23 maio 2017

QUAL A VERACIDADE DA REALIDADE?


Seu padrão habitual de crenças forma um ciclo que derradeiramente formata toda sua experiência de vida. Entenda: suas convicções se tornam pensamentos e emoções, que então influenciam o comportamento, que por sua vez define o caráter – e seu caráter determinará seu destino.
  
O que você admite sobre o mundo e sobre si mesmo, as coisas positivas e negativas que sua família e seus amigos lhe contaram sobre você, todo seu condicionamento ativo e passivo frente à realidade, essas ideias não são abstratas: elas tangem a realidade por meio de suas ações. E tudo começa lá no fundo, nos dogmas que você carrega.


REAL, MAS NÃO VERDADEIRO

Você dá uma topada no pé da mesa e seu pé dói; você martela seu polegar sem querer, e ele dói; você toma uma canelada na pelada do final de semana, e sua perna dói. A dor é um fenômeno orgânico e objetivo.

O sofrimento, por outro lado, baseia-se numa crença. O sofrimento não é real, ele existe apenas dentro da sua convicção. Sentir dor é compulsório; sofrer é opcional.

O sofrimento atua como uma lente turva, separando você da realidade. Comece a observar suas crenças – e o sofrimento derivado delas - como pré-julgamentos que limitam sua capacidade de experimentar o mundo.

Apesar dos seus pensamentos serem resultado de uma bioquímica real que está acontecendo neste exato momento no seu cérebro, todas essas ideias são apenas representações na sua mente. Elas não são a experiência do aqui, agora – assim como um mapa não é o território que ele representa. Os pensamentos, por mais reais que sejam, não são verdadeiros.

Em O Mundo como Vontade e Representação, o filósofo ateu & pessimista Arthur Schopenhauer (1788-1860) abordou este assunto com amplitude, introduzindo alguns conceitos indianos e budistas na metafísica ocidental. Schopenhauer basicamente afirmava que “não conhecemos a realidade como ela é, pois toda a realidade que percebemos traz em si as marcas indeléveis das garras de nossa subjetividade”.

Nossa convicção na certeza da interpretação da realidade que vivemos é exatamente o que nos separa da realidade em si. Quando estes territórios não são investigados, eles nos impedem de alcançar a verdade. Contudo, quando aprofundamos nossa atenção e ultrapassamos o limite das crenças, somos presenteados com as luzes de bilhões de estrelas do que é Real.

Existem duas maneiras de prestar atenção e eliminar do seu horizonte a poluição das ilusões e das crenças. O primeiro método consiste em perguntar: pergunte a si mesmo, pergunte aos seus amigos, pergunte às palavras, aos livros, atravesse todas as camadas de suas certezas, questionando uma a uma. Pergunte, pergunte. E não se ofenda - tampouco se assuste - com as respostas.

O segundo método consiste em uma técnica de meditação de exercícios afins que atende pelo nome de Atenção Plena.

EM QUE VOCÊ ESTÁ ACREDITANDO AGORA?

Que tal começar a perceber a realidade por meio de uma atividade bem simples? Pergunte-se: “Em quê eu estou acreditando agora?”.

Responda a isso. Na sequência, pergunte-se: “Isto é real? Será possível que isso é real, mas não verdadeiro?”.

Ainda que sua resposta seja “sim”, apenas o fato de questionar expande o espaço que você e sua mente ocupam, e abre a possibilidade para que você entenda que aquilo que está acreditando é somente uma representação – e não a realidade em si. Suas convicções são reais, mas não são verdadeiras.

Indo mais fundo na toca do coelho, pergunte-se: “Como é viver com essa crença? Como esta crença afeta minha vida?”. Sustentar um sistema de crenças que lhe causa sofrimento e nenhuma evolução ou excelência em termos de sabedoria é um investimento tolo.

Questione-se: “Como seria minha vida se eu não estivesse vivendo dentro desse sistema de convicções?”. 

