29 dezembro 2014

O Sono e a Mente

© Alessandro Loiola
 
 
Em meio aos festejos de final de ano, que tal manter a atenção às boas horas de sono?
 
A redução dos níveis sanguíneos de oxigênio e dos períodos de ondas lenta durante o sono estão associados a alterações cerebrais relacionadas à demência. Pelo menos, esta foi a conclusão de um estudo publicado online na revista Neurology, em dezembro/2014.
 
No estudo da Dra. Rebecca P. Gelber, do Veterans Affairs Pacific Islands Health Care System (Honolulu, Havaí), foram avaliados 167 americanos nipo-descendentes  com idade média de 84 anos, que participaram de um estudo sobre sono entre 1999-2000 e que posteriormente faleceram, tendo sido submetidos à necrópsia. Os pesquisadores procuraram por características específicas do sono registradas nas polissonografias e se algumas estavam associadas a alterações estruturais no cérebro.
 
Os participantes que apresentavam saturações de oxigênio abaixo de 95% (SatO2 < 95) apresentavam mais áreas de microinfartos. E mais: quando divididos em quartis segundo o tempo de sono com SatO2 < 95, aqueles no quartil superior – que apresentavam os maiores tempos com baixos níveis de oxigênio – apresentavam quase 4 vezes mais microinfartos que os indivíduos no quartil inferior.
 
Maiores níveis de saturação de oxigênio durante a fase de sono REM também se associaram a menos gliose e perda de neurônios no lócus cerúleo. Quanto maior a duração do sono de ondas lentas, menor a atrofia cerebral difusa.
 
A Dra. Rebecca Gelber concluiu que uma boa noite de sono produz mais benefícios do que jamais poderíamos imaginar, e ela insiste que todos os profissionais de saúde deveriam alertar seus pacientes sobre como o sono pode resultar em alterações profundas na estrutura e no funcionamento cerebral.

22 dezembro 2014

Viagra para o coração

© Alessandro Loiola 



Pessoas que sofrem de insuficiência cardíaca do tipo Hipertrofia Ventricular Esquerda (HVE) podem evitar o avanço da doença utilizando periodicamente inibidores da fosfodiesterase tipo-5 (FDE-5), tais como o sildenafil (famoso sob a alcunha de Viagra). 
 
Esta foi a conclusão da meta-análise de 24 estudos (total de 1.622 pacientes) conduzida pela Dra. Elisa Gianetta na Universidade Sapienza de Roma, na Itália, e publicada em outubro/2014 na revista BMC Medicine. 
 
Há algum tempo já se falava que os medicamentos para disfunção erétil eram capazes de melhorar a performance cardíaca. A bem da verdade, o sildenafil foi descoberto durante pesquisas de drogas antianginosas e para combate à hipertensão pulmonar, antes de ganhar fama como “o melhor amigo do homem”. 
 
O raciocínio validando o uso de sildenafil em pacientes com insuficiência cardíaca vem da observação de que a FDE-5 é principal enzima responsável pelo catabolismo da guanosina monofosfato cíclica (GMPc) nas células de músculo liso nas paredes dos vasos sanguíneos. A disfunção sistólica crônica do ventrículo esquerdo caracteriza-se exatamente pelo comprometimento da vasodilação mediada pelo óxido nítrico e pela GMPc no leito pulmonar e circulatório. Então bastou ligar os pontos e.. tchã-raam! 
 
Em sua avaliação, Dra. Gianetta observou que o uso periódico de sildenafil foi capaz de melhorar em 3,56% a 4,38% a fração de ejeção quando comparado ao placebo. O tratamento com inibidores de FDE-5 não afetou o ritmo cardíaco, a pressão arterial ou a resistência vascular sistêmica. Os efeitos colaterais mais comuns foram aqueles de sempre: vemelhidão, dor de cabeça, sangramento nasal de pequena monta e desconforto gástrico. 
 
Os pesquisadores afirmam que os inibidores da FDE-5 seguramente podem ser oferecidos a homens com insuficiência cardíaca em estágio inicial. Ainda faltam estudos avaliando o efeito destas drogas em grandes populações do sexo feminino. Mas de qualquer modo, a dica tá dada.

21 dezembro 2014

Acompanhantes no hospital espalham infecção

© Alessandro Loiola 


Pacientes hospitalizados e seus familiares que não lavam suas mãos contribuem para a disseminação de infecções hospitalares. Pelo menos, essa foi a conclusão de um excelente estudo realizado no Canadá (http://bit.ly/1CnI4zB). 
 
Após acompanhar centenas de pacientes em uma enfermaria de transplante de órgãos durante um ano, a equipe de pesquisadores descobriu que os pacientes lavavam suas mãos menos de 30% das vezes após irem ao banheiro – e ainda mais raramente após entrar ou saírem de outros ambientes. 
 
Todo mundo tá careca de saber (eu pelo menos estou, literalmente) que certas infecções podem ser transmitidas através das mãos, e lavar as mãos é uma medida crucial para evitar este problema. O papel dos profissionais de saúde na transmissão de infecções por meio do contato manual já foi estudado e dissecado nos mínimos detalhes, e treinamentos e palestras são realizadas periodicamente para enfatizar a importância de lavar as mãos corretamente. Mas pouquíssimos estudos avaliaram o potencial de pacientes e seus acompanhantes em espalhar infecções pelo hospital, para os outros e até para si mesmos. 

