16 dezembro 2014

Vamos conversar sobre aquele gole?

© Dr. Alessandro Loiola


 
O novo Século – agora já um adolescente – viu vários mantras surgirem, alguns se solidificarem e outros serem desbancados pelas evidências científicas. Algumas verdades anciãs, entretanto, foram apenas amenizadas. “Beber responsavelmente” foi uma delas. Nada de “Não Beba!”, não. Pegue leve e siga de boa essa versão domesticada com ares de maturidade. Afinal, “Se puder, não beba. Mas se for beber... me liga”.
 
Em relação a automóveis, volantes e câncer, bom, aí o álcool vai por uma oouutra conversa.
 
O relatório de 2014 da Agência Internacional de Pesquisa do Câncer (AIPC) da Organização Mundial de Saúde alerta: QUALQUER quantidade de álcool é perigosa.
 
O álcool está relacionado a cânceres na boca, faringe, laringe, esôfago, cólon, reto, fígado, pâncreas, mama, útero, vulva, vagina, pele, leucemia e mieloma múltiplo. Existem ainda suspeitas sobre o papel do álcool no desenvolvimento de tumores malignos na bexiga, rins, pulmões e estômago.
 
Mas e se você bebe só um pouco? Ainda assim existe um risco? Aparentemente, sim. Em uma meta-análise de 222 estudos compreendendo 92.000 etilistas leves (não, eu não fui chamado para participar), o consumo leve associou-se a um risco aumentado para câncer de orofaringe, no esôfago e na mama.
 
Entretanto (e agradeçamos por este “entretanto”), as pesquisas sobre consumo de álcool exigem que o paciente reporte o hábito – e acredita-se que, ao fazer isto, nossos honrados voluntários estejam subestimando a quantidade de bebida que consomem, e o que assumem ser “um consumo leve” talvez seja na verdade “entornar o caldo muito mesmo pra caramba, meu!”. Isto poderia gerar relações entre câncer e consumo leve a moderado de álcool quando, na realidade, o consumo de álcool é bem maior.
 
Pule essa parte se você não sente atração por fisiologia...
 
Os mecanismos biológicos que atuam no aumento da incidência de câncer relacionada ao consumo de álcool ainda não foram completamente desvendados. Uma bebida alcoólica típica contém pelo menos 15 substâncias carcinogênicas diferentes, incluindo acetaldeído, acrilamida, aflatoxinas, arsênico, benzeno, cádmio, etanol, etil-carbamato, formaldeído e chumbo. O etanol é o mais importante, e seu ritmo de metabolismo é determinado geneticamente.
 
O primeiro e mais tóxico produto do metabolismo do álcool é o acetaldeído. O etanol ingerido é oxidado pelas enzimas álcool desidrogenase, citocromo P4502E1 e catalase, formando acetaldeído, um metabólito carcinogênico e genotóxico quando em contato com a mucosa do trato aerodigestivo superior (faringe, cavidade oral, esôfago e laringe). Neste local, altas concentrações de acetaldeído induzem hiperproliferação da mucosa – e daí para um câncer, é um pulo.
 
Outras vias patogênicas também tem sido implicadas. Por exemplo: o álcool é um antagonista do folato, e alterações no metabolismo e absorção do folato podem interagir com o etanol e prejudicar a metilação do DNA. No câncer de mama, o álcool pode aumentar os níveis de estrogênio e a atividade de receptores de fatores de crescimento tipo-insulina, estimulando a proliferação celular mamária. Nos tumores digestivos, o genótipo individual poderia ter um papel, e outros mecanismos tem sido descobertos, incluindo a produção de radicais reativos de oxigênio e nitrogênio.
 
...e volte a ler a partir daqui.
 
O tipo de bebida alcoólica em geral não interfere no risco, com exceção dos tumores de esôfago. O esôfago é recoberto com uma mucosa ciliar bastante delicada que é facilmente destruída por altas concentrações de etanol – como aquelas encontradas em bebidas destiladas.
 
Se você quiser piorar as coisas, então que tal beber e fumar? Existe um efeito somatório perverso formidável no consumo de tabaco e álcool, especialmente com respeito ao aumento do risco para canceres na cavidade oral, faringe, laringe e esôfago. Quanto mais intenso o consumo de cigarros e bebidas alcoólicas, tão maior o risco. E evitar ambos reduziria em 80% os casos de câncer oral e em 90% os casos de câncer de laringe.
 
Mas o álcool não protege o coração? É, amigo. É, amiga. Bem vindos às coisas da vida. O álcool é uma dessas lâminas de dois legumes.
 
Há cerca de 20 anos, os cientistas começaram a notar algo que foi chamado de “O Paradoxo Francês”. De acordo com estudos observacionais, os franceses, que possuíam a maior ingesta de álcool do mundo (particularmente vinhos), também apresentavam a menor incidência de doenças cardiovasculares.
 
O público em geral, que deve ter visto os resultados desses estudos como um “bilhete premiado”, esqueceu de ler a pequena observação no rodapé que recomendava cautela no consumo de álcool como uma medida isolada para evitar problemas do coração.
 
É certo que o álcool reduz o risco de diabetes melito, derrame, insuficiência cardíaca e mortalidade precoce de um modo geral, mas isso deve ser contraposto a todos os demais males associados ao uso excessivo de bebidas alcoólicas.
 
Além disso, vale lembrar que os efeitos protetores do álcool dependem do uso regular de quantidades leves a moderadas, sem episódios de bebedeiras ou pileques. O padrão ideal parece ser o consumo diário, preferivelmente de vinho tinto, antes ou durante o jantar. E mais não é melhor. Na verdade, mais é dramaticamente pior: o consumo intenso de álcool resulta em hipertensão arterial, fibrilação atrial, derrame (tanto isquêmico quanto hemorrágico) e cardiomiopatia dilatada não-isquêmica.
 
No frigir dos ovos, o que dizem os jurados?
 
As evidências dos malefícios do álcool são maiores que as evidências a seu favor. Quanto mais jovem o bebedor, tão pior: o álcool é o principal fator de risco para morte prematura em homens entre 15-59 anos de idade.
 
Se deseja pegar mais leve, tente uma ou várias das estratégias abaixo:
  • Monitore o quanto você anda bebendo. Quantas gramas de álcool em quantos dias da semana?
  • Limite seu consumo em 20 gramas diárias para homens e 15 gramas diárias para mulheres.
  • Tire um dia de folga: não beber por 1-2 dias em cada semana ajuda seu fígado a se recuperar da surra.
  • Quanto menor o consumo, maior o investimento em saúde e longevidade.
 
Você pode degustar sua cerveja, vinho, cachaça, uísque, álcool absoluto, o que for. Mas deve fazer isto com consciência dos riscos que está assumindo.
 
#PenseSobreIsso

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