À medida que praticar a atenção plena e retirar o poder de suas percepções distorcidas, os pensamentos e as emoções continuarão vindo, mas você se sentirá menos inclinado a acreditar piamente neles. 

Confortavelmente estabelecido em um lugar bem maior que suas ideias e suas doutrinas, você perceberá como o mundo é vasto e como a realidade é extraordinária – e nunca mais desejará retornar ao sono de ingenuidade onde as ilusões haviam lhe convencido de que elas eram tudo que existia. 

17 maio 2017

DIÁLOGOS - PARTE II


-  Oi, linda!

- Ei, lindo :)

- Comecei a leitura de Chesterton (O Que Há de Errado) e esbarrei nisso: “O sufragismo foi a Primeira Onda do feminismo – para citar a classificação utilizada por alguns estudiosos contemporâneos –, início de um movimento maior, provocador da Segunda Onda, anti-família e anti-maternidade, cuja tarefa foi levar as primeiras reivindicações, de igualdade perante a lei, para o âmbito da vida íntima, chegando, então, à Terceira Onda, experimentada hoje, com a ideologia de gênero e a tentativa de ignorar a ordem biológica, de maneira a transformar masculinidade e feminilidade em meras construções culturais”.

- Assemelha-se a um reducionismo.

- Em parte, sim. Mas o parágrafo segue dizendo: “nas palavras de Francisco José Contreras, as mulheres são as grandes vítimas da revolução sexual. Na sociedade hipersexualizada, a mulher se converte com frequência em objeto de usar e jogar fora. As feministas conseguiram impor à mulher o modelo sexual masculino - e envileceram todas". Gostei demais dessa visão.

- A questão é que isto parece levar em conta apenas um ponto de vista.

- Hum.

- Como mulher, penso que definições assim tendem a diminuir as dimensões da pessoa feminina. Concordo que houve excesso no pêndulo do feminismo e é preciso trazê-lo para o centro. Mas será possível?

- O pêndulo voltará ao centro por si só.

- Será? O movimento todo se tornou um excesso de ideologias e inocências. Se continuar nesse balanço, pode representar a extinção de nossa espécie, com homens e mulheres se recusando a reproduzir... :)

- Ideologias? Eu diria Deslumbramento. A onda feminista do século passado produziu uma multidão de crianças que nunca comeram mel, e que agora estão fazendo uma lambança enorme na liberdade que conquistaram. Quanto à extinção da espécie... Eu não chegaria a este extremo. Não menospreze a pressão dos genes. :)

- Crianças... rsrsrs... Sim, parece um mundo de crianças revoltadas, pessoas que querem cachorros como filhinhos.

- Por isso tenho achado o mundo das pessoas tedioso. Queria adultos para trocar ideias, mas onde encontrá-los? Um brinde aos livros! Livros e Natureza. Foi o que nos sobrou.

- Até nessa questão as pessoas estão cegas. Percebe como elas querem subverter a Natureza?

- Sim - e estão quebrando a cara, o que é bem fácil de perceber. É só contabilizar a enormidade de consumo de antidepressivos e benzodiazepínicos.

- Apoiado. Mas não culpo as mulheres pelo cenário completo.

- Hum.

- Esse problema é do Ser Humano. O Desequilíbrio vem de todos os lados.

- Argumento aceito. Mas não há de se aliviar o papel do feminismo no cenário das últimas décadas. Isso seria uma condescendência excessivamente benevolente e ingênua.

- Você nega que o exagero do patriarcado provocou esse movimento?

- De modo algum. Ação e reação. O patriarcado belicista e controlador povoou o Século XX com guerras, consumindo a mão de obra masculina em conflitos inúteis. A saída para preservação da máquina civilizatória foi a aceitação da força produtora feminina que, uma vez organizada, se voltou contra quem lhe abriu espaço. A modernidade se tornou uma Era Frankenstein Social-Sexista. Mary Shelley adoraria ver isso...

