empregados medicamentos para controlar o estado de nervos (p.ex.: fluoxetina, paroxetina, diazepam, etc), mas é na psicoterapia que reside a cura para o problema.

Sentir medo é uma reação normal. O medo, assim como a dor, cuida da vigilância da sua saúde e bem-estar, mas em hipótese alguma ele deve lhe impedir de curtir plenamente a vida. Se isto estiver ocorrendo, procure auxílio de um profissional capacitado para dominar o estado de pânico - como aquele sujeito no interior que tinha horror a dentistas, mas foi obrigado a fazer uma consulta.

- Não tem jeito, vamos ter que retirar este dente – sentenciou o dentista.
- Mas eu estou com um medo danado, doutor!
- Você está com medo? Então tome um pouco disto aqui, pra ganhar coragem – disse o dentista, entregando ao paciente uma garrafa de cachaça -, e volte dentro de meia hora.
Passados os 30 minutos e meia garrafa depois, o paciente volta.
- E então, ganhou coragem?
- Ô, doutor, e como! *hic* Quero só ver agora qual o filho da mãe que vai encostar o dedo neste dente aqui!


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Dr. Alessandro Loiola é médico, palestrante e escritor, autor de PARA ALÉM DA JUVENTUDE – GUIA PARA UMA MATURIDADE SAUDÁVEL (Ed. Leitura) e VIDA E SAÚDE DA CRIANÇA (Ed. Natureza). Atualmente reside e clinica em Belo Horizonte, Minas Gerais.

16 janeiro 2007

A CRIANÇA DESAFIADORA

© Dr. Alessandro Loiola


Não acredito que exista situação mais paradoxal nesta vida que os filhos, principalmente quando pequenos. Se você não se recorda, estas criaturinhas cheias de energia são aquelas que sugam todo e qualquer tempo livre do seu dia, preenchendo as horas de descanso com preocupações, e as horas de trabalho com mais trabalho.

Apesar de tudo, uma vez pousados em seu coração, você simplesmente não consegue conceber mais sua vida sem os pequenos por perto. Quer dizer, conceber, você concebe, para quase sempre concluir que seria uma existência muito mais tranqüila– e vazia.

Os filhos dão aquele tempero definitivo à vida. Mesmo que sejam os filhos dos seus irmãos. Ter crianças por perto e ser responsável por elas, pelo seu desenvolvimento, é uma das maiores lições que você poderá encontrar neste mundo. Esqueça os MBAs, os mestrados e doutorados: não existe nada mais difícil que criar pessoas equilibradas. É um processo complexo e não remunerado de gerenciamento de recursos humanos no longo prazo, sem direito a férias ou FGTS, e quase sempre conduzido por amadores sem treinamento adequado – até onde eu sei, para ser pai / mãe não são necessários diplomas ou licenças específicas.

Por isso mesmo, não me surpreendi quando Helena retornou ao consultório para uma avaliação de rotina. Estava utilizando remédios fortes para Hipertensão Arterial e, até poucos meses atrás, ia tudo muito bem, mas agora a pressão estava novamente descontrolada. Na raiz de tudo, descobri uma viagem para Portugal.

- Minha irmã foi tentar a vida lá, doutor. Eu quis ajudar e aceitei ficar com meus sobrinhos por um tempo, mas tenho 2 filhos e agora com os 4 dela, a situação em casa vai de mal a pior. Não estou conseguindo lidar com as pirraças.

Todas as crianças de Helena estavam abaixo dos 10 anos de idade – a mais velha contava com apenas 9 anos. E pelo seu relato, ela estava vivendo um motim infantil que os médicos chamam com todo garbo de Comportamento Desafiador Oposicional – ou CDO.

O CDO é definido como um padrão recorrente de comportamento desafiador, desobediente e hostil direcionado contra a autoridade (p.ex.: pais, cuidadores, professores, etc) por mais de 6 meses consecutivos. As crianças que apresentam CDO costumam se entediar facilmente, perdem o controle ao menor sinal de problema, discutem com adultos, se recusam a cumprir ordens simples e culpam terceiros pelos seus próprios erros. Em outras palavras: uma criança com CDO é a ferramenta de tortura perfeita para qualquer carrasco que se preze.
Os especialistas estimam que cerca de 10% das crianças apresentam um período de CDO ao longo da infância. Alguns sintomas da doença podem ser confundidos com manifestações do Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade, Distúrbios da Ansiedade e Depressão, daí a necessidade de uma avaliação especializada.

A instabilidade da família, incluindo estresse econômico, comportamentos punitivos, mudanças freqüentes e divórcio, podem contribuir para o surgimento do CDO. No caso da Helena, todos estes fatores combinados provocaram um verdadeiro incêndio no comportamento das crianças – e já estavam avançando sobre sua própria pressão arterial.
A interação de uma criança com temperamento difícil com pais de conduta rígida e punitiva, freqüentemente resulta em castigos que intensificam o comportamento desafiador. E a criança, ao ser castigada, termina agindo de modo ainda mais irritante, fechando um ciclo vicioso.

Por isso, para lidar com o CDO, tão importante quanto disciplinar a criança é treinar os pais: eles devem mudar seus próprios padrões de comportamento para lidar de modo construtivo com o problema – sob o risco de, ao tentarem controlar a situação por conta própria, apenas piorarem as coisas.

O primeiro passo é prestar atenção ao comportamento da criança. Faça festa para atitudes nobres e utilize punições rápidas porém eficazes para as crises de pirraça. É essencial guardar um período do dia para interagir de modo positivo com a criança, sem julgamentos ou castigos. As brincadeiras criam valiosos laços de confiança que você poderá utilizar mais tarde para implementar sua disciplina, sem necessidade de apelar para violência.

