25 agosto 2007

DOUTOR CONSULFONE

© Dr. Alessandro Loiola


É possível que um dos casamentos mais antigos entre a Medicina e a tecnologia de comunicação tenha sido o Consulfone, aquela consultinha rápida que algumas pessoas adoram fazer pelo telefone.

- Desculpa te importunar com isso, mas fiquei preocupado e... – segue um imbróglio de sinais e sintomas que cobre desde a primeira lembrança da tenra infância do sujeito até sua lista de compras na feira do dia.

Em alguns casos, o Consulfone resulta em orientações úteis, mas nem sempre é assim. Algumas edições são verdadeiros testes mediúnicos:

- É minha avó, doutor, ela tá com uma queimação atrás da orelha, o que acha que pode ser?

Como assim, o que eu acho que pode ser ? Uma queimação atrás da orelha??

– Olha, tantos anos depois da faculdade, nem lembro mais onde deixei meu jogo de búzios baianos legítimos... Pode aguardar um minutinho?

Outros ligam para dar um nó no cérebro da gente. Entre o caminho de um hospital a outro, toca o celular. Encosto o carro, atendo e paro para ouvir:

- Ontem assisti uma reportagem sobre câncer e, como tenho sentido um comichão no dedo médio do pé esquerdo, pensei em ligar e perguntar: o que você acha da fitoterapia para queda de cabelos?

Pronto. Vou levar uns 10 minutos até lembrar como engato a primeira marcha. E mais uns 20 até descobrir que rua é essa mesmo...?

O Consulfone mais recente foi de alguém da família querendo tirar dúvidas sobre Cistite. Mulher, meia idade, com mais uma crise de inflamação na bexiga.

- Quero saber porque vivo tendo isso, você pode me explicar?

Como senti que ela estava a um passo de retornar ao médico que a havia consultado para parti-lo ao meio com a caixa de antibióticos, enveredei pela ciência.

As infecções urinárias baixas, particularmente as Cistites, são bastante comuns em mulheres. Cerca de 20% delas sofrerão pelo menos 1 episódio ao longo da vida. Ainda não se sabe ao certo o porquê da preferência das Cistites pelo sexo feminino, mas existem fortes suspeitos. Por exemplo, o canal de saída da urina (a uretra) é duas vezes mais longo nos homens e seu orifício de abertura, mais amplo nas mulheres, facilitando a contaminação da urina por bactérias - e o maior número de Cistites - entre Elas.

As características da uretra feminina também facilitam a contaminação da urina após o intercurso sexual. Este tipo de infecção é tão comum que possui até um apelido: Cistite da Lua de Mel.

Dor ao urinar, mudança na cor e no odor típico da urina são as principais manifestações da Cistite. O diagnóstico pode ser feito através de um exame de urina de rotina. Contudo, qualquer pessoa com relato de mais de duas infecções urinárias em 6 meses ou mais de 3 infecções em 1 ano deve realizar exames especializados para avaliar fatores predisponentes, tais como doenças sexualmente transmissíveis, pedras nos rins ou má-formação nas vias urinárias.

Em homens, a cistite pode significar ainda a presença de obstrução na via de saída da urina, sendo necessário avaliar a possibilidade de alterações na próstata.

A Cistite deve ser tratada com analgésicos, antibióticos específicos e orientações sobre higiene: urinar imediatamente após o ato sexual ajuda a eliminar bactérias que possam ter alcançado a bexiga, diminuindo o risco de cistite. O suco de Cranberry, um tipo de uva muito comum na América do Norte, também provou ser um recurso natural eficaz para reduzir a incidência de Cistite.

- Enfim, converse calmamente com seu médico – disse, terminando o Consulfone familiar convencido de que este recurso pode ser reconfortante para alguns, mas jamais irá substituir o bom e velho exame clínico realizado ao vivo e em cores.

O paciente de um colega médico, que parecia compreender a importância disso e do quão desconfortável é ficar realizando Consulfones à distância, ligou para ele bem no meio da madrugada:
- Alô...
- Doutor, quanto o senhor cobra por uma consulta aqui em casa?
- Hein? Hum... Duzentos reais.
- E por uma consulta no seu consultório?
- Cem reais.
- Tá bem. – o sujeito fez uma rápida pausa e completou, muito solícito – A gente se encontra daqui a 15 minutos lá no seu consultório.