- rsrsrs

- Mas concordo que culpar um não exime o outro. As responsabilidades devem ser divididas.

- Perfeito, e isso nos leva de volta à questão: como recuperar o equilíbrio? É possível? Quem sabe com tempo, estudos e discussões...

- Eu resumiria em Tempo. É um ciclo repetitivo este, mas que funciona sempre: as gerações futuras se ressentem daquilo que as gerações passadas demoliram, e então constroem uma versão mais ponderada do passado - não necessariamente melhor, mas certamente mais adaptada à satisfação dos desejos. Foi assim com a escravatura e a liberdade sexual. Será assim com a balança patriarcado-feminismo.

- Que venha o Tempo então.

- :)

DIÁLOGOS - PARTE I

- As pessoas se preocupam com o que não precisam e esquecem de se preocupar com o que deveriam.
- E com o que elas deveriam se preocupar?
- Você também não sabe?
- Hum... família? Saúde? Dinheiro? Sucesso?
- Não exatamente... Não é um monte de coisas, mas uma coisa só.
- Então "o quê" exatamente?
- As pessoas deveriam ter uma única preocupação: colocar a cabeça no travesseiro à noite com um PUTA orgulho do dia que viveram. Deveriam deitar a cabeça no travesseiro e pensar: "hoje ajudei, aprendi, amei, senti, ri, refleti, demonstrei força, honra e coragem, e pratiquei disciplina, sabedoria e gentileza... hoje eu arrebentei!". E o resto seria consequência. Só consequência.

16 maio 2017

O TRANSTORNO DOS ADORADORES DE ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO


Em uma pesquisa conduzida pelo Pew Research Center, 85% dos donos de cães e 78% dos donos de gatos diziam considerar seus animais de estimação parte da família. Como se isso não fosse suficiente, a tendência mais recente vem sendo dar um passo além e tratar o animal como se ele fosse uma criançaUma criança humana.

Ora essa, mas quem é capaz de dizer qual o real valor de um animal de estimação? As pessoas deveriam ser livres para gastar seu dinheiro com o que bem entenderem, até mesmo com mimos para as traças de suas casas. Que mal há em tratar um gato ou um cão como uma “criança que nunca irá crescer”, certo?

Não. Não está certo. Nada está certo neste discurso.

As implicações desses hábitos são mais grotescas e possuem consequências mais vastas do que pode parecer à primeira vista. O antropomorfismo vem ultrapassando os limites da admissibilidade, assemelhando-se ao que poderia ser facilmente considerado um distúrbio mental pleno.

QUALIDADES APOTEÓTICAS

Os caninos, com seus instintos de matilha, alta capacidade de treino, amor incondicional e lealdade sem julgamento, são de longe os animais de estimação que mais sofrem antropomorfização. Eles se tornam membros da família, melhores amigos ou bebês de pelo, e são tratados com refeições gourmetssalões de belezacolchões ortopédicos e festas de aniversário personalizadas, entre outros disparates.

A multidão que diz que “meus cães são meus filhos” age movida por essa crença animista. Essas pessoas compram presentes de natal, compartilham fotos, pagam cirurgias cosméticas e fazem o que for necessário para garantir tudo do bom e do melhor para seus bichinhos. Muitas mulheres conversam SERIAMENTE com seus pets e os chamam de “filhos”, referindo-se a si mesmas como “mamães” deles. Há uns 30 anos, isso equivaleria a marcar uma consulta com um psiquiatra, mas hoje esta prática é recebida com tolerância e normalidade. Avançamos?

Louvar cachorros, gatos, periquitos ou papagaios por serem incapazes de agir como pessoas más não é somente estapafúrdio, mas também torna o animal uma versão idealizada e endeusada de nós mesmos – que deve então ser tratada com prendas e afagos sem fim.