No estudo canadense, dos 279 pacientes acompanhados, 30% lavavam suas mãos após utilizar o banheiro, 40% na hora das refeições, 3% na hora de usar o refeitório, 3% ao entrarem em seus próprios quartos, e 7% ao deixarem seus leitos. As mulheres lavavam as mãos mais frequentemente que os homens. 
 
Alguns estudos anteriores a este mostraram que, quando os pacientes são instruídos a lavarem suas mãos pelo menos 4 vezes ao dia, as epidemias de doenças respiratórias e gastrintestinais no hospital reduzem significativamente. 
 
A mensagem é simples: limpe suas mãos. Isso irá evitar que você pegue e transmita infecções, especialmente se frequenta ambientes hospitalares. Fala sério, custa quase nada.

20 dezembro 2014

Antidepressivos, Amor e Anamneses

© Alessandro Loiola
 
 
O uso prolongado de antidepressivos tem sido associado a um nível importante de “anestesia emocional”, tanto em homens quanto em mulheres. 
 
Utilizando questionários validados, um grupo de pesquisadores recentemente testou 200 adultos portadores de depressão leve ou moderada (64% mulheres, idade média de 41,2 anos) e descobriu que o uso de inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRS) resultava em um efeito de “ah, tanto faz...” em relação ao cônjuge, especialmente em homens. Em contrapartida, o uso prolongado de antidepressivos tricíclicos (ATC) associou-se de modo significativo ao comprometimento da função sexual, particularmente em mulheres. Os resultados deste estudo foram apresentados no 27º Congresso do Colégio Europeu de Neuropsicofarmacologia. 
 
Esta foi a primeira pesquisa sistemática demonstrando os efeitos de “anestesia emocional” associados aos antidepressivos. Apesar da amostragem pequena, a grande jogada dos cientistas foi tentar medir aspectos da qualidade de vida que em geral não são abordados de modo tão profundo, como amor e vida sexual.  
 
Quando abordamos nossos pacientes de um modo geral, nos preocupamos apenas se a medicação irá tirá-los ou equilibrá-los naquele problema específico. Mas talvez seja hora de começar a perguntar sobre outras coisas. Não existe um motivo cientificamente sólido para NÃO conversar sobre amor, afeto, vida sexual, sonhos e emoções diversas durante a consulta. Estas esferas da existência afetam tanto o diagnóstico quanto o tratamento, e me parece uma péssima ideia deixá-las voluntariamente de fora da anamnese.

19 dezembro 2014

O Efeito Placebo

© Alessandro Loiola


Quando comecei a ter contato pacientes, lá nos anos neolíticos da faculdade de medicina, logo de cara fiquei abismado com uma coisa chamado Efeito Placebo. Basicamente, este Efeito diz que pessoas podem apresentar uma melhora – ou até mesmo cura – de seus problemas por pura sugestão, tomando balas e comprimidos de açúcar que acham que são remédios 100% eficazes. Incrível.
 
O primeiro passo para a valorização dos Placebos partiu de um estudo conduzido por Levine e colaboradores, que demonstraram que a administração de naloxona era capaz de bloquear a analgesia por Placebo. Este trabalho apontou a participação direta de opióides endógenos na analgesia por Placebo e foi crucial para elevar o Efeito Placebo da categoria de “evento falso-positivo capaz de ser corrigido por grupos-controle duplo-cego” para um patamar de fenômeno psicobiológico com grande potencial de utilidade médica.
 
Desde então, houve uma explosão de pesquisas para elucidar os mecanismos envolvidos na resposta aos Placebos. Muitas críticas pejorativas foram deixadas de lado por cientistas de renome, e os Placebos deixaram a terra da fantasia e do ridículo para ocupar seu espaço como medidas cientificamente eficazes baseadas em complexas interações psicobiológicas. 
 
Se você anda considerando que é hora de expandir seu arsenal terapêutico, que tal fazer isso utilizando Placebos?

18 dezembro 2014

Tratamento do HDL não resolve

© Dr. Alessandro Loiola



Uma meta-análise (BMJ, julho 2014) investigando os benefícios clínicos do uso de fibratos, niacina e inibidores de proteína de transferência ester-colesteril (cholesteryl ester transfer protein ou CETP) jogou mais dúvidas sobre a frágil hipótese de que elevar os níveis de colesterol HDL poderia se traduzir em uma redução na incidência de complicações cardiovasculares (infartos, derrames, tromboses e congêneres).
 
Na era do uso indiscriminado de estatinas, onde os níveis de colesterol LDL são empurrados cada vez mais para baixo, os pesquisadores passaram a afirmar que a estratégia de estimular o aumento dos níveis de HDL utilizando fibratos, niacina ou inibidores de CETP não produz qualquer benefício palpável.
 
Nos pacientes que não estão em uso de estatinas, o emprego de fibratos e niacina parece reduzir a incidência de infarto agudo do miocárdio em 20-30%. Contudo, quase todos os pacientes dislipidêmicos atualmente fazem uso de algum tipo de estatina, e estes pacientes não apresentam uma redução de complicações cardiovasculares quando adicionam niacina ou fibratos à sua farmacoterapia diária.
 
