21 agosto 2014

Para os colegas que atendem em ambulatório: o que é preciso saber sobre as leis de Ética e Confidencialidade?

© Dr. Alessandro Loiola
https://br.groups.yahoo.com/neo/groups/saudeparatodos


A legislação a respeito dos parâmetros do que o médico PODE e DEVE fazer – e também do que NÃO pode e NÃO deve -, deve ser do seu pleno domínio. PLENO domínio. Por isso, copie estas páginas a seguir e deixe-as à mão na sua gaveta mais próxima. Estas dicas já me foram úteis antes e certamente lhe serão preciosas de alguma maneira em um momento futuro.

O paciente deve ser recebido com respeito e diligência. No momento do atendimento, apresente-se dizendo seu nome e posto e, caso ele esteja acompanhado, diga-lhe que ele tem o direito de solicitar que o acompanhante aguarde do lado de fora do consultório. Esta primeira conduta estabelece o tom do seu relacionamento: a prioridade é DO PACIENTE.

Por isso, caso a presença do acompanhante cause qualquer constrangimento, ele pode ser polidamente orientado a aguardar na sala de espera em obediência ao Código de Ética Médica (CEM):

• II Princípio Fundamental: O médico guardará sigilo a respeito das informações de que detenha conhecimento no desempenho de suas funções, com exceção dos casos previstos em lei.

• Artigo 73: é vedado ao médico revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente.


Esta recomendação vale para crianças e adolescentes? Sim, vale. E muito. Para efeitos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), considera-se criança a pessoa com até 12 anos de idade e adolescente aquela entre 12 e 18 anos de idade. O Código Civil estabelece como 18 anos de idade o marco para maioridade civil, podendo esta ser alcançada em maiores de 16 anos em face de alguns atos (emancipação, casamento, exercício de emprego público efetivo, etc).

O atendimento de menores de idade sem o acompanhante também se encaixa nos preceitos do CEM:

• Artigo 74º: é vedado ao médico revelar sigilo profissional relacionado a paciente menor de idade, inclusive a seus pais ou representantes legais, desde que o menor tenha capacidade de discernimento, salvo quando a não revelação possa acarretar dano ao paciente.

No âmbito da saúde pública, crianças e adolescentes podem até mesmo agendar suas próprias consultas e DEVEM ser atendidos na falta de um responsável ou familiar maior de idade. Lembre-se que a interpretação da legislação deve se dar sempre a favor da criança e do adolescente, e as ações e serviços de saúde são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no Artigo 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios:

• ... III - preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral;

• IV - igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie;

• V - direito à informação, às pessoas assistidas, sobre sua saúde;


Ademais, o Artigo 3º do ECA estabelece que criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral, sendo-lhes assegurado por lei todas as oportunidades e facilidades a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Caso a criança ou adolescente compareça à Unidade de Saúde da Família (USF) para atendimento, este deverá ser realizado também em respeito aos Artigos 11, 15, 16 e 17 do ECA:

• Artigo 11: É assegurado atendimento médico à criança e ao adolescente, através do Sistema Único de Saúde (SUS), garantindo o acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde.

• Artigo 15: A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis.

• Artigo 16: O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos: I – ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais; (...) VII – buscar refúgio, auxílio e orientação.

• Artigo 17: O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.


A Lei ressalta o direito de defesa da criança e do adolescente quando seus interesses venham a colidir com os de seus pais ou responsável. Uma adolescente que procure orientações e assistência para contracepção tem o direito de receber este atendimento de modo sigiloso, seguindo os preceitos do CEM...

• Artigo 42: (é vedado ao médico) Desrespeitar o direito do paciente de decidir livremente sobre método contraceptivo, devendo sempre esclarecê-lo sobre indicação, segurança, reversibilidade e risco de cada método.

...E a Lei n.º 9.263/1996, que regula um conjunto de ações para o planejamento familiar, saúde sexual e saúde reprodutiva. Esta Lei estabelece diretrizes ou restrições específicas para adolescentes, devendo ser interpretada conjuntamente com a Lei orgânica do SUS e o ECA, que garantem o direito do adolescente o atendimento integral e incondicional (restrição apenas para cirurgia de esterilização).