Como um ser humano, comparativamente mais complexo que um cão ou um gato ou um filhote de ovelha ou uma cacatua, pode competir com criaturas que personificam todas as expectativas mais singelas de fidelidade, perdão, confiança, amor e inocência? Na visão de seus donos, quando emparelhados às pessoas, os animais de estimação são considerados sempre mais puros, mais afáveis, mais lícitos e mais devotados. São reputados como “espiritualmente superiores”, pois não roubam dinheiro, não começam guerras e tampouco julgam os outros pelas aparências.

Alguns podem se defender, por exemplo, dizendo que “cães são filhos para pessoas que não tem filhos”. Casais e pessoas sozinhas (hetero ou homossexuais, não importa) que não podem ou não desejam ter filhos em geral migram para animais de estimação como substitutos da prole humana, engendrando uma família diferente, mas ainda assim uma família. Estas famílias pet-baseadas podem parecer benignas - afinal de contas, pessoas com uma mentalidade familiar tendem a ser bons vizinhos, estáveis e voltados aos interesses da comunidade -, mas não são.

É verdade que pessoas que não desejam filhos podem se beneficiar ao atuarem como nutridores e protetores de outra criatura viva. Esse comportamento reduz o egocentrismo e é louvável. Entretanto, do ponto de vista evolucionário, não faria mais sentido se estivessem cuidando de uma criatura viva de sua própria espécie em lugar de um schnauzer?

Independente do motivo da ausência de filhos – crescimento natural, escolha voluntária ou limitação anatomofisiológica -, essas pessoas sem filhos ou que não desejam mais tê-los poderiam muito bem optar por atuar como mentores na vida de crianças humanas reais, ao invés de canalizar todas suas benquerenças para um angorá. Mas eu entendo a covardia implícita neste desequilíbrio.

Os níveis de planejamento, investimento, responsabilidade e culpabilidade que envolvem uma criança humana são infinitamente maiores. Se você machucar seriamente uma criança -  de forma intencional ou não -, é quase indubitável que enfrentará um processo junto ao Ministério Público ou Conselho Tutelar de sua cidade.

Por outro lado, você estará agindo dentro da lei se oferecer seu cão para adoção ou entregá-lo para algum desconhecido via OLX porque está indo trabalhar em outra cidade e seu apartamento não permite cachorros – ou não quer ter o trabalho adicional de cuidar de um animal de estimação nesta nova etapa de sua vida. E, quando ele apresentar alguma doença grave, pode levá-lo para ser sacrificado em uma clínica veterinária, garantindo uma morte “digna e sem sofrimento” – isso é ser “humano”.

OPÇÃO PELA SENSATEZ

De uma perspectiva ambiental, podemos considerar que animais-crianças de estimação fazem sentido: uma vez que a população humana alcançou números alarmantes, substituir filhotes humanos por filhotes de outras espécies pode ser uma saída para controlar o surto de Homo sapiens no planeta. Não obstante, estaríamos trocando uma epidemia por outra.

Saem as crianças, entram os animais de estimação – que não possuem qualquer papel no ecossistema, além de alimentar as misérias afetivas dos humanos. Se todos nós fizermos essa opção, você consegue quantificar o impacto disso na economia e na civilização como um todo? Ou acha mesmo que Rex e Totó irão substituir a mão de obra, os consumidores, os eleitores, os contribuintes e os inovadores do futuro?

Eu prefiro surfe a futebol, carne ao invés de legumes, Pearl Jam ao invés de sertanejo, uísque ao invés de cerveja e isso está ok - são apenas predileções. Todavia, no momento em que decido me empenhar ativa e exclusivamente no zelo e na defesa de bichos ao invés de crianças humanas, alguma coisa está errada. Alguma coisa está muito errada e extrapolou as fronteiras da coerência.