Os até então promissores inibidores de CETP, incluindo medicamentos de ponta como torcetrapib e dalcetrapib, de fato foram capazes de elevar significativamente os níveis de colesterol HDL, mas isso não se traduziu em qualquer benefício clínico. Na verdade, o estudo com torcetrapib foi abandonado quando a droga mostrou ser capaz de AUMENTAR o risco de morte precoce e complicações cardiovasculares.
 
O conceito de mexer com os níveis de HDL perdeu sentido na era das estatinas. O truque agora é mirar no colesterol LDL. Apesar disso ser uma ouutra história, prometo abordar o assunto em um outro post.

16 dezembro 2014

Vamos conversar sobre aquele gole?

© Dr. Alessandro Loiola


 
O novo Século – agora já um adolescente – viu vários mantras surgirem, alguns se solidificarem e outros serem desbancados pelas evidências científicas. Algumas verdades anciãs, entretanto, foram apenas amenizadas. “Beber responsavelmente” foi uma delas. Nada de “Não Beba!”, não. Pegue leve e siga de boa essa versão domesticada com ares de maturidade. Afinal, “Se puder, não beba. Mas se for beber... me liga”.
 
Em relação a automóveis, volantes e câncer, bom, aí o álcool vai por uma oouutra conversa.
 
O relatório de 2014 da Agência Internacional de Pesquisa do Câncer (AIPC) da Organização Mundial de Saúde alerta: QUALQUER quantidade de álcool é perigosa.
 
O álcool está relacionado a cânceres na boca, faringe, laringe, esôfago, cólon, reto, fígado, pâncreas, mama, útero, vulva, vagina, pele, leucemia e mieloma múltiplo. Existem ainda suspeitas sobre o papel do álcool no desenvolvimento de tumores malignos na bexiga, rins, pulmões e estômago.
 
Mas e se você bebe só um pouco? Ainda assim existe um risco? Aparentemente, sim. Em uma meta-análise de 222 estudos compreendendo 92.000 etilistas leves (não, eu não fui chamado para participar), o consumo leve associou-se a um risco aumentado para câncer de orofaringe, no esôfago e na mama.
 
Entretanto (e agradeçamos por este “entretanto”), as pesquisas sobre consumo de álcool exigem que o paciente reporte o hábito – e acredita-se que, ao fazer isto, nossos honrados voluntários estejam subestimando a quantidade de bebida que consomem, e o que assumem ser “um consumo leve” talvez seja na verdade “entornar o caldo muito mesmo pra caramba, meu!”. Isto poderia gerar relações entre câncer e consumo leve a moderado de álcool quando, na realidade, o consumo de álcool é bem maior.
 
Pule essa parte se você não sente atração por fisiologia...
 
Os mecanismos biológicos que atuam no aumento da incidência de câncer relacionada ao consumo de álcool ainda não foram completamente desvendados. Uma bebida alcoólica típica contém pelo menos 15 substâncias carcinogênicas diferentes, incluindo acetaldeído, acrilamida, aflatoxinas, arsênico, benzeno, cádmio, etanol, etil-carbamato, formaldeído e chumbo. O etanol é o mais importante, e seu ritmo de metabolismo é determinado geneticamente.
 
O primeiro e mais tóxico produto do metabolismo do álcool é o acetaldeído. O etanol ingerido é oxidado pelas enzimas álcool desidrogenase, citocromo P4502E1 e catalase, formando acetaldeído, um metabólito carcinogênico e genotóxico quando em contato com a mucosa do trato aerodigestivo superior (faringe, cavidade oral, esôfago e laringe). Neste local, altas concentrações de acetaldeído induzem hiperproliferação da mucosa – e daí para um câncer, é um pulo.
 
Outras vias patogênicas também tem sido implicadas. Por exemplo: o álcool é um antagonista do folato, e alterações no metabolismo e absorção do folato podem interagir com o etanol e prejudicar a metilação do DNA. No câncer de mama, o álcool pode aumentar os níveis de estrogênio e a atividade de receptores de fatores de crescimento tipo-insulina, estimulando a proliferação celular mamária. Nos tumores digestivos, o genótipo individual poderia ter um papel, e outros mecanismos tem sido descobertos, incluindo a produção de radicais reativos de oxigênio e nitrogênio.
 
...e volte a ler a partir daqui.
 
O tipo de bebida alcoólica em geral não interfere no risco, com exceção dos tumores de esôfago. O esôfago é recoberto com uma mucosa ciliar bastante delicada que é facilmente destruída por altas concentrações de etanol – como aquelas encontradas em bebidas destiladas.
 
Se você quiser piorar as coisas, então que tal beber e fumar? Existe um efeito somatório perverso formidável no consumo de tabaco e álcool, especialmente com respeito ao aumento do risco para canceres na cavidade oral, faringe, laringe e esôfago. Quanto mais intenso o consumo de cigarros e bebidas alcoólicas, tão maior o risco. E evitar ambos reduziria em 80% os casos de câncer oral e em 90% os casos de câncer de laringe.
 
Mas o álcool não protege o coração? É, amigo. É, amiga. Bem vindos às coisas da vida. O álcool é uma dessas lâminas de dois legumes.
 
Há cerca de 20 anos, os cientistas começaram a notar algo que foi chamado de “O Paradoxo Francês”. De acordo com estudos observacionais, os franceses, que possuíam a maior ingesta de álcool do mundo (particularmente vinhos), também apresentavam a menor incidência de doenças cardiovasculares.
 