Os adolescentes de ambos os sexos tem direito à educação sexual, ao sigilo sobre sua atividade sexual, ao acesso e disponibilidade gratuita do teste HIV e aos demais insumos de prevenção. A consciência desse direito implica em reconhecer a individualidade (e ao mesmo tempo a vulnerabilidade) do adolescente, estimulando a responsabilidade com sua própria saúde. O respeito a sua autonomia faz com que eles passem de objeto a sujeito de direito.

No atendimento de menores de 18 anos de idade, faça prevalecer o bom-senso contido nas recomendações do MS:

• Qualquer exigência que possa afastar ou impedir o exercício pleno do adolescente de seu direito fundamental à saúde e à liberdade (p.ex.: a obrigatoriedade da presença de um responsável para acompanhamento no serviço de saúde), constitui lesão ao direito maior de uma vida saudável.

• Caso a equipe de saúde entenda que o usuário não possui condições de decidir sozinho sobre alguma intervenção em razão de sua complexidade, deve, primeiramente, realizar as intervenções urgentes que se façam necessárias, e, em seguida, abordar o adolescente de forma clara expondo a necessidade de que um responsável o assista e o auxilie no acompanhamento.

• Busque sempre encorajar o adolescente a envolver a família no acompanhamento dos seus problemas, já que os pais ou responsáveis têm a obrigação legal de proteção e orientação de seus filhos ou tutelados.

• Havendo resistência fundada e receio de que a comunicação ao responsável legal implique em afastamento do usuário ou dano à sua saúde, solicite uma pessoa maior e capaz indicada pelo adolescente para acompanhá-lo e auxiliar a equipe de saúde na condução do caso.

• A quebra do sigilo, sempre que possível, deve ser decidida pela equipe de saúde juntamente com o adolescente e fundamentada no benefício real para a pessoa assistida, e não como uma forma de “livrar-se do problema”.


Três outras situações frequentes de risco de violação da ética e da confidencialidade são bastante comuns no dia a dia da USF: empregadores que desejam informações sobre atestados, seguradoras que desejam informações adicionais sobre o falecimento de um segurado e pessoas que desejam acesso ao registro clínico do paciente. Nestes cenários, respeite e cite em sua resposta os seguintes artigos do CEM, respectivamente:

• Artigo 76: (é vedado ao médico) Revelar informações confidenciais obtidas quando do exame médico de trabalhadores, inclusive por exigência dos dirigentes de empresas ou de instituições, salvo se o silêncio puser em risco a saúde dos empregados ou da comunidade.

• Artigo 77: (é vedado ao médico) Prestar informações a empresas seguradoras sobre as circunstâncias da morte do paciente sob seus cuidados, além das contidas na declaração de óbito,

• Artigo 85: (é vedado ao médico) Permitir o manuseio e o conhecimento dos prontuários por pessoas não  obrigadas ao sigilo profissional quando sob sua responsabilidade.


Finalmente, o contrato de confidencialidade deve ser equilibrado com a Lei nas situações em que sua  observância inflexível pode lhe colocar em risco de processos por negligência, omissão ou postergação de determinada conduta. Mantenha-se atento para:

• Artigo 243 (ECA): (configura crime) Deixar o médico, professor ou responsável por estabelecimento de atenção à saúde e de ensino fundamental, pré-escola ou creche, de comunicar à autoridade competente os casos de que tenha conhecimento, envolvendo suspeita ou confirmação de maus-tratos contra criança ou adolescente.

• Artigo 66 (Código Penal): (configura crime) Deixar de comunicar à autoridade competente: I - crime de ação pública, de que teve conhecimento no exercício de função pública, desde que a ação penal não dependa de representação; II - crime de ação pública, de que teve conhecimento no exercício da medicina ou de outra profissão sanitária, desde que a ação penal não dependa de representação e a comunicação não exponha o cliente a procedimento criminal.

Um comentário:

Su disse...

Dr. Alessandro, excelente esse artigo sobre ética e confidencialidade. Ficou bem completo. Vale a pena repassar aos amigos da área. Foi importante ressaltar quais os tipos de medidas se aplicam à crianças e adolescentes. Bem esclarecedor.
Obs.: o link do grupo não está direcionando corretamente quando clicamos, está dando erro.
Obrigada.