Pessoas que colocam cães ou gatos ou qualquer outro bicho em níveis de relevância acima de sua própria espécie deveriam rever suas carências emocionais. Elas deveriam crescer, sair dessa infância cheia de fugas egocêntricas e projeções dramáticas, e procurar tratamento psicológico.

A verdade pode ser amarga, mas ela merece e deve ser evocada. É hora de repensar o culto aos animais de estimação e o fervor que muitos adultos dedicam ao altar desse fanatismo. 

E devemos ter um mínimo de honradez para batizar essa doença como a doença que ela se tornou: o Transtorno dos Adoradores de Animais de Estimação. O bom senso, a razoabilidade e o discernimento que permeiam nossa rala inteligência certamente irão agradecer.


A DOENÇA DO MARTELO


Vez ou outra, sou surpreendido por notícias esdrúxulas de gentes que decidem numa canetada só pela internação de alguém em um leito de UTI (123, 4, 5, 67, 8, 9, 10), sem uma auditoria lúcida sobre a disponibilidade leitos ou um parecer técnico sequer, ameaçando até de cadeia qualquer reles mortal que se oponha à sua determinação suprema.

Sou médico há mais de duas décadas. Perdi a conta do número de vezes em que me vi atendendo com a mínima infraestrutura ou sem QUALQUER  estrutura mesmo, ferindo o próprio Código de Ética da profissão (sim, nós temos um e eu particularmente nutro um grande apreço por ele), que diz que ”é direito do médico recusar-se a exercer sua profissão onde as condições de trabalho não sejam dignas ou possam prejudicar a própria saúde ou a do paciente, bem como a dos demais profissionais” (CEM, Cap II, item IV).

Mas o paciente está ali e você está ali. Seu coração exige que você desdobre-se e dê um jeito. Que seus olhos virem pilhas de laringoscópio, que suas mãos transformem o ambu em um respirador pelo tempo que você aguentar, que você finja não sentir dor por saber que o cateterismo ou o centro de trauma que salvaria aquele paciente encontra-se a uma distância que vai além da capacidade dele manter-se vivo.

Enquanto isso ocorre aqui no subterrâneo do Olimpo, nossos 16,5 mil magistrados da caneta mágica despacham prescrições de internações de seus gabinetes.

Eles parecem não perceber que mantêm o país abarrotado de processos sem julgamento enquanto curtem seus 60 dias de férias anuais com abonos de 50%, recebendo mensalmente auxílio moradia de R$ 4.300, auxílio alimentação de R$ 1.600, auxílio transporte de R$ 1.100, auxílio despesas médicas de R$ 2.000 e uns trocados, custeio de 50% dos cursos de Mestrado e Doutorado, e até um inacreditável vale-livro de R$ 13.000 anuais para compra de materiais didáticos que possam auxiliar o magistrado em sua atividade (16).

Eles parecem não perceber o sangue que respinga em nossos sapatos – não nos deles - enquanto usufruem suas regalias, que podem variar de uma comarca (ou zona?) para outra. A maioria desses intocáveis, entocados nos 27 Tribunais de Justiça e nos 27 MPs estaduais, possuiu contracheques que ultrapassam em muito o teto constitucional (que era de R$ 33.000 quando escrevi esse texto): a média de rendimentos de juízes e desembargadores nos Estados é de R$ 41.802 mensais (algo como 260 reais/hora); a de promotores e procuradores de justiça, R$ 40.853 (255 reais/hora). Os presidentes dos Tribunais de Justiça apresentam média ainda maior: R$ 59.992 (374 reais/hora). Os procuradores-gerais de justiça, chefes dos MPs, recebem, também em média, R$ 53.971 (337 reais/hora).

Mas eu não quero salário. Não quero ganhar mais. Sério. Juro que estou satisfeito com o que me é pago, QUANDO é pago, SE é pago. Eu não pediria mais dinheiro. Ou melhor: pediria, mas não para mim.