O público em geral, que deve ter visto os resultados desses estudos como um “bilhete premiado”, esqueceu de ler a pequena observação no rodapé que recomendava cautela no consumo de álcool como uma medida isolada para evitar problemas do coração.
 
É certo que o álcool reduz o risco de diabetes melito, derrame, insuficiência cardíaca e mortalidade precoce de um modo geral, mas isso deve ser contraposto a todos os demais males associados ao uso excessivo de bebidas alcoólicas.
 
Além disso, vale lembrar que os efeitos protetores do álcool dependem do uso regular de quantidades leves a moderadas, sem episódios de bebedeiras ou pileques. O padrão ideal parece ser o consumo diário, preferivelmente de vinho tinto, antes ou durante o jantar. E mais não é melhor. Na verdade, mais é dramaticamente pior: o consumo intenso de álcool resulta em hipertensão arterial, fibrilação atrial, derrame (tanto isquêmico quanto hemorrágico) e cardiomiopatia dilatada não-isquêmica.
 
No frigir dos ovos, o que dizem os jurados?
 
As evidências dos malefícios do álcool são maiores que as evidências a seu favor. Quanto mais jovem o bebedor, tão pior: o álcool é o principal fator de risco para morte prematura em homens entre 15-59 anos de idade.
 
Se deseja pegar mais leve, tente uma ou várias das estratégias abaixo:
  • Monitore o quanto você anda bebendo. Quantas gramas de álcool em quantos dias da semana?
  • Limite seu consumo em 20 gramas diárias para homens e 15 gramas diárias para mulheres.
  • Tire um dia de folga: não beber por 1-2 dias em cada semana ajuda seu fígado a se recuperar da surra.
  • Quanto menor o consumo, maior o investimento em saúde e longevidade.
 
Você pode degustar sua cerveja, vinho, cachaça, uísque, álcool absoluto, o que for. Mas deve fazer isto com consciência dos riscos que está assumindo.
 
#PenseSobreIsso

15 dezembro 2014

TOMAR PÍLULA ENGORDA?

A pílula anticoncepcional foi um sucesso estrondoso quando surgiu no começo da década de 1960. Meio século depois, continua sendo um dos métodos contraceptivos reversíveis mais populares do mundo. Apesar disso, meias verdades e ideias equivocadas insistem em contaminar essa conquista. E um dos mitos mais recorrentes é o fatídico “pílula engorda”.

Os efeitos colaterais mais comuns da pílula incluem sangramento fora hora, mamas doloridas, náuseas e dores de cabeça. EM ALGUMAS POUCAS MULHERES – leia essas palavras maiúsculas novamente -, a pílula pode resultar em um PEQUENO ganho de peso devido retenção hídrica. A bem da verdade, uma revisão de 44 estudos científicos não encontrou qualquer evidência de que a pílula cause ganhe ponderal na maioria das usuárias. Naqueles raros casos, o ganho de peso foi irrisório, mínimo e temporário, desaparecendo em 2 a 3 meses.

Se você foi uma das sorteadas por este fenômeno da natureza e ganhou alguns gramas a mais depois da pílula, converse com seu médico. Ele(a) poderá sugerir uma pílula de um tipo diferente. Isso porque nem todas as pílulas são a mesma coisa, você sabia?

Existem dois tipos de pílula: as de hormônios combinados (contendo estrogênio e um progestágeno) e as de progestágeno isolado. Apesar do estrogênio ser quase sempre o mesmo (estradiol), o progestágeno varia bastante. Marcas diferentes possuem doses diferentes de tipos diferentes de progestágenos, e os efeitos colaterais podem ser maiores ou menores dependendo disso. Independente do tipo de pílula, é importante usar pelo menos durante 3 meses para que os efeitos colaterais iniciais desapareçam.

Quando foi que o mito de que pílula engorda começou?

Quando a pílula surgiu, ela continha uma quantidade de estrogênio muito muito muito maior que aquela encontrada nas formulações mais modernas. Coisa de 1000 vezes mais hormônios que o necessário. Altas doses de estrogênio podem causar ganho de peso devido ao aumento do apetite e da retenção hídrica. Ou seja: nos dias da sua avó, a pílula de fato engordava.

Hum... Tinha smartphone naquela época? Pois é, algumas coisas mudaram.

As pílulas atuais possuem uma quantidade bem menor de hormônios, e não engordam mais.

Correlação não significa causa

Existem várias explicações para o fato das mulheres associarem o uso da pílula ao ganho de peso.
A principal e mais importante: o início do anticoncepcional em geral marca um período de transição de etapa e estilo de vida.

A taxa de metabolismo basal começa a desacelerar a partir dos 12 anos de idade, a auto-percepção corporal se intensifica na adolescência (qualquer gordurinha fora do lugar é o prenúncio de um terrível apocalipse inclemente de auto-crítica), o nível de atividade física diminui (você não vai exatamente brincar de pique esconde ou amarelinha com seu namorado aos 19 anos de idade...) e a autonomia na escolha dos próprios alimentos aumenta.

Mas é mais fácil culpar a coitada da pílula. Toda a ideia de estar colocando hormônios para dentro do seu organismo... puxa, isso deve causar alguma coisa, certo? Vai ver que é o ganho de peso. Bingo!

