30 setembro 2007

DOS ACELERÔMETROS À SERENDIPIDADE

© Dr. Alessandro Loiola


Não vendo nem represento empresas de eletroeletrônicos, mas sou obrigado a lhe perguntar: você sabe o que é Wii? (Se pronuncia como os franceses dizem sim: uí). Disfarçado de videogame, o Wii é o prenúncio de uma revolução camuflada de brincadeira.

Funciona assim: o controle sem fio do Wii possui sensores especiais chamados Acelerômetros que captam as ações do jogador em 3 dimensões (linear, vertical e de rotação), transferindo-as para o ambiente do jogo na TV. Para arremessar uma bola de boliche durante uma partida, por exemplo, você deve ficar de pé em frente à tela, que exibe uma pista e todos os respectivos pinos, e arremessar sua bola virtual fazendo os movimentos de uma partida de boliche real.

O mesmo princípio vale para jogos de golfe, duelos de espada e lutas de boxe. Em todos eles, você se movimenta de verdade, ao invés de apenas ficar esparramado no sofá apertando botões e ganhando tendinites. Mas o taco de golfe, a espada e a bola de boliche têm o peso de um pequeno controle remoto dotado de acelerômetros. Nada de força física. Apenas habilidade.

A tecnologia que desaguou no Wii não é nova. Desde a década de 1990, a indústria automobilística vinha utilizando acelerômetros para avaliar acidentes e desenvolver airbags mais eficazes. No cinema, técnicas similares são empregadas há vários anos para animar personagens virtuais - vide o extraordinário Tom Hanks digitalizado no filme O Expresso Polar.

Apesar dos jogos utilizando a tecnologia Wii terem sido lançados há cerca de 1 ano, o preço limitou sua popularização do lado de cá da Linha do Equador. Na banda de cima do Globo, contudo, a história é diferente e recentemente a tecnologia Wii começou a conquistar um público no mínimo curioso.

Jornais como o Dailly, um periódico produzido por estudantes da Universidade de Washington (EUA), e o prestigiado Chicago Tribune vêm dedicando páginas ao “fenômeno Wii” entre americanos com mais de 60 anos.

Não é difícil perceber o atrativo dos jogos Wii para a Terceira Idade. Eles reúnem - em um só pacote - entretenimento de fácil aprendizagem, sociabilização em um ambiente alegre e dinâmico, e possibilidade de movimentação ativa sem sobrecarga de peso. Em outras palavras: um prato cheio para festas animadíssimas! Precisa mais? Sim, precisa: o Wii aguarda ansiosamente a chegada da Serendipidade.

O termo Serendipidade é aplicado para designar descobertas acidentais feitas graças à criatividade de pessoas extraordinárias. Por exemplo: a descoberta da penicilina em 1928, pelo bacteriologista Alexander Fleming, ocorreu pela observação cuidadosa de um acidente de laboratório. Outros exemplos de Serendipidade incluem as vacinas, a pílula anticoncepcional, o cateterismo cardíaco e o famoso Viagra.

O Wii é um terreno fértil para a Serendipidade. Ele pode ter começado seus dias com octogenários lutando boxe no meio da sala e netos entusiasmados gritando “vai vovó, dá um direto de esquerda nele!”, mas podemos ir além. Muito além.

Pense em cadeiras de rodas Wii e computadores acionados com discretos meneios de cabeça. Casas Wii onde os moradores regulam desde o canal da televisão à altura do fogo no forno e a temperatura da água no chuveiro com um controle remoto universal capaz de compreender movimentos simples desenhados no ar. Tente imaginar o impacto destes avanços na vida de pessoas portadoras de deficiências.

Hoje, artríticos e cardíacos podem disputar campeonatos de golfe através de consoles Wii, exercitando sem acúmulo de esforço, liberando endorfinas e melhorando sua qualidade de vida. Logo os acelerômetros estarão estimulando obesos sedentários a andar, correr e dançar, reduzindo seu risco cardiovascular. Jogos Wii poderão tornar a reabilitação menos penosa para vítimas de derrame ou acidentes, ou pessoas submetidas a cirurgias articulares, potencializando a recuperação. As aplicações desta tecnologia em saúde tendem ao infinito.

Dizem que o futuro costuma chegar sem aviso. Prefiro acreditar que, algumas vezes, ele manda sim seus sinais. Até mesmo na imagem de um grupo de velhinhos rindo e se divertindo pra valer em uma inocente partida de boliche virtual.
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Dr. Alessandro Loiola é médico, palestrante e escritor, autor de PARA ALÉM DA JUVENTUDE – GUIA PARA UMA MATURIDADE SAUDÁVEL (Ed. Leitura) e VIDA E SAÚDE DA CRIANÇA (Ed. Natureza). Atualmente reside e clinica em Belo Horizonte, Minas Gerais.