Sabe a reforma do Fórum de Cuiabá que recebeu R$ 10 milhões?(11). E do Fórum Trabalhista de Florianópolis, que custou R$ 26,3 milhões?(12). A modernização do Fórum Autran Nunes no Ceará, que saiu pela bagatela de R$ 7 milhões, sem incluir outros serviços que ainda serão licitados, como a aquisição de equipamentos para o setor odontológico e do sistema de som e vídeo?(13). A ampliação e reforma do fórum de São Carlos, que recebeu R$ 7,4 milhões?(14). A construção do Fórum de São José dos Campos que saiu pela miudeza de R$ 30 milhões em uma das áreas mais nobres da cidade?(15).

Então. Eu pediria isso ao super-homem da caneta. Não que colocasse ar condicionado central no hospital inteiro, ou que disponibilizasse cadeiras de couro nos consultórios, ou sedãs pretos com motorista, ou fachadas de granito, etc.

Eu pediria mais leitos. Mais equipamentos. Mais remédios. Mais portas, mais sabedoria logística, mais meios para ajudar: a construção de um posto de saúde de 630 m2 custa cerca de R$ 550 mil (22). Para construir e equipar uma UTI de 33 leitos são necessários R$ 8 milhões – cerca de R$ 240.000 por leito (19). A construção e compra de equipamentos para um hospital regional de 150 leitos (sendo 30 de UTI) custa R$ 30 milhões – ou cerca de R$ 200.000 por leito (20, 21). Um leito hospitalar tem condição de rodar cerca de 5 pacientes/mês, e um hospital regional de 150 leitos adicionaria 9.000 internações em um ano àquela região, ajudando milhares de pessoas.

Mas, ao invés de pensar no grande, de pensar no macro, de pensar no conjunto da sociedade, o super-homem desce dos céus envolto em sua capa preta e, ante todos os holofotes, com um só movimento da poderosa esferográfica dourada, resfolegado em sua poltrona multi-ajustável e com a temperatura do gabinete assentada em 21 graus, ele salva o gatinho solitário preso na árvore.

Enquanto os flashes disparam e os heróis retornam para casa em seus Ford Fusion pilotados por Egos vestindo gravata e quepe, o Bom Senso se prostra na esquina, observando os carros com placa especial passarem.

E o Bom Senso olha para a poça d´água suja atropelada em velocidade e desprezo pelo cortejo, e se pergunta:

- No meio dessa surrealidade toda, quem vigia os vigilantes?

11 maio 2017

VOCÊ ACREDITA EM HOMEOPATIA?


Desde meados da década de 1990, a medicina vem empregando uma magnífica ferramenta de bom senso chamada MBE (ou Medicina Baseada em Evidências).

A MBE utiliza coletâneas de estudos randomizados, duplo-cegos, multicêntricos e placebo-controlados, realizando revisões sistemáticas e meta-análises destes dados para produzir um corpo sólido de conclusões com eficácia comprovada.

E o que o acumulado das evidências científicas até aqui dizem em alto em bom som com respeito à Homeopatia? Os dados mostram que a homeopatia não produz qualquer efeito superior ao uso de placebos.

Após décadas de pesquisas, não foi possível provar por A + B, sem a menor sombra de dúvida, de que a Homeopatia é eficaz. Na verdade, ela parece ser feita só de água, expectativas e fé.

Eu não sou fã de crendices. Prefiro Ciência.


10 maio 2017

TOCOLÍTICOS E TRABALHO DE PARTO PREMATURO


1. Os agentes tocolíticos só devem ser utilizados entre 24 e 32 semanas de gestação.

2. DACTIL-OB (piperidolato + hesperidina + ácido ascórbico revestido) e BUSCOPAN: Não existem estudos apoiando o uso destes medicamentos como métodos tocolíticos de curto ou longo prazo. Até que estas evidências surjam, estes medicamentos podem ser considerados placebos.