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Dr. Alessandro Loiola é médico, palestrante e escritor, autor de PARA ALÉM DA JUVENTUDE – GUIA PARA UMA MATURIDADE SAUDÁVEL (Ed. Leitura) e VIDA E SAÚDE DA CRIANÇA (Ed. Natureza). Atualmente reside e clinica em Belo Horizonte, Minas Gerais.

14 agosto 2007

NADA MENOS QUE MAIS UMA GOTA

© Dr. Alessandro Loiola


Ele entrou no consultório andando torto como deve andar um Curupira. Os pés não estavam para trás, mas precisei dar uma boa olhada para confirmar isso.
- É doutor, dessa vez a pelada me pegou de jeito. O pé direito tá me matando – foi tirando o sapato com aquela cara de sofrimento digna de um Oscar.
- Pisaram em cima? Caiu, torceu...?
- Nada, nada. Joguei bola ontem, tudo certo. Beliscamos uns petiscos, tomamos umas depois, fui para casa em paz e acordei com esse despertador aí latejando – apontou para o dedão vermelho e inchado.

Nenhum sinal de deslocamento, radiografia sem fratura. Passei os remédios de praxe e pedi alguns exames. No dia seguinte ele voltou, menos Curupira que no dia anterior. Entregou os resultados e sentou feito um menino enquanto o pai checa o boletim do semestre.
- Rapaz, sabe aquele bife suculento do almoço?
- Sim.
- Pois ele estava cheio de Purinas.
- Purinoquê?
- Purinas. São substâncias presentes nos alimentos, especialmente carnes. A digestão das purinas resulta na produção de ácido úrico. Normalmente, o corpo é capaz de eliminar o excesso de ácido úrico, mantendo a concentração sangüínea abaixo de 7 miligramas por decilitro.
- Certo.
- Em algumas circunstâncias, o organismo produz uma quantidade muito grande ou perde a capacidade de eliminar o ácido úrico produzido em excesso. Como quando a gente como carnes em excesso, desidrata ou toma umas cervejas além da conta.
- Humm... – ele murmurou. Nada como um bom sentimento de culpa para despertar o compromisso com a própria saúde.
- Na temperatura corporal e em concentrações acima de 7, o ácido úrico se transforma em cristais que se depositam nas articulações, causando dor e inflamação intensa. Essa situação é conhecida como Gota. Você está com Gota.
- Afmaria, meu avô morreu disso!
- É, mas hoje em dia ninguém morre por causa de Gota. Apenas você terá que tomar alguns remédios e cuidados. Na verdade, mais cuidados que remédios.

Ainda assim, o medo dele até que procedia. Nos idos de 1900 e antigamente, toda pessoa portadora de Gota evoluía com dores articulares crônicas e incapacitantes. Após décadas de pesquisa, a Gota deixou de representar uma grande ameaça à saúde, mas continua sendo uma doença com risco de complicações sérias, podendo levar à deformidades, hipertensão arterial, diabetes e problemas renais graves.

Os principais fatores de risco para Gota incluem cigarro, obesidade e consumo excessivo de bebidas alcoólicas. No caso do nosso paciente, ele preenchia todos os critérios de risco, com louvor.

A dor em uma articulação é a manifestação mais comum: cerca de 90% dos pacientes apresentam inflamação aguda em uma única articulação, em geral nos membros inferiores. O dedão é o local mais comum da primeira crise. O diagnóstico é feito através do exame médico e de alguns testes complementares.

Toda pessoa que já sofreu um ataque de Gota deve fazer um tratamento específico para reduzir os níveis de ácido úrico no sangue. Além de prevenir novas crises, o tratamento também diminui o risco de destruição das articulações. A alimentação correta é essencial nesse sentido: uma dieta adequada é capaz de reduzir 1-2 pontos totais nos níveis sangüíneos de ácido úrico. Apesar de parecer insignificante, essa redução pode ser a diferença entre uma vida normal ou dores permanentes.

Quem tem Gota deve evitar carnes, miúdos, peixes, frutos do mar, aves e bebidas alcoólicas de todos os tipos. Os líquidos devem ser ingeridos à vontade, para que a urina esteja sempre clara. Entretanto, o álcool – especialmente a cerveja - deve ser evitado, pois pode precipitar ataques dolorosos.

Leite, chá, café, chocolate, queijos magros, ovos cozidos, manteiga e margarina, pão, macarrão, fubá, mandioca, arroz branco, milho, vegetais, doces e frutas não causam crises.

Finalmente, alguns alimentos naturais, como Abacaxi, Alho, Arnica, Arruda, Camomila, Couve, Inhame, Limão, Mirtilo, Tomilho e Zedoária, podem auxiliar a reduzir os sintomas, mas não devem ser utilizados indiscriminadamente sem recomendação profissional especializada.


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Dr. Alessandro Loiola é médico, palestrante e escritor, autor de PARA ALÉM DA JUVENTUDE – GUIA PARA UMA MATURIDADE SAUDÁVEL (Ed. Leitura) e VIDA E SAÚDE DA CRIANÇA (Ed. Natureza). Atualmente reside e clinica em Belo Horizonte, Minas Gerais.

07 agosto 2007

REVISITANDO A LINGUAGEM CORPORAL


Pesquisas realizadas nas últimas décadas mostraram que, quando você está falando, apenas 7% da mensagem está sendo transmitida para os outros através das palavras. Outros 38% estão relacionados à entonação do que é dito.

Um bom exemplo da importância da entonação está no treinamento de cães de guarda: eles não interpretam a gramática das frases, mas o seu tom de voz. Um comando de conteúdo imperativo, emitido em um timbre de voz baixou ou trêmulo, transparece insegurança e dificilmente será obedecido. Porém, se emitido em tom mais alto e firme, transmite o sentimento adequado de liderança e resulta na ação esperada. O mesmo principio pode ser aplicado às crianças em casa e em salas de aula cheias de adolescentes.


Bom, mas 7% de um, somados a 38% de outro, são iguais a 45%. Onde se meteram os outros 55% do que você queria dizer? Fácil: eles estão espalhados pelo seu corpo todo. É a famigerada Linguagem Corporal.

A Linguagem Corporal é um instrumento de comunicação tão antigo e bem sucedido que se incrustou em nossos genes: crianças que nasceram cegas sorriem, ainda que elas jamais tenham visto um sorriso para reconhecer seu significado. Somos todos geneticamente programados para emitir e interpretar esta comunicação silenciosa. E dominar seus sinais pode fazer toda a diferença.

As estatísticas mostram que pessoas que sabem como controlar voluntariamente o tom de voz e a linguagem corporal são consideradas mais atraentes que aquelas que deixam tudo por conta do instinto. Isso ocorre porque a primeira impressão que os outros fazem de você não começa no momento em que você começa a falar. Esta impressão começou a ser construída muito antes, a partir da sua postura, padrão respiratório, aparência e movimentos.

Não existe um conselho universal sobre como utilizar a linguagem corporal, mas algumas recomendações básicas devem ser conhecidas. Procure estar sempre ciente do que seu corpo está dizendo enquanto você se senta, anda, permanece em pé ou gesticula.

Uma boa dica é vencer a timidez e praticar um pouco na frente do espelho. Eu sei, parece tolice, mas quem estará olhando afinal de contas? O espelho lhe dará uma boa idéia de como analisar a linguagem corporal dos outros e o que seu corpo pode estar dizendo enquanto você permanece em silêncio.

Observe seus amigos, artistas, políticos, e qualquer pessoa que você considere possuir uma boa linguagem corporal. Estude como estas pessoas agem e copie um ou outro padrão de linguagem. É provável que você exagere no começo e pareça artificial, mas a prática leva à perfeição – se você não começar um dia, então quando?

Para facilitar seu treinamento, eu selecionei algumas situações rotineiras onde você pode empregar o conhecimento da Linguagem Corporal a seu favor. Veja só:


INSPIRANDO CONFIANÇA

Para transmitir uma imagem de confiança (p.ex.: durante uma reunião de trabalho), mantenha braços e pernas descruzados, e relaxe os ombros. Se estiver sentado, procure uma posição relaxada e confortável, mas não escorregue pela cadeira até o fundo da mesa.

Nada de ficar contemplando o chão ou a tampa da sua esferográfica: faça contato visual com as pessoas. Olhe seus interlocutores nos olhos. Se possível, vire um pouco seu corpo, incline-se na direção da pessoa e balance a cabeça discretamente, de modo afirmativo. Isso irá mostrar que você está prestando total atenção ao que está sendo dito. Quando for sua vez de falar, seja firme porém mantenha a calma.

E cuidado com alguns sinais que podem detonar sua imagem. Tocar seu rosto significa irritabilidade, nervosismo ou indecisão. Dedos tamborilando denotam distração, falta de sintonia com o grupo ou com as idéias outro. Braços cruzados sobre o peito podem indicar defesa, tédio ou reprovação.


DETECTANDO MENTIRAS

Obviamente, o simples fato de alguém exibir alguns dos comportamentos descritos a seguir não significa que está mentido descaradamente. Estes padrões devem ser comparados com o jeito de ser da pessoa e jamais considerados de modo isolado. Certo até aqui? Então vamos lá:

De um modo geral, o primeiro sinal emitido pelo mentiroso é a falta de contato visual – nada de “olhos nos olhos”. Se você observar melhor, verá que antes de responder às suas perguntas, o mentiroso desvia o olhar para a sua esquerda. Isso significa o uso de áreas do cérebro envolvidas com imaginação – ele está “criando” uma lembrança, ao invés de relatar o que realmente aconteceu e está guardado em sua memória. O olhar desviado para a sua direita significa a ativação de áreas cerebrais responsáveis pela memória, e tende a significar que ele está relatando uma lembrança verídica.

Ao contar uma mentira, movimentamos pouco os braços e pernas. Os movimentos são pouco expansivos, evitando chamar ainda mais a atenção. Toques sutis no nariz e na região atrás das orelhas são comuns, assim como colocar inconscientemente objetos (p.ex.: um livro, uma xícara de café) entre você e a outra pessoa.

Os mentirosos costumam repetir o que você disse quando respondem algo. Por exemplo, ao perguntar ao seu filho “você já fez o dever de casa?”, ao mentir ele tende a responder “Já, mãe, eu já fiz o dever de casa”. Uma resposta mais honesta consistiria em um simples “Já”.

Finalmente, pessoas culpadas costumam agir na defensiva, enquanto que os inocentes quase sempre assumem um comportamento agressivo quando acusados. Um modo prático de verificar este comportamento consiste em mudar repentinamente de assunto. O mentiroso irá seguir a mudança, agradecido e relaxado por se ver livre a saia justa. O inocente acusado insistirá no tópico anterior, buscando esclarecer e mostrar sua ausência de culpa.


FLERTANDO

Na arte da conquista, a linguagem corporal pesa mais que as palavras. Quando gostamos de algo que estamos vendo, nossas pupilas se dilatam e piscamos os olhos mais que o habitual. Mas existem outros sinais típicos e de fácil detecção.

Quando estão flertando, os homens tendem a posicionar as mãos sobre a fivela do cinto ou pendurada com os polegares nos bolsos da frente (é a “postura de moldura”, chamando atenção para a região genital). Eles também se esticam, espreguiçam, respiram profundamente e tencionam os músculos – tudo para parecerem maiores e mais fortes do que realmente são.

As mulheres emitem sinais semelhantes: para assumir um flerte, elas mexem nos cabelos, jogando-os de um lado para o outro e expondo o pescoço. Outro gesto bastante utilizado é a posição de pernas cruzadas com uma mão sobre a coxa. Esta atitude dá às pernas uma aparência torneada e é considerada uma indicação clara de interesse.

Alguns sinais funcionam para ambos os sexos. Por exemplo, a Triangulação do olhar. Primeiro, fazemos contato visual com um dos olhos da pessoa que temos interesse, então com o outro olho, e em seguida observamos sua boca enquanto fala. A alternância do olhar entre estes 3 pontos denota admiração e interesse sexual.

A Imagem em Espelho é outro padrão freqüente. Duas pessoas em sintonia costumam manter seus corpos em posições semelhantes enquanto conversam. Se você deseja despertar interesse em alguém, este é um recurso bastante útil, podendo ser utilizado em quase todas as situações. Espelhar o posicionamento do corpo do outro durante um bate-papo cria um sentimento instantâneo de empatia, passando a mensagem de que você compreende e respeita o ponto de vista daquela pessoa.

Se você está em uma festa ou reunião informal e se aproximou de alguém interessante, não segure nada na frente do seu coração. Se estiver com um drinque, coloque-o sobre um apoio ou simplesmente segure-o do seu lado e mantenha uma distância um pouco maior que 1 passo daquela pessoa. Respeitar o espaço individual do outro é sinal de sofisticação e autoconfiança. Se houve receptividade, você pode ir se aproximando, mas sempre aos poucos.

Por último e não menos importante: esqueça aquele olhar sexy entediado que treinou por horas no espelho do banheiro. Pessoas sorridentes são sempre mais atraentes e sedutoras.



02 agosto 2007

QUALIDADE DE VIDA OU VIDA COM QUALIDADE?

© Dr. Alessandro Loiola


Quando se pensa em temas de saúde, é fácil constatar que a Qualidade de Vida é um dos campeões em investimentos e pesquisas. Apenas nas últimas duas décadas, surgiram centenas de institutos nesta área e até mesmo uma (extremamente bem organizada) Associação Brasileira de Qualidade de Vida.

E por que tanta festa em torno da Qualidade de Vida? Ora, porque ela parece dizer respeito à quase tudo! Você não gosta do seu chefe? Alguém pisou na sua unha encravada? Quer mais 50 canais na sua TV por assinatura e 3 meses de férias por ano? Então você está precisando melhorar sua qualidade de vida. Certo?

Errado. Veja só:

Os especialistas definem Qualidade de Vida como uma análise dos fatores que afetam o bem estar e o sentido que damos para nossas vidas. Isto envolve o funcionamento e a busca pelo aprimoramento físico, psicológico e espiritual de cada ser humano, levando em conta as características do meio ambiente em que vive.

Traduzindo para o compreensível: por Qualidade de Vida, entenda “viver com qualidade”. Esqueça o tamanho do seu bolso, seu celular de última geração e outras conquistas incríveis na escada social. Qualidade de vida tem a ver com um sentimento de plenitude. É aquilo que você finge não escutar dia após dia.

Há vários anos, em uma entrevista durante os festejos natalinos, uma atriz milionária e filantropa foi questionada pelo repórter sobre o que pretendia dar de presente aos seus filhos naquele ano. Após titubear um pouco, a atriz respondeu: - Eu gostaria que eles ganhassem o que me foi mais precioso e estimulante ao longo de toda minha vida: uma infância pobre.

Foram as dificuldades dos primeiros anos, vivendo quase na miséria em uma família de muitos irmãos, que moldaram os pontos de vista daquela mulher. A mesma provação que produziu o sofrimento também resultou em um crescimento pessoal capaz de traduzir-se em uma visão engrandecedora da vida. Esta não é uma percepção solitária.

Desde 1986, a organização inglesa New Economics Foundation (ou NEF) vem pesquisando a qualidade de vida em vários países. Em 2006, cruzando informações relacionadas à longevidade, aos recursos naturais disponíveis e ao índice de satisfação das pessoas com as próprias vidas, a NEF organizou uma lista dos países mais felizes. Os resultados foram no mínimo interessantes:

Apesar de ser considerada a nação mais rica do mundo em renda per capta, Luxemburgo ficou com a 74ª posição no ranking de qualidade de vida da NEF. Os Estados Unidos amargaram um 150o lugar, várias esquinas atrás de Vanuatu (1 o colocado), Colômbia (2 o) e Costa Rica (3 o).

Para satisfazer sua curiosidade, a NEF posicionou o Brasil como o número 63 de sua lista. Isso significa que, apesar de todos os nossos problemas, conseguimos experimentar a vida de modo mais pleno e construtivo que irlandeses, suíços, belgas, italianos ou alemães.

O segredo por trás destes resultados está no fato de muitas pessoas mirarem na Qualidade de Vida como crianças que se escondem para se empanturrar de doces na hora do almoço. Neste caso, no lugar do doce, a população economicamente ativa almeja dinheiro, fama, poder, influência, sucesso. É um enorme equívoco. E um desperdício maior ainda.

O memorável astrônomo Carl Sagan uma vez escreveu que somos um mero microorganismo ordinário vivendo na camada mais externa de um pequeno ponto pálido no céu, e não duraremos mais que algumas poucas voltas em torno da estrela local. Que tal pararmos com as brigas e preocupações, e simplesmente relaxarmos para curtir a viagem? Muito mais que qualidade de vida, isso, sim, seria viver com qualidade. Extrema qualidade.

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Dr. Alessandro Loiola é médico, palestrante e escritor, autor de PARA ALÉM DA JUVENTUDE – GUIA PARA UMA MATURIDADE SAUDÁVEL (Ed. Leitura) e VIDA E SAÚDE DA CRIANÇA (Ed. Natureza). Atualmente reside e clinica em Belo Horizonte, Minas Gerais.