Se necessário, um Psicoterapeuta poderá fornecer orientações adicionais, ajudando a identificar atitudes da criança que podem ser utilizadas como ganchos para uma mudança em seu comportamento global. Este tipo de conduta afetuosa é capaz de resolver a maioria dos casos de CDO e, quanto mais cedo for aplicada, maior a chance de sucesso - e menor o risco de seqüelas comportamentais no longo prazo, para todos os envolvidos.


*por motivos éticos óbvios, o nome foi trocado.


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Dr. Alessandro Loiola é médico, palestrante e escritor, autor de PARA ALÉM DA JUVENTUDE – GUIA PARA UMA MATURIDADE SAUDÁVEL (Ed. Leitura) e VIDA E SAÚDE DA CRIANÇA (Ed. Natureza). Atualmente reside e clinica em Belo Horizonte, Minas Gerais.

09 janeiro 2007

ANTES DE DAR CORDA NO SEU RELÓGIO

© Dr. Alessandro Loiola



Muito se fala sobre Livre Arbítrio, sobre a capacidade de escolher com liberdade e conscientemente. O Livre Arbítrio é uma das conquistas mais valorizadas em nossa espécie. Por exemplo: em época de férias, é você e você apenas quem escolhe a hora de acordar, conversar, comer e dormir, certo?

Errado.

Para dar corda ao assunto, me deixe explicar por quê.

Imagine seu corpo como um grande relógio. Melhor ainda, como um aglomerado de mais de 100 relógios sincronizados, determinando a hora de sentir sono, fome, ir ao banheiro, etc. Estes relógios internos existem de verdade e determinam um ciclo chamado Ritmo Circadiano (desde já: circadiano significa “ciclo de um dia”). A ciência que os estuda possui até mesmo um nome: Cronobiologia.

O Ritmo Circadiano mantém seu corpo alerta durante as horas de claridade e ajuda a relaxar à noite. É capaz até mesmo de lhe acordar na hora certa pela manhã quando você se esquece de ajustar o alarme na cabeceira. Infelizmente, este mesmo relógio lhe acorda nos dias em que você poderia dormir até um pouco mais tarde...

Nos mamíferos – e você quase certamente é um deles -, o relógio biológico localiza-se numa porção do cérebro chamada Hipotálamo. Mas não perca tempo tentando encontrar o seu. Apenas certifique-se de que ele continue funcionando por mais algumas décadas. Em alguns insetos, o relógio biológico está na retina dos olhos. Nos pássaros, ele pode ser encontrado no hipotálamo ou na glândula pineal.

Em todos os casos, estes relógios estão vinculados a receptores sensíveis que sincronizam o relógio interno com a luz do sol. Funciona da seguinte maneira: ao atingir receptores na retina, a luz solar desencadeia estímulos que viajam por fibras nervosas até o cérebro, dando corda no seu mecanismo de horários. Estas fibras também transmitem sinais que afetam níveis hormonais relacionados ao ajuste do relógio interno.

Por exemplo: os níveis de Cortisol (um hormônio relacionado ao metabolismo e ao sistema de imunológico), são maiores entre 6 e 8 da manhã, diminuindo gradualmente durante o dia. Ao mudar o padrão de sono, os níveis de Cortisol também se alteram. O hormônio do crescimento (GH), por sua vez, aumenta com o sono em crianças – os níveis máximos são atingidos nas primeiras duas horas de sono. Se a criança apresenta distúrbios do sono, a produção de GH cai, prejudicando seu desenvolvimento.

Os derrames e os ataques cardíacos são mais comuns no período da manhã do que em qualquer outro horário do dia. Muitas pessoas podem pensar que não é seguro, então, exercitar-se pela manhã. Todavia, a culpa não está no exercício, mas nas alterações do Ritmo Circadiano: entre outras coisas, os níveis elevados de Cortisol fazem com que o sangue se coagule mais rapidamente por volta das 8 horas da manhã. A pressão também se eleva neste horário, permanecendo assim até o final da tarde, quando começa a cair, atingindo seu ponto mais baixo durante a noite.
Ainda, atletas experimentam picos de temperatura, força e flexibilidade no final da tarde – e este é o melhor período do dia para competirem. À tarde, a sensibilidade à dor também é menor.

O relógio interno pode ser regulado por estímulos não-luminosos, como exercícios, drogas, remédios e hormônios. À medida que envelhecemos, o marcapasso cerebral perde células, alterando os ritmos circadianos – e isto, associado ao uso de vários remédios e à falta de atividade física regular, pode explicar o relógio “desregulado” de pessoas mais idosas.

Dormir uma ou duas horas mais tarde além do horário habitual também pode causar problemas. É mais difícil acordar na manhã seguinte e não raramente passamos o dia irritados e com dor de cabeça. Isto pode não ser simplesmente “falta de uma noite bem dormida”, mas uma alteração no padrão do ritmo circadiano. Neste caso, a pessoa está em um ritmo onde o corpo quer descansar das 4 da manhã até às 5 da tarde. E aí, seu dia de praia foi-se.

Manter um horário regular para o sono e as refeições, praticar exercícios durante o dia (e não à noite, quando você aumenta a carga de adrenalina e prejudica o sono) e relaxar por alguns minutos antes de ir para a cama são táticas que ajudam o bom funcionamento do seu relógio biológico.

Agora sim, dê corda à vontade.



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Dr. Alessandro Loiola é médico, palestrante e escritor, autor de PARA ALÉM DA JUVENTUDE – GUIA PARA UMA MATURIDADE SAUDÁVEL (Ed. Leitura) e VIDA E SAÚDE DA CRIANÇA (Ed. Natureza). Atualmente reside e clinica em Belo Horizonte, Minas Gerais.