2. PROGESTERONA ORAL: parece ser eficaz, talvez por um mecanismo combinado de efeitos imunológicos (redução da produção de prostaglandinas) e ação direta sobre a contratilidade do miométrio.

3. PROGESTERONA VAGINAL: tão eficaz quanto cerclagem cervical em mulheres com gestações não-gemelares, antecedente de parto prematuro e cérvice uterina menor que 25 mm.

4. AGONISTAS BETA-ADRENÉRGICOS (BETAMIMÉTICOS): são eficazes, mas devem ser utilizados com cautela devido aos múltiplos efeitos adversos. Não existem dados evidenciando a superioridade de um betamimético específico em relação aos demais.

5. MAGNÉSIO ORAL: tem o mesmo efeito que placebo. Não existem mais evidências que apoiem o uso deste medicamento como tocolítico de primeira linha

6. ANTI-PROSTAGLANDINA: a Indometacina é o agente desta classe mais estudado. Mesmo quando utilizados antes de 32 semanas de gestação e por um ciclo inferior a 48 horas, a incidência de oligodramnia e outras complicações é alta demais para justificar seu uso como tratamento de manutenção após cessação do trabalho de parto prematuro.

7. ANTAGONISTAS DE RECEPTORES DE OXCITOCINA (AROs): o Atosiban é o agente desta classe mais estudado. Ele não parece ser mais eficaz que o uso de placebo, betamiméticos ou bloqueadores de canais de cálcio. Os AROs ainda aguardam mais estudos clínicos para determinar seu verdadeiro papel na terapia tocolítica.

8. BLOQUEADORES DE CANAIS DE CÁLCIO: a Nifedipina é o agente desta classe mais estudado. Não existem evidências conclusivas de sua eficácia. Quando associados a drogas anti-prostaglandinas, parecem exibir a maior probabilidade de retardamento do parto e melhora do curso clínico materno-fetal.

CONCLUSÃO

A literatura disponível sobre terapia tocolítica de manutenção é cheia de conflitos. Existem debates óbvios quando às doses, o período de tratamento e as relações de risco-benefício.

Várias meta-análises não mostraram qualquer diferença significativa entre a eficácia dos vários tocolíticos atualmente disponíveis versus placebo no prolongamento da gestação de mulheres com trabalho de parto extremamente prematuro, ou na redução de óbitos perinatais.

Se desejar ler mais sobre o assunto, recomendo a excelente revisão de 2009 sobre Tratamento do trabalho de parto prematuro realizada pelo Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da USP (Rev. Bras. Ginecol. Obstet. vol.31 no.8 Rio de Janeiro Aug. 2009). O texto, em português, está disponível neste link.


06 maio 2017

O SUPRA SUMO HUMANO


Somos o supra sumo da natureza ou apenas gentilmente nos nomeamos assim?

Segundo Michael Shermer ("Cérebro & Crença), "a in­te­li­gên­cia é o re­sul­ta­do pre­vi­sí­vel dos po­de­res da na­tu­re­za, por que ape­nas uma es­pé­cie ho­mi­ní­dea con­se­guiu so­bre­vi­ver por tem­po su­fi­ci­en­te para fa­zer a per­gun­ta: O que acon­te­ceu com aque­les aus­tra­lo­pi­te­cos bí­pe­des e usu­á­ri­os de fer­ra­men­tas: ana­men­sis, afa­ren­sis, afri­ca­nus, ae­thi­o­pi­cos, ro­bus­tus, boi­sei e gar­hi?

O que acon­te­ceu com aque­les ho­mos de gran­de cé­re­bro pro­du­to­res de cul­tu­ra: ha­bi­lis, ru­dol­fen­sis, er­gas­ter, erec­tus, hei­del­ber­gen­sis e ne­an­der­ta­len­ses? Se os cé­re­bros eram tão gran­des, por que to­das es­sas es­pé­ci­es, me­nos uma, fo­ram ex­tin­tas?