3a semana de Biomedicina - Faculdade Pio XII / ES

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12 setembro 2007

A ERA DE UM MINUTO

© Dr. Alessandro Loiola


Antibióticos que matam infecções até na casa do seu vizinho, células-tronco que curam o incurável, cirurgias complexas feitas com incisões mínimas. Os avanços médicos seguem em uma progressão alucinante, como se a fonte da juventude estivesse na próxima esquina. E a próxima esquina nunca pareceu estar tão próxima.

Durante uma dessas avalanches de notícias científicas, me dei conta de algo incômodo. Percebi que, para além da Era dos Milagres da Biotecnologia, estamos correndo a toda velocidade na Era de 1 Minuto. Este padrão de conduta – quase uma seita - vem se impregnando profundamente em nosso comportamento.

Por exemplo: sabe o que faz com que os chefes troquem os funcionários que ainda não se adaptaram por funcionários novos que não se adaptaram ainda? Exatamente, ela, a Era de 1 Minuto. A essência está na rapidez: o sujeito deve vir acabado, sem bordas ou arestas, prontinho para ser colocado na engrenagem.

A Era de 1 Minuto também vem estendendo seus tentáculos na vida conjugal. Os casamentos parecem durar menos que a Lua de Mel. Você mal se encontrou nas fotos da festa – “puxa, olha como eu estava mais magro!” - e eles já estão terminando tudo porque ela ronca ou faz barulho quando mastiga, ou ele não corta as unhas do pé ou conversa apontando com o garfo durante as refeições.

Inebriados pela filosofia desta nova Era, os jovens casais querem encontrar no outro uma sandália que não desgasta, não tem cheiro e não solta as tiras. E, de preferência, que esteja (sempre) à disposição para uma massagem relaxante no final do dia. Se não for assim, bom, paciência. A fila anda. Que venha o próximo pretendente a cônjuge-minuto.

A Medicina não poderia passar impune. Na verdade, ela está repleta de queixas e sindicâncias contra médicos que não resolveram o problema do paciente utilizando as fantásticas técnicas da Era de 1 Minuto. Para quem olha de fora, médico bom é o que resolve rápido – nem que seja com altas doses de Charlatanicina associada a Embromanol. Para quem olha de dentro, a impressão que fica é de que a relação médico-paciente está fugindo da construção de um compromisso no longo prazo e se aproximando de um prato instantâneo de Miojo. Sem molho.

As pessoas passam anos empurrando a hipertensão arterial com a barriga empanzinada de sedentarismo, acham que sobrepeso é sinal de prosperidade e acreditam piamente que diabetes é aquela doença que só dá nos outros. Um belo dia, ao receberem uma receita com a conta dos anos de maus tratos ao próprio corpo, a ficha cai. “Toca aí para o consultório rápido, seu motorista, que eu tenho que resolver isso hoje sem falta !”.

O sempre genial Millôr Fernandes uma vez escreveu que o defunto é o produto final da humanidade. Nós, vivos, somos apenas a matéria-prima. Moral da história à parte, é verdade que passamos décadas nos preocupado demais com coisas que jamais acontecerão, e deixamos de prestar a devida atenção às sementes que plantamos no caminho. No derradeiro instante em que tomamos consciência, queremos tudo resolvido de imediato. Pois bem: esqueça as saídas mágicas no último minuto. Ninguém virá lhe resgatar milagrosamente de suas próprias escolhas. Acredite ou não, a isso se chama responsabilidade.

Cuide-se, seja vigilante com sua saúde, ame intensamente sua família, viva sem preguiça, mas também sem pressa de viver. E fuja das promessas da Era de 1 Minuto. Mesmo quando concretizadas, elas não duram muito mais que isso.

A ânsia dos habitantes do mundo moderno, que querem ver todos os seus problemas – desde os financeiros até os de saúde – resolvidos num piscar de olhos, me lembrou uma pequena parábola Oriental. Uma certa tarde, o jovem discípulo foi acometido de uma intensa infecção intestinal e correu ao único banheiro do mosteiro, mas encontrou-o ocupado pelo seu Mestre. Muito respeitoso e segurando a duras penas seus esfíncteres, o discípulo perguntou apressado:
- Mestre, quanto tempo é 1 minuto?
O mestre pensou, pensou, e respondeu lá do trono com toda paciência:
- Meu filho, 1 minuto pode ser a eternidade.
- E o que é a eternidade, mestre?
- Você saberá em 1 minuto...

