26 maio 2008

A TRIBO DOS RONCADORES

© Dr. Alessandro Loiola


Volte seu relógio alguns milhares de anos até a pré-história. Até aquela época em que habitávamos um mundo selvagem, bestializado e extremamente violento. Eu sei, não é preciso voltar no tempo para viver em um lugar assim. Basta ir até a esquina. Mas seja paciente.

Pegue seu tacape. Você está de guarda numa daquelas noites frias e chuvosas, com uivos ao fundo. O resto da tribo dorme na caverna enquanto corre a madrugada. Você pisca. A roda ainda não foi inventada, mas o plantão noturno sim. Chuva, frio, aquele pernil de preguiça gigante feito na brasa ameaçando avançar para o duodeno, e você ali. O protótipo neandertal do vigia sonâmbulo.

Fatalmente, você cai no sono. Aproveitando a deixa, os uivos se esgueiram pela sombra, aproximando-se da caverna. São lobos. E estão famintos. Mas antes que o treinador arme o ataque 4x4x2 lançando um coiote por sobre a barreira, um som gutural assustador, como o urro de bestas terríveis e possessas, irrompe pela caverna. E logo outro. E ao ressoar o terceiro, a matilha se dispersa, rabos entre as pernas, desaparecendo apressada na floresta.

Sem que soubessem, você e sua tribo foram salvos por uma adaptação maravilhosa da natureza: o ronco.

Não somos os animais mais rápidos ou os mais fortes ou aqueles com a mordida mais devastadora. Apesar de predadores, somos mamíferos terrestres relativamente frágeis. Então como poderíamos nos manter protegidos durante o descanso? Fácil: o som de dezenas de homens da caverna roncando juntos seria suficiente para manter qualquer ameaça a uma distância segura.

Levando o raciocínio adiante, seria possível deduzir que tribos de não-roncadores permaneceriam mais expostas durante as horas de sono, complicando suas chances de perpetuação, resultando em uma conclusão bastante simples: seguindo a linha nua e crua da seleção natural, somos todos descendentes de roncadores instintivos. Pois apenas os roncadores sobreviviam às noites de sono.

O ronco é o ruído que a respiração produz ao passar pelas vias aéreas parcialmente obstruídas durante o sono. Estima-se que mais de 1/3 dos adultos ronquem pelo menos algumas noites por semana. De cada 10 roncadores crônicos, 9 são homens – a maioria com 40 anos de idade ou mais.

Apesar da teoria da tribo dos roncadores explicar porque seu marido imita um urso com cólica intestinal durante o sono, os especialistas defendem que o ronco está intimamente relacionado a distúrbios tais como obesidade, aumento das amídalas e das adenóides, e deformidades no nariz. Fumar, consumir bebidas alcoólicas em excesso, fazer alimentações pesadas antes de ir para cama, dormir de barriga para cima e sofrer de alergias nasais facilitam a ocorrência de roncos.

Você talvez não ligue para o seu ronco, mas tenha certeza que qualquer pessoa que esteja por perto tem uma opinião um pouco diferente. Em todos os casos, procurar seu médico de confiança é uma boa recomendação. O ronco pode sinalizar a presença ou o início de outros problemas mais sérios, como apnéia do sono, obstrução nasal e separações litigiosas. Além disso, o ronco pode resultar em sonolência excessiva durante o dia e aumentar o risco para hipertensão arterial, insuficiência cardíaca e derrame.

Para resolver a situação, o primeiro passo é cortar os fatores de risco. Elimine o excesso de peso; evite refeições pesadas, bebidas alcoólicas ou cafeína no horário de dormir (o ideal é manter o jejum nas duas horas anteriores ao seu horário habitual de ir para a cama); mude a posição em que você dorme (p.ex.: levante um pouco a cabeceira da cama, coloque um travesseiro para ficar de lado, etc), e mantenha o quarto limpo e arejado para evitar rinite e congestão nasal.

Outros recursos para controlar o ronco incluem o uso de próteses orais que evitam a queda da língua, e máscaras especiais que mantém uma pressão contínua sobre as vias aéreas, evitando a obstrução (este tratamento com máscaras de pressão, conhecido como CPAP, é eficaz e razoavelmente desconfortável).

Casos mais graves podem necessitar tratamento cirúrgico. O procedimento mais comumente realizado é uma espécie de cirurgia plástica da garganta que aumenta o diâmetro das vias aéreas e reduz a vibração. Vale lembrar que a intervenção cirúrgica não está indicada nos casos de ronco ocasional ou leve.

No final das contas, se o seu ronco estiver incomodando as pessoas da sua vizinhança e nenhuma das medidas descritas anteriormente resolver o problema, eu recomendo que você junte suas trouxas e mude para uma caverna. De preferência, longe da minha.

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Dr. Alessandro Loiola é médico, palestrante e escritor, autor de PARA ALÉM DA JUVENTUDE – GUIA PARA UMA MATURIDADE SAUDÁVEL (Ed. Leitura, 496 pág.) e VIDA E SAÚDE DA CRIANÇA (Ed. Natureza, 430 pág.). Atualmente reside e clinica em Belo Horizonte, Minas Gerais.

20 maio 2008

COMO LIDAR COM UMA CRIANÇA PIRRACENTA?