His­to­ri­ca­men­te, ex­pe­ri­men­to após ex­pe­ri­men­to en­con­tra­mos a mes­ma res­pos­ta: so­mos um fe­liz aca­so da na­tu­re­za, uma sin­gu­la­ri­da­de da evo­lu­ção, uma glo­ri­o­sa con­tin­gên­cia.

É ten­ta­dor cair na ve­lha ar­ma­di­lha de to­dos os ani­mais bus­ca­do­res de pa­drões: es­cre­ver a pró­pria his­tó­ria como pa­drão cen­tral, para en­con­trar pro­pó­si­to e sig­ni­fi­ca­do nes­se cos­mo glo­ri­o­sa­men­te con­tin­gen­te. Mas o alar­me dos cé­ti­cos deve soar sem­pre que al­guém afir­mar que a ci­ên­cia des­co­briu que nos­sos de­se­jos mais pro­fun­dos e nos­sos mi­tos mais an­ti­gos são ver­da­dei­ros.

Se exis­te uma ine­vi­ta­bi­li­da­de nes­sa his­tó­ria, é que o ani­mal que bus­ca um pro­pó­si­to se des­co­bri­rá como o pro­pó­si­to da Na­tu­re­za" - e essa é a ideia egoísta que está no nú­cleo de todas as crenças em deuses sagrados e toda fé de cunho religioso e antropogeocêntrico.

ACUPUNTURA FUNCIONA?


Não, não funciona. Simples assim - ainda que os fãs da pseudo-medicina baseada em Truques & Mágicas insistam no contrário.

Se você discorda disso e acha que espetar agulhas na pele de alguém serve para alguma coisa nesse mundo além de produzir um efeito placebo, lanço um desafio: ao invés de ficar aí esperneando e bradando sua revolta vazia aos quatro ventos, levante suas próprias evidências científicas irrefutáveis e cole-as aqui.

Mas ATENÇÃO: "opinião pessoal" não é evidência científica, ok? E provas testemunhais puntuais também não - essas últimas são boas apenas para formar júris, seitas e igrejas, mas não sustentam o bom e velho método científico.

Acupuntura não funciona, lamento informar. E papai noel também não existe. Ainda estou sumarizando uma revisão sistemática da literatura especializada sobre o bom velhinho de roupas vermelhas e prometo publicar o resultado dessa metanálise em breve. Mas, com relação à acupuntura, as evidências REAIS estão resumidas no link que acompanha este post. Espero que ilumine as suas ideias.

SOBRE BALEIAS AZUIS E A NAVALHA DE OCCAM


A Intuição pode ser o ponto de partida para o Conhecimento, mas a Natureza é por si mesmo econômica, optando invariavelmente pelo caminho mais simples.

Formulada pelo filósofo medieval Guilherme de Occam (por vezes grafado Ockham), a lex parsimoniae (lei da parcimônia) é um princípio, solucionador de problemas, filosófico e reducionista, que permite distinguir entre teorias equivalentes, guiando a Intuição na navegação entre Crença, Superstições e Verdades.

Em sua formulação mais simples, essa teoria, que ficou conhecida como a Navalha de Occam, dirá que, entre duas teorias com iguais resultados, que explicam ou preveem os mesmos fenômenos, devemos sempre escolher a teoria mais simples.

Nesses tempos de guerras de propaganda, mídias sociais e lendas urbanas auto-realizáveis (vide a paranoia causada pela imbecilidade alucinatória coletiva chamada Baleia Azul, por exemplo), a Navalha de Occam se tornou um farol na tempestade e um método a ser cultivado.

Aprenda o que essa ferramenta pode fazer por você e evolua. Ou continue em suas fraldas descartáveis acreditando em unicórnios cor de rosa, papai noel, renas que voam, pandemias assassinas, abduções alienígenas, forças ocultas, bugs do milênio e baleias azuis psiquiátricas. A escolha é sua.