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Dr. Alessandro Loiola é médico, palestrante e escritor, autor de PARA ALÉM DA JUVENTUDE – GUIA PARA UMA MATURIDADE SAUDÁVEL (Ed. Leitura) e VIDA E SAÚDE DA CRIANÇA (Ed. Natureza). Atualmente reside e clinica em Belo Horizonte, Minas Gerais.

DUAS COLHERES DE SORRISO, VÁRIAS VEZES AO DIA

© Dr. Alessandro Loiola


O médico Thomas Sydenham disse, lá pelo Século XVII, que a chegada de um bom palhaço causa mais influências benéficas à saúde de uma cidade que vinte carroças cheias de medicamentos. O célebre Voltaire tinha idéias semelhantes quando afirmou que a arte da medicina consiste em manter o paciente alegre e sorrindo enquanto a natureza faz a sua parte.

A ciência está começando a confirmar que rir faz um bem danado à saúde. Rindo perante os desafios, você sai do medo paralisante e enxerga mais claramente todas as suas alternativas. Durante o riso, o cérebro libera neurotransmissores que aumentam o nível de alerta, a capacidade de concentração e diminuem a sensibilidade à dor.

Uma boa risada estimula os músculos da face, do abdome e o diafragma. Dependendo da sua animação, a sacudida pode chegar aos músculos dos braços e das pernas. Rir também ajuda no controle da pressão arterial, protege o coração, aumenta a oxigenação do sangue e estimula células estratégicas no sistema de defesa, chamadas Natural Killers, responsáveis pelo combate às células cancerosas. Os cientistas descobriram que assistir vídeos de comédia eleva os níveis de anticorpos na saliva, aumentando a proteção contra infecções como resfriados.

Os bebês começam a rir por volta da 10ª semana de vida. Com 4 meses, eles riem uma vez a cada 1 hora, em média. Aos 4 anos, rimos uma vez a cada 4 minutos – ou 360 vezes por dia. Infelizmente, quando atingimos a idade adulta, passamos a rir menos de 15 vezes por dia. Parte disso é influência da cultura, que estimula o comportamento sóbrio, mas parte é nossa culpa. É preciso mudar. Afinal de contas, risadas não são um remédio difícil de engolir.

Para melhorar seu humor, recomendo incluir as seguintes recomendações no seu dia a dia:

1) Exagere na projeção dos seus anseios. Isso ajuda a ter uma idéia exata do tamanho das nossas tolices. Por exemplo: o vendedor lhe convenceu que, sem aquela maravilhosa TV de plasma de 500 polegadas, sua vida não tem mais propósito algum. Isso apesar do preço da TV ser maior que a venda dos seus dois rins. O que fazer? Saia e dê uma passada na seção de piadas da livraria mais próxima. Folheie alguns exemplares por alguns minutos e então retorne à loja, mais calmo. Procure o vendedor e pergunte: “Você aceitaria uma córnea de entrada e o fígado em suaves parcelas?”

2) Treine seus sentidos para perceber o humor escondido nos lugares mais inesperados: nas coisas que as crianças dizem e escrevem, nas situações constrangedoras que você irá se envolver durante o dia, naquela piada que seu chefe está contando pela quarta vez esta semana, etc.

3) Piadas. Ao ouvir uma boa piada, escreva-a em um pedaço de papel e guarde consigo. Conte-a para cinco pessoas assim que puder. Se forem 5 pessoas que não ouviram a piada junto com você da primeira vez, melhor. E ria bastante das piadas dos seus amigos. Eles se sentirão melhor e você parecerá mais simpático, facilitando quando for pedir dinheiro emprestado.

4) Interaja ! No banheiro, depois de certificar que as visitas e aquele seu parente metido à psiquiatra não estão por perto, posicione-se na frente do espelho e faça caretas pra você mesmo. Com o mesmo cuidado para não ser confundido com um fugitivo do manicômio mais próximo, converse e ria com estranhos no elevador, no ponto de ônibus, na fila da padaria. Brinque com as crianças feito uma criança.

5) Tenha um animal de estimação e divirta-se com ele. Não, trazer sua sogra para dentro de casa e ensiná-la a buscar o jornal na portaria não é um começo, mas mostra que você está perto de entender o conceito.