Do meu ponto de vista, a noção (equivocada) de que a pílula engorda atingiu um ponto que está além do alcance da ciência. As mulheres QUEREM acreditar nisso e nenhuma evidência científica neste planeta irá tirar essa pré-concepção da sua cabeça. Não interessa quantos estudos sejam feitos, quantas entrevistas de especialistas sejam lidas, a imensa maioria das senhoras e senhoritas DESEJA ARDENTEMENTE apontar a pílula como a responsável pelo excesso de peso.

Aceitar que as frustrações, a falta de planejamento e a ansiedade desmedida estejam sendo descontadas em calorias e transformadas em obesidade é simplesmente duro demais. Comprimidos não reclamam – nem acusam.

Eu acredito em você quando você diz que ganhou peso quando começou a tomar a pílula. Mas não acredito que você tenha percebido que a culpa nem de perto foi do contraceptivo.

Se você ainda duvida, seguem abaixo 10 referências científicas para justificar meu ponto de vista. Se ainda discorda, é bem simples: basta fazer SUA pesquisa e enviar SUAS referências científicas, ok? Aguardo ansiosamente.

  1. Uras R et al (2009). Evidence that in healthy young women, a six-cycle treatment with oral contraceptive containing 30 mcg of ethinylestradiol plus 2 mg of chlormadinone acetate reduces fat mass. Contraception, 79 (2), 117-21 PMID: 19135568
  2. Berenson AB, Rahman M (2009). Changes in weight, total fat, percent body fat, and central-to-peripheral fat ratio associated with injectable and oral contraceptive use. American journal of obstetrics and gynecology, 200 (3), 3290-8 PMID: 19254592 
  3. Beksinska ME et al. (2010). Prospective study of weight change in new adolescent users of DMPA, NET-EN, COCs, nonusers and discontinuers of hormonal contraception. Contraception, 81 (1), 30-4 PMID: 20004270 
  4. Edelman A et al (2010). Combined oral contraceptives and body weight: do oral contraceptives cause weight gain? A primate model. Human Reproduction, 26 (2), 330-336. 
  5. Adeghate E (2000). Effect of oral contraceptive steroid hormones on metabolic parameters of streptozotocin-induced diabetic rat. Contraception, 62 (6), 327-9 PMID: 11239621 
  6. Göretzlehner G et al (2011). Extended Cycles with the Combined Oral Contraceptive Chlormadinone Acetate 2 mg/Ethinylestradiol 0.03 mg: Pooled Analysis of Data from Three Large-Scale, Non-Interventional, Observational Studies. Clinical drug investigation PMID: 21250761 
  7. Teepker M et al. (2011). The effects of oral contraceptives on detection and pain thresholds as well as headache intensity during menstrual cycle in migraine. Headache, 51 (1), 92-104 PMID: 20946429 
  8. Breech LL, Braverman PK (2010). Safety, efficacy, actions, and patient acceptability of drospirenone/ethinyl estradiol contraceptive pills in the treatment of premenstrual dysphoric disorder. International journal of women's health, 1, 85-95 PMID: 21072278
  9. Procter-Gray E et al. (2008). Effect of Oral Contraceptives on Weight and Body Composition in Young Female Runners Medicine. Science in Sports & Exercise, 40 (7), 1205-1212.
  10. Gallo MF et al FM (2008). Combination contraceptives: effects on weight. Cochrane database of systematic reviews (Online) (4) PMID: 18843652

13 dezembro 2014

Novos horizontes no tratamento da depressão

© Dr. Alessandro Loiola
 

Um trabalho publicado dia desses sobre tratamento da depressão chamou bastante minha atenção. O estudo, muito bem elaborado e estatisticamente embasado feito na Harvard Medical School e publicado em Agosto na revista Biological Psychiatry, mostrou a capacidade de um equipamento gerador de campo eletromagnético de oscilação rápida em promover alterações de humor. 
 
Há mais de uma década sabe-se que a estimulação magnética de baixo campo (low-field magnetic stimulation ou LFMS) é capaz de alterar o funcionamento cerebral. Com base nessa premissa, os pesquisadores desenvolveram um aparelho portátil  semelhante a uma pequena caixa capaz de aplicar LFMS. O paciente se deita e o topo da sua cabeça é encaixada no aparelho, deixando o restante, incluindo os olhos, livres. 
 
Mais de 60 indivíduos entre 18 e 65 anos de idade com transtorno bipolar ou transtorno depressivo, já em uso de medicamentos porém ainda sintomáticos, utilizaram o aparelho. Após 20 minutos de aplicação de LFMS, a maioria apresentou melhora significativa dos sintomas. E o resultado foi estatisticamente significativo mesmo quando comparado ao grupo controle – pacientes submetidos a um tratamento placebo elaborado de forma engenhosa para simular em todos os detalhes o tratamento real. Não foram observados efeitos colaterais.
 
O cérebro funciona a partir de impulsos eletroquímicos, e parece óbvio teorizar que o funcionamento elétrico das sinapses foi modulado pela LFMS. Exatamente como e por que isso ocorreu, ainda é um mistério. 
 
Uma vez que este equipamento oferece um alívio imediato, ele pode ser útil como uma “ponte” em locais de atendimento de urgência: medicamentos antidepressivos levam várias semanas para funcionar, e mesmo a eletroconvulsoterapia – método mais eficaz conhecido para tratamento da depressão severa – leva 2 a 3 sessões semanais por 4 semanas pelo menos para produzir resultados. Em locais de pronto atendimento, a LFMS poderia ser utilizada como um procedimento de urgência em indivíduos atendidos após tentativa de suicídio ou com episódio depressivo grave, por exemplo.
 
