28 agosto 2014

RECEITA ANALFAMÉDICA

© Alessandro Loiola





Compreender os mecanismos que nos levam a adoecer é o primeiro passo para tratar a doença em si – afinal, a prevenção ainda é o melhor remédio. Quando tropeçamos no desafio deste primeiro passo, só nos resta dar o segundo: procurar auxílio e tomar os remédios prescritos pelo médico. E aqui reside uma armadilha sutil.

Não vivemos em um mercado de trabalho capitalista: vivemos em um mercado “canibalista”. E entre garfos e facas, encontrar um profissional em quem confiar pode ser razoavelmente difícil. Encontrar um profissional em quem confiar e que tenha uma receita legível, então, pode ser quase como ganhar sozinho na mega-sena.

Pensando melhor, ganhar na mega-sena não é tão difícil assim...

O fato é que a má-caligrafia dos médicos é legendária, quase um fato inexorável da natureza. “O céu é azul, a água é molhada e a letra do meu médico... virshi!, nem te conto!”. Depois de anos de estudos, alguns médicos ainda não conseguiram alfabetizar sua letra e continuam emitindo receitas Analfamédicas – aqueles papéis contendo algo que deveria ser uma receita, mas guardam uma semelhança muito grande com registros psicográficos de uma crise convulsiva.

Talvez estes médicos possuam algum tipo de distúrbio de condução cerebral que faz com que a letra saia sempre no alfabeto cuneiforme. Ou queiram se comunicar com os farmacêuticos através de códigos, movimentando uma seita conspiratória de bilhões de dólares para construir bases nucleares na Amazônia e roubar os rins de adolescentes indefesos... Qualquer que seja o motivo alucinógeno, é possível calcular intuitivamente (ou seja: chutar) que mais ou menos 85% das receitas médicas são quase incompreensíveis para os não-iniciados. Os 15% restantes são incompreensíveis até para arqueólogos experientes.

E aqui vai a boa notícia do dia: você não precisa enfrentar nada disso. Não precisa e não deve!

Em 1995, nos EUA, o texano Ramon Vasquez faleceu vitimado por um infarto cardíaco aos 42 anos de idade. A família imediatamente processou seu cardiologista, Dr. Ramachandra Kolluru. O motivo: devido à receita analfamédica do Dr. Kolluru, Ramon havia passado duas semanas utilizando doses elevadas de Plendil (um remédio contra hipertensão arterial) quando, na verdade, deveria estar tomando Isordil (um medicamento que promove dilatação das artérias coronárias, diminuindo o risco de infarto cardíaco). Em 1999, o veredito: Dr. Kolluru foi condenado a pagar uma indenização de módicos US$ 225.000 à família do falecido. O farmacêutico responsável pela entrega equivocada do remédio foi multado em outros US$225.000. E esta ação entrou para a história como a primeira condenação de um médico nos EUA por negligência devido à má-caligrafia.

De acordo com o Federal Drug Administration (FDA), órgão dos Estados Unidos responsável pela fiscalização dos remédios naquele país, 1,3 milhão de americanos são prejudicados a cada ano em decorrência de erros tais como tomar doses incorretas ou fazer uso do medicamento errado. Um estudo publicado no renomado jornal médico The Lancet estimou que, entre 1983 e 1992, o número de mortes causadas por erros deste tipo aumentou 250%, ultrapassando 7.000 casos por ano.

Existem várias soluções para o problema da má-caligrafia dos médicos: datilografar prescrições, utilizar um computador com impressora, comprar um daqueles cadernos com linhas azuis e fazer aulas de reforço no pré-primário ou, simplesmente, caprichar um pouco mais na qualidade da letra.

O Conselho Federal de Medicina do Brasil considera a má-caligrafia anti-ética e um exemplo de má-prática médica que deve ser coibida a todo custo (Código de Ética Médica, resolução n 1246/88, artigo 39). Você tem o DIREITO de receber uma receita legível e, caso o médico se recuse a escrever de modo compreensível, pode ser denunciado e até mesmo penalizado pelo Conselho Regional de Medicina do seu estado.

A partir de hoje, diga “sim” à sua saúde e NÃO à receita analfamédica.

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