15 março 2016

A natureza das coisas


© Alessandro Loiola

 

Um ônibus pára todo dia de manhã na frente do meu consultório e dele descem levas de pessoas sofrendo de insatisfação, raiva, frustração, angústia, ansiedade, autocomiseração. Elas se acham diferentes, mas suas queixas são absolutamente as mesmas:

- Não consigo mais dormir direito, doutor.
- Certo.
- Sinto umas palpitações de vez em quando. E ouvi dizer que um tio-avô do vizinho do cunhado do meu primo teve angina e quase morreu. Me preocupei.
- Algo mais?
- O meu corpo. Meu corpo todo dói o tempo inteiro.
- Hum.
- A verdade é que ando sem paciência.
- Humrum.
- …E agora dei pra chorar por qualquer coisa.
- Tendi.

O que essas pessoas têm? Onde elas vivem? De onde vêm? Para onde migram? Como se reproduzem? Gostaria de ouvir a voz do Sérgio "Chapolin" com essas respostas todas no Bobo Repórter da próxima sexta-feira, mas é pouco provável que elas estejam por lá.

Os bandos civilizados navegam de médico em médico, de pronto atendimento em pronto atendimento, procurando respostas para perguntas que nunca souberam fazer, desfilando seu rol de sintomas que significam nada, mas já dizem o suficiente.

Se esses surdos fossem capazes de ouvir, eu lhes diria 3 coisas:

Primeiro, a Saúde não vem do Sistema de Saúde. Médicos, enfermeiros, psicólogos, fisioterapeutas, farmacêuticos, dentistas, clínicas, hospitais, NENHUM destes lhe trará saúde. Sua saúde vem de coisas tão simples quanto boa alimentação, boa atividade física, bom sono, boas atitudes, boas amizades e boa sorte. Ninguém poderá fazer essas coisas para você além de você mesmo.

Profissionais da área podem lhe dar conselhos, informações e apoio, mas eu não vou ficar plantado ao lado da sua geladeira a noite toda, todas as noites, para evitar que você coma aquele brigadeiro às 3 da manhã. Eu não sou sua mãe. Ninguém é com exceção da sua mãe mesmo, coitada. E nem ela deveria ter uma obrigação imbecil dessas. E quando você aceita que remédios e exames sejam substitutos para escolhas e hábitos de vida mais saudáveis, acredite: você não está sendo teimoso ou prático, apenas menos inteligente.

Em segundo lugar: aprenda a ter medo das coisas certas. Não tenha medo da doença mais rara ou daquela que está na moda: tenha, sim, medo de procurar assistência médica. Quem nunca vai ao médico está isento de erros médicos. Se você está se sentindo bem, continue bem, continue fazendo suas boas escolhas e evite salas de espera de especialistas.

Procure seu médico quando você tiver um problema de fato ou quiser tirar uma dúvida importante. Não entre no consultório a cada seis meses exigindo um check-up completo: admita, você nem sabe pra quê serve isso. Não perca seu tempo com fantasmas. Viva sua vida e deixe de hipocondria.

Finalmente, eu diria aos surdos: COMPREENDAM A CONDIÇÃO HUMANA. E este seria o conselho mais difícil de todos. Nós somos feitos em variedades de tamanhos e formatos quase infinitos. Admita as diferenças, conheça suas limitações e exija o máximo do seu autocontrole e da sua força de vontade. Não vá na onda daquelas pessoas que são apaixonadas por um problema e querem ter sempre um sintoma pra dividir com os amigos na hora do café.

Reconheça quem você é e alcance o que você quer. As coisas são como são, mas elas também podem ser como você determinar que elas sejam.





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