6) Uma vez, eu disse a um paciente: o senhor continua sentindo suores, aceleração dos batimentos cardíacos ou fadiga durante a noite? “Só quando dou sorte com a patroa, doutor” – ele respondeu. Moral da história: não economize esforços na sua busca pelo lado cômico da vida. Perdeu contato com aquele seu amigo engraçado? Procure no catálogo telefônico, na Internet, freqüente sessões espíritas, se preciso.

7) A morte faz parte da existência desde o surgimento do primeiro ser vivo. Mas você não morreu ainda, certo? Então aproveite!

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Dr. Alessandro Loiola é médico, palestrante e escritor, autor de PARA ALÉM DA JUVENTUDE – GUIA PARA UMA MATURIDADE SAUDÁVEL (Ed. Leitura) e VIDA E SAÚDE DA CRIANÇA (Ed. Natureza). Atualmente reside e clinica em Belo Horizonte, Minas Gerais.

01 setembro 2007

CONDILOMATOSE

© Dr. Alessandro Loiola


Eu já estava queimando os últimos neurônios tentando entender porque aquele sujeito havia marcado uma consulta - afinal, ele negava tudo quanto era sintoma e parecia desfrutar do mais perfeito estado de saúde. Passaram-se vários e vários minutos até que ele criasse coragem, soltando o verbo: estava com “verrugas genitais”. Ah, agora a enrolação fazia sentido.

Um exame rápido e percebi que ele não estava com uma verruga qualquer, mas com uma condilomatose tipo figura de livro, pra estudante de medicina nenhum deixar de fazer o diagnóstico.

A condilomatose é uma doença causada pelo Papiloma Vírus Humano, ou HPV, e se caracteriza por pequenas verrugas indolores na região genital e perianal. Coceira ou irritação local raramente ocorrem, mas em pessoas com alterações no sistema de defesa, a condilomatose pode crescer rapidamente e envolver áreas extensas.

O HPV é altamente contagioso. Aproximadamente 2/3 das pessoas com relato de contato íntimo com alguém infectado pelo HPV desenvolvem condilomatose nos 3 meses seguintes, resultando em milhões de novos casos a cada ano.

As mulheres sexualmente ativas com idade inferior a 25 anos apresentam os maiores índices de infecção pelo HPV, mas o problema também pode acometer crianças e até bebês, devido à exposição durante o parto. Entretanto, a presença de verrugas genitais em uma criança deve levantar sempre a possibilidade de abuso sexual infantil.

Existem vários tratamentos para a Condilomatose e nenhum é considerado superior ao outro. A estratégia é eliminar o máximo de lesões visíveis, até que o sistema imune seja capaz de eliminar definitivamente o vírus (a maioria dos casos de Condilomatose regride espontaneamente após um certo tempo).

A escolha por um ou outro tratamento dependerá da experiência pessoal do médico, do estágio da doença, do comportamento sexual da pessoa e do estado do seu sistema de defesa, entre outros fatores. Em todos os casos, é recomendável fazer uma reavaliação após 3 e 6 meses de tratamento para detectar e tratar precocemente possíveis recidivas.

A principal medida para evitar o HPV continua sendo a prática sexual segura, utilizando corretamente preservativos e evitando a promiscuidade. Em 2006, foi disponibilizada uma vacina que protege contra os principais tipos de HPV, mas o esquema não oferece proteção para quem já se encontra infectado pelo vírus.

Felizmente, apesar de extensa, a doença do nosso amigo do começo da crônica respondeu bem ao tratamento e ele escapou por pouco de repetir a história de um outro que, também acometido por uma baita condilomatose, recebeu a sentença do velho médico generalista em sua cidade natal:

- Infelizmente, nesse estágio não tem mais cura. Vamos ter que cortar!
Sem acreditar, o homem foi em busca de um profissional mais jovem na cidade vizinha, mas o diagnóstico foi o mesmo. Deprimido, decidiu consultar um renomado (e caríssimo) especialista na cidade grande. Depois da consulta paga e algumas horas na sala de espera, o figurão recebe o paciente e olha bem pro rapaz, e olha pro equipamento, e diz tirando as luvas:
- A boa notícia é que você não vai precisar cortar coisa alguma fora.
O sujeito nem acredita: seu pesadelo acabou!- Então existe um tratamento para isso, doutor?
- Não, não. Mas não precisa cortar. Vai cair sozinho.

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Dr. Alessandro Loiola é médico, palestrante e escritor, autor de PARA ALÉM DA JUVENTUDE – GUIA PARA UMA MATURIDADE SAUDÁVEL (Ed. Leitura) e VIDA E SAÚDE DA CRIANÇA (Ed. Natureza). Atualmente reside e clinica em Belo Horizonte, Minas Gerais.