Os pesquisadores agora estão procurando determinar qual a frequência do tratamento, a forma como deve ser aplicado e o tempo necessário de exposição ao campo eletromagnético para produzir o efeito antidepressivo. 
 
A despeito de ser um caminho ainda muito novo, a LFMS merece atenção pela chance de alívio real dos sintomas dessa doença ainda tão mal compreendida.

12 dezembro 2014

Novas recomendações para tratar o colesterol

© Dr. Alessandro Loiola

Em novembro de 2013, o American College of Cardiology (ACC) e a American Heart Association (AHA) publicaram novas diretrizes para a abordagem do colesterol. Apesar de novas, essas diretrizes não saíram menos confusas que as versões anteriores, sendo - em alguns aspectos - até mesmo conflitantes com guidelines respeitados como os da European Society of Cardiology/European Atherosclerosis Society, da Canadian Cardiovascular Society e da International Atherosclerosis Society
 
Algumas alterações foram meio que surpreendentes: as metas restritas de colesterol LDL foram abandonadas e em seu lugar foram especificados 4 grupos de pacientes que poderiam beneficiar-se do uso doses moderadas ou altas de estatinas. Estes 4 grupos incluem: 
  • Pessoas com doença cardiovascular aterosclerótica (DCVA) clinicamente evidente.
  • Pessoas com níveis de LDL iguais ou acima de 190 mg/dL. 
  • Pessoas com diabetes, idade entre 40 e 75 anos, LDL entre 70 e 189 mg/dL e sem evidencias de DCVA. 
  • Pessoas sem evidências de DCVA ou diabetes, porém com LDL entre 70 e 189 mg/dL e risco de DCVA em 10 anos igual ou superior a 7,5%.
Nestes casos, o tratamento deveria ser iniciado com altas doses de estatinas potentes (p.ex.: 80 mg de atorvastatina ou 40 mg de rosuvastatina por dia), tendo como objetivo uma redução média de 50% nos níveis de LDL. 
 
Tudo bem, a LDL continua sendo a lipoproteína em foco, mas agora não existem mais recomendações específicas sobre valores absolutos de redução. Fica a pergunta: até que ponto esta mudança de estratégia não foi uma jogada patrocinada pela indústria farmacêutica para tratar ainda mais pacientes com suas estatinas (incluindo até mesmo pessoas sem sinais ou sintomas de DCVA)? 
 
Vale lembrar que os algoritmos utilizados para avaliar o risco de DCVA em 10 anos podem apresentar resultados superestimados em até 75-150%, mostrando riscos onde nada existe. 
 
Ah, o que seria da vida sem uma teoria da conspiração de vez em quando... 
 
A parte sensata do guideline de 2013 da ACC/AHA está na simplificação: eles focaram principalmente no risco de DCVA relacionado ao colesterol LDL. Este é o ponto onde existe maior concordância entre os especialistas. (As evidências são bastante limitadas quando tentamos defender o aumento dos níveis de HDL ou a redução isolada dos níveis de triglicerídios como medidas eficazes para diminuir o risco de complicações cardiovasculares). 
 
A American Association of Clinical Endocrinologists e a National Lipid Association não concordaram com as diretrizes da ACC/AHA e, obviamente, recomendaram aos seus pares que seguissem seus próprios protocolos. Quem está mais certo? Apenas o tempo dirá... Quer dizer, o tempo e algumas dúzias de meta-análises de estudos clínicos populacionais randomizados multicêntricos duplo-cegos, certamente.

11 dezembro 2014

Homens e Osteoporose

© Alessandro Loiola

 
Os homens respondem por cerca de 1 em cada 5 casos de osteoporose, mas as mulheres recebem tratamento para esta doença com frequência 10 a 20 vezes maior. 
 
Estes números sugerem que os homens não estão sendo diagnosticados e tratados corretamente. A doença continua sendo visualizada como um transtorno típico de senhorAs idosas, e só – e a maioria dos profissionais de saúde simplesmente perde a oportunidade de investigar e tratar os digníssimos senhorEs idosos portadores do mesmo mal. 
 
Ao detectar um paciente de risco, a recomendação imediata deve ser de exercícios diários e suplementação com vitamina D e cálcio. Algo tão simples como isso pode ser suficiente para evitar fraturas de consequências terríveis. 
 
#ficadica

10 dezembro 2014

Deficiência de Vitamina D está associada a Esquizofrenia

© Dr. Alessandro Loiola
 
 

Uma pesquisa publicada online em julho de 2014 no Journal of Clinical Endocrinology and Metabolism mostrou que a deficiência de vitamina D está ligada ao aumento do risco para esquizofrenia.  
 
A revisão de 19 estudos científicos, totalizando mais de 2800 participantes, mostrou que aqueles com deficiência de vitamina D apresentavam uma chance duas vezes maior de serem diagnosticados com esquizofrenia em comparação às pessoas sem deficiência. Além disso, 65% dos pacientes sabidamente portadores de esquizofrenia também apresentavam baixos níveis de vitamina D no organismo. 
 
A deficiência de vitamina D é um problema relativamente prevalente no mundo todo e está associada a várias consequências deletérias. Por exemplo: pesquisas mostram que esta hipovitaminose está intimamente associada à depressão e outros transtornos psiquiátricos. E é assustador quando pensamos nesse dado associado às estatísticas que apontam que 30% das pessoas (adultos e crianças) apresentam deficiência – e outros 30% apresentam níveis insuficientes da vitamina no organismo. 
 
A Sociedade Americana de Endocrinologia recomenda a suplementação de vitamina D nas seguintes doses:
  • Crianças com mais de 1 ano de idade: 600 a 1000 unidades por dia.
  • Adultos dentro do peso ideal: 800 a 2000 unidades por dia. 
  • Obesos e pessoas com sobrepeso: 2 a 3 vezes a dose recomendada para adultos dentro do peso.
Ainda não existem especificações desse tipo para gestantes e crianças com idade inferior a 1 ano. Contudo, muitos especialistas concordam que, no caso das gestantes, seria prudente recomendar a suplementação com 2000 a 4000 unidades de vitamina D diariamente, além de estimular o consumo de outras fontes dietéticas ricas em vitamina D, como leite, e o uso das vitaminas habituais do pré-natal.
 

09 dezembro 2014

Cigarros Eletrônicos

© Dr. Alessandro Loiola


Os cigarros eletrônicos (ou e-cigarettes) vêm se tornando mais populares a cada dia. Estima-se que eles já movimentem um mercado anual superior a 1 bilhão de dólares e os fabricantes calculam que irão ultrapassar a venda de cigarros comuns em 10 anos.
 
As propagandas anunciam os e-cigarettes como mais saudáveis, mais limpos, mais baratos, capazes de facilitar o abandono do tabagismo e com o bônus de permitirem ao fumante desfrutar seu vício em qualquer lugar. O marketing tem sido tão eficaz que 1 de cada 5 tabagistas relatam já terem feito uso do cigarro eletrônico pelo menos uma vez. Logo irão chover perguntas e falsas-verdades sobre esse produto, e o que os profissionais de saúde irão dizer?
 
Bora dar uma olhada no que tem embasamento e no que é pseudo-ciência, então.
 
Uma das desculpas mais frequentes para o uso de e-cigarettes é a de que o aparelho ajuda a parar de fumar. Essa eu já ouvi até de uma colega de plantão. Nos EUA, mais da metade dos tabagistas que tentaram parar de fumar chegaram a usar os e-cigarettes como ferramenta, mas os méritos do equipamento ainda são mais que questionáveis.
 
Para os profissionais de saúde, talvez o mais importante neste aspecto seja o fato de que, quando um tabagista contumaz começa a fazer perguntas sobre o cigarro eletrônico, o que ele ou ela na verdade está procurando é uma saída para o seu vício. Então de repente a conversa sobre cigarros eletrônicos possa ser utilizada como uma ponte para iniciar tratamentos anti-tabagismo que realmente funcionam.
 
A imensa maioria dos e-cigarettes é fabricada por uma única empresa na China. Eles – surpresa! – não possuem quase nenhuma fiscalização sanitária ou de padronização de qualidade. Muitas propagandas os anunciam como “simples e inofensivos produtores de vapores d´água”, mas isto é uma mentira deslavada. O que ocorre é que eles utilizam propileno-glicol vaporizado como veículo para a nicotina, além de agentes flavorizantes que também são inalados ao serem aquecidos por um sistema interno movido a bateria. O esquema todo termina fornecendo um aerossol contendo partículas ultrafinas, com uma quantidade variável e indeterminada de nicotina.
 
Cada tragada no e-cigarette, utilizando as configurações com maior carga de nicotina, oferece apenas cerca de 20% da quantidade de nicotina de uma tragada em um cigarro comum. Ok, eles são menos potentes do ponto de vista de oferta de nicotina – e este pode ser exatamente o motivo pelo qual alguns pacientes tentaram e não gostaram dos e-cigarettes.

Até aqui, é o que se sabe de fato. O que não se sabe é se os e-cigarettes, após muitos anos de uso, se mostrarão realmente mais seguros que os cigarros convencionais. Será que é possível quantificar os riscos da aspiração de propileno-glicol, do vapor de bateria e de todas as demais partículas em aerossóis que acompanham as tragadas eletrônicas? E se no final essa porcariada toda se mostrar ainda mais carcinogênica que o mau e velho cigarro?
 
Se é para parar de fumar, então como os e-cigarettes se comparam em termos de eficácia estratégica a um bom aconselhamento cara a cara, ou uso de chicletes ou adesivos de nicotina, ou comprimidos de bupropiona ou vareniclina? Ainda não existem pesquisas suficientes para responder a isso.
 
Você quer usar vitaminas, antioxidantes e cápsulas de ômega-3? Beleza, não existem evidências claras sobre benefícios, mas essas opções são provavelmente seguras no longo prazo.
 
Você quer tomar uns goles? Ora, um a dois drinques por dia é possivelmente útil e benéfico, desde que você seja capaz de manter o ritmo dentro deste nível e não esteja preocupado(a) com o risco de desenvolver câncer.
 
Você quer fumar o que quer que seja? Lamento, mas neste caso simplesmente não existem evidências mostrando que isso pode ser útil, benéfico ou sem risco em qualquer versão imaginável, nem mesmo se você for exibir por aí essa moderníssima e descolada pipeta de vapores de bateria que chamam de cigarro eletrônico.


 

08 dezembro 2014

Café faz bem para o fígado

© Dr. Alessandro Loiola

Minha permanente xícara sobre a mesa não deixa mentir: o café é uma das bebidas mais consumidas em todo o mundo. As pessoas dizem que adoram café porque é uma bebida estimulante, saborosa e aromática. Mas pode haver mais por trás desta escolha. Silenciosamente, o corpo sabe de coisas que nossa consciência sequer desconfia. E o café pode ser uma delas.
 
Pesquisas recentes mostram que o consumo regular de café diminui o risco de várias doenças, incluindo diabetes melito, pedras na vesícula, Parkinson, derrame e doenças cardíacas. Como se isso não bastasse, análises do NIH-AARP Diet and Health Study mostraram que beber café regularmente também está associado a uma menor incidência de morte precoce por todas as causas: homens e mulheres que tomavam 6 ou mais xícaras por dia apresentavam um risco 10% e 15% menor de morte precoce, respectivamente.
 
As doenças crônicas do fígado (DCF) são um dos grandes males que afetam a saúde pública na modernidade: apenas nos EUA, as DCF afetam 15% da população, ocupando o 12º lugar das principais causas de morte e ceifando mais de 30.000 vidas anualmente. As opções de tratamento para DCF quase sempre são vistas com boa dose de suspeita, e muitos pacientes terminam procurando tratamentos alternativos para o problema.
 
Somando o potencial de benefícios do café e a recente popularidade das DCF, um grupo de pesquisadores resolveu verificar se esta bebida possuía algum efeito em pessoas portadoras de hepatite viral, esteato-hepatite não-alcoólica (EHNA), cirrose e carcinoma hepatocelular. Para tanto, foi realizada uma busca nas bases de dados médicos MEDLINE e PubMed, incluindo todos os estudos publicados envolvendo café e doenças hepáticas, abrangendo o intervalo de tempo entre 1986 e 2012.
 
Vários estudos mostraram que o consumo de café apresentava um efeito benéfico sobre os testes de função hepática. Este benefício foi observado inclusive em pessoas alcoólatras, obesas, tabagistas e/ou portadoras de hepatite viral crônica, com melhora significativa nos níveis de TGO, TGP e gama-GT. 
 
Tomar café também associou-se a uma menor incidência de DCF: o consumo diário de duas ou mais xícaras de café diminui o ritmo de fibrose hepática em pessoas obesas mórbidas com EHNA. Curiosamente, este efeito protetor não está presente quando a cafeína é ingerida a partir de outras fontes que não o famoso cafezinho.
 
Três ou mais xícaras de café por dia diminuem o risco de cirrose ou pelo menos ajudam a reduzir a velocidade de progressão da doença. Em pessoas em tratamento para hepatite viral com interferon, esta mesma dose de café é capaz de aumentar a tolerância ao medicamento. E, como se não bastasse, após 1-2 anos consumindo três ou mais xícaras de café por dia, você também começa a reduzir seu risco de câncer hepatocelular.
 
Beleza. Café é excelente para o fígado. Mas como isso acontece? 
 
O café é composto por mais de 100 substâncias químicas diferentes, e qualquer uma delas poderia ser a responsável pelos efeitos benéficos. O mais provável é que mérito não caiba a um único composto em particular, mas ao efeito combinado de várias substâncias. Ademais, nem todos os tipos de café parecem fazer bem para o fígado. Vários estudos mostraram um efeito protetor para o café filtrado, e um possível efeito deletério relacionado ao café não-filtrado.
 
Até que os exatos mecanismos de ação do café sejam elucidados, uma coisa é certa: esse super-herói é de fato eficaz e merece continuar tendo um papel importante na sua dieta.

05 dezembro 2014

Quando machucados podem significar abuso em bebês?

© Alessandro Loiola


O comportamento violento de pais e cuidadores é um dos grandes riscos que os bebês sofrem. Nem todo machucado é consequência de uma brincadeira, e certas lesões podem significar a ocorrência de abusos. 
 
Para entender quais machucados devem ser considerados um alerta, um grupo de pesquisadores nos EUA (J Pediatr. 2014;165:383-388) avaliou mais de 2800 crianças (980 delas com menos de 6 meses de idade) em situação de risco social. Pouco mais de 250 apresentavam machucados e escoriações, sendo que 146 apresentavam lesões únicas – destas, 61% eram meninos, e a idade média era de 1,5 meses. 
 
De um modo geral, 50% das crianças com lesões foram classificadas como “suspeitas” ou “certamente vítimas de abuso”. Um terço destes casos apresentava um machucado único, 52% apresentavam entre 1 e 5, e 14% apresentavam 6 machucados ou mais. As lesões estavam localizadas na face ou na cabeça em 75% das crianças, no tronco em 33% e nas extremidades em cerca de 25%. Fraturas múltiplas, traumatismos cranianos com hematomas e hemorragias cerebrais, lesões de fígado e baço foram encontrados com frequência assustadora. 
 
Os pesquisadores concluíram que bebês com menos de 6 meses que apresentem qualquer tipo de machucado por forças externas (contusões, equimoses, hematomas, escoriações, arranhões, mordeduras, etc) deveriam passar por uma avaliação criteriosa – incluindo exames especializados de imagem - devido à possibilidade significativa de se tratar de um caso de violência.