07 agosto 2014

Anaximandro e a Fórmula da Pessoa Melhor

© Dr. Alessandro Loiola

Nascido no longínquo ano de 610 a.C., tendo um cérebro sofisticado e aberto a novas idéias como ferramenta de trabalho, o grego Anaximandro foi capaz de conceber teorias que para muitos de sua época soavam como alucinação.

Anaximandro dizia que uma partícula primordial – o ápeiron - havia se expandido para formar tudo que conhecemos (teoria do Big-Bang), que o mundo sustentava-se por um equilíbrio de forças (teoria da Gravidade) e que a vida havia surgido em criaturas simples nos mares, adquirido complexidade e então migrado para a terra (teoria da evolução das espécies). Espetacular.

Imagine você 2.500 anos atrás. Lençol branco enrolado no corpo e botas do filme 300 de Esparta. Um perfeito temente a Zeus levando célere sua oferenda na multidão que se dirige ao oráculo.
 - Ihh... – você diz.
 - O que foi? – pergunta o sujeito ao seu lado na fila do oráculo.
 - Olha aí, lá vem ele de novo. – você vira o rosto como quem procura um conhecido do outro lado da Acrópole, mas o velhinho encurvado que se aproxima rápido não se acanha.
 - Ei! Ei!
 - Ele tá lhe chamando – diz o vizinho da fila, cutucando seu braço. Você ainda tenta fazer cara de paisagem, mas não adianta. O velhinho já grudou na manga da sua túnica.
 - Ei! Ei!
 - Oi, seu Anaximandro. Tudo bem com o senhor?
 - Você sabia... – grita ele, com a vivacidade de um adolescente e os tímpanos de um granito. – Você sabia que existem corpos minúsculos de cargas opostas que atuam trocando energia e anulando-se uns aos outros?
 - Sei, sei. Certo.
 - Você entende?
 - Humrum, humrum.
 - Observe! - ele solta sua manga para desenhar um amplo arco com as mãos espalmadas, cobrindo o horizonte à frente com um olhar perdido. - Toda a matéria que se vê aparece e desaparece continuamente!!


Você aproveita a deixa, segura firme a carijó aninhada no seu colo e segue a fila para dentro da segurança do templo, longe das idéias malucas do velhinho surdo. Mas ainda consegue ouvir alguma coisa sobre o ilimitado, o infinito, o indefinido e o eterno. “Que monte de besteira!”, pensa, fitando a galinha nos olhos.

Anaximandro deve ter sido um cara bem estranho - assim como boa parte das descobertas de hoje. Dezenas de séculos se passaram, e o conhecimento ainda assombra e confunde.

Caminhamos por esta Era da Informação trazendo no colo o ranço de tradições antiqüíssimas. E uma dessas tradições é exatamente o apego à crença íntima de que você, lá no fundo, já nasce sabendo tudo que é preciso para gerenciar sua própria saúde e sua vida. Escolas, faculdades, professores, livros, bibliotecas, orientadores, oráculos e gurus são, no grosso modo, temperos quase dispensáveis. O importante é a SUA interpretação do que é melhor para você e do que não é tanto. Não é isso?

Ledo engano.

Fazendo algumas contas outro dia, percebi que já atendi umas 500.000 pessoas desde que coloquei as mãos no danado do diploma. 500.000 pessoas. Quase Ribeirão Preto inteira ou quatro Itu, ou duas São Carlos, ou meia Campinas. 500.000 viventes.

Imagine que cada pessoa vem ao consultório com cerca de 3 queixas diferentes. Dor no peito, na cabeça e tosse. Ansiedade, insônia e palpitações. Enjôo, febre e urina ardendo. Etc. Pois bem. Depois de levantar e sentar da cadeira, medir pressão, auscultar pulmões, e ouvir mais de 1 milhão e meio queixas, cheguei à conclusão de que ser capaz de aceitar os próprios erros e limitações, pedindo e aceitando ajuda, é talvez a tarefa mais árdua pela qual um ser humano pode passar.

E não digo ajuda no termo paternal. Digo ajuda no sentido “tapa na orelha”.

Nem todo mundo que lhe agrada quer o seu bem. Nem todos que lhe agridem querem o seu mal. Algumas coisas estarão escritas em letras douradas, e estarão completamente erradas. Outras serão deduzidas com a lógica mais tosca do mundo, e estarão profundamente corretas. A solução para o seu problema pode estar escondida em um outro problema, como alguém segurando a sua manga e lhe falando sobre coisas que você não entende - ainda.

Felizmente, para ter discernimento e entender a fórmula de como tornar-se uma pessoa melhor não é preciso uma sabedoria de Anaximandro. Basta um pouco de humildade e uma pitadinha de inteligência. Será que você consegue?

Um comentário:

Carlos Conti disse...

Excelente artigo!!! Um simples tapinha na orelha de um monte de gente por aí e hoje na minha.Como já disse Aristóteles:(...)O orgulho é um vício por excesso, a HUMILDADE é um vício por falta.(...)
Abraços