04 setembro 2014

POR UM CONGRESSO BRASILEIRO DE TAUTOLOGIA MÉDICA

© Alessandro Loiola


"Tautologia" é o termo empregado para definir vícios de linguagem caracterizados pela repetição de uma idéia, porém com palavras diferentes. Se quiser, também pode chamar de pleonasmo ou redundância.

“Subir para cima” e “descer para baixo” são exemplos bem conhecidos de tautologia, mas existem outros que, de tão comuns, podem passar despercebidos: elo de ligação, acabamento final, certeza absoluta, quantia exata, livre escolha, multidão de pessoas, surpresa inesperada, outra alternativa, retornar de novo, planejar antecipadamente, empréstimo temporário, seu critério pessoal, gritar bem alto, encarar de frente, dividir em duas metades iguais... e por aí vai.

Em medicina, a detecção da tautologia se transformou em uma arte, especialmente nos pronto-socorros. Por exemplo: obeso sedentário, diabético teimoso, hipertenso ansioso... Nenhuma dessas figurinhas estaria ali se não fosse pela repetição da mesma idéia, com palavras diferentes.

O obeso não malha porque está gordo e está gordo porque não malha. O diabético insiste em não seguir a dieta porque a glicose está sempre descontrolada – e adivinhe por que ela vive assim? O hipertenso se preocupa tanto com medo de morrer de pressão alta que termina enfartando de qualquer forma. E a fila anda.

De todos os seres tautólogos que freqüentam as salas de espera e pronto-atendimentos da cidade, os Poliqueixosos Carentes são certamente os mais numerosos. Os representantes do gênero chegam cheios de dores, palpitações que não aparecem nos eletrocardiogramas, cansaço com insônia, falta de ar com bolo na garganta, coceira nos dentes, cãibras nas unhas, formigamento nos cabelos e toda espécie de queixa surrealista capaz de virar uma consulta.

Não que não estejam sofrendo de algum mal – a bem da verdade, não existe sofrimento mais honesto que aquele que aflige a alma. Mas os pelotões de poliqueixosos que se aglutinam querendo vários tratamentos para o mesmo diagnóstico fazem pensar: que diabos está acontecendo com o mundo de hoje? Parte da resposta pode estar do outro lado do mundo, na China.

Uma pesquisa realizada há alguns meses mostrou que o número de divórcios nunca foi tão grande entre os chineses. Mais surpreendente que a quantidade de separações foi a constatação do motivo: durante muitas décadas, os chineses foram estimulados a terem apenas 1 filho. Isso criou legiões acostumadas desde a infância a terem toda a atenção somente para si, sem necessidade de estabelecer e dividir vínculos com irmãos, tios, tias ou primos – simplesmente porque eles não existem.

A falta de um amadurecimento emocional na tenra infância, compartilhando as agruras e alegrias do núcleo familiar, resultou em levas de chineses-únicos com um lastro emocional muito volátil. Ao menor sinal de problema com amigos, colegas de trabalho, maridos ou esposas, eles simplesmente tendem a abandonar o barco - e bau-bau casamento.

Diferentemente das gerações de filhos únicos chineses, a maioria de nós não é tão órfã de famílias. A amputação de valores, contudo, é a mesma. Estamos perdendo a noção do que realmente importa nesta vida.

Os poliqueixosos carentes e suas sacolas de antidepressivos, ansiolíticos, sedativos, lamentações e perturbações do sistema nervoso, são como pelotões de cegos, surdos e mudos incapazes de cultivar um olhar de contemplação e agradecimento pela oportunidade de estar neste mundo, errar, aprender, ensinar e ajudar seus semelhantes.

Os poliqueixosos são fissurados por pequenos fungos de angústia que crescem em seus próprios umbigos. Estes seres pleonásticos vagam não à procura de tratamento ou cura, mas de uma platéia disponível para ter pena do seu sofrimento. Eles chegam conversando, andando com as próprias pernas, respirando pelos próprios pulmões, fazendo todas as necessidades fisiológicas pelos orifícios apropriados, e ainda assim se sentem capazes de colocar uma sacola de autopiedade sobre a mesa.

Lamentavelmente, não existe uma matéria chamada Tautologia no curso médico. Mas bem que poderiam organizar um congresso sobre o tema. Seria um bom lugar para discutir melhor sobre como diagnosticar e tratar os sintomas do egoísmo generalizado. Minha inscrição está garantida.

Um comentário:

Anônimo disse...

Posso colocar aqui a minha experiência com alguma propriedade. Passei anos com uma dor abdominal indo à consultas médicas e fazendo ultrassonografia endovaginal, total, etc, etc e nunca foi constatado nada de errado, como a própria médica disse uma vez, e eu eu ri muito na hora por isso, o meu útero estava lindo, os meus ovários mais ainda. Outros médicos diziam que não havia nada de errado com meus órgãos. E porque então essa maldita dor me afligia??? Porque antes de parar e algum lugar do meu corpo ela surgia na minha mente.
Bem, o fato é que quase plagiando a música da Rita Lee um certo dia resolvi mudar e fazer tudo, ou quase tudo o que eu queria fazer, e de uns três anos pra cá a dor simplesmente desapareceu.
Hoje tenho hábito de me exercitar diariamente, tanto o corpo quanto a mente, busco atividades que eu nem sequer cogitava fazer há 4 ou 5 anos... descobri que preciso disso pras acertar as minhas inquietudes, mesmo que seja parada em uma horinha de ioga. Também melhorei meus hábitos alimentares e o melhor de tudo: aumentei minha auto estima. Hoje não sofro demasiado tempo pelo que perco mas sorrio muito pelo que ganho. No final tudo é ganho. :)
Excelente matéria! Espero que os autopiedosos possam ler e possam mudar também assim como eu. A maior doença do ser humano na atualidade é a falta de amor à vida. A vida é um espetáculo todos os dias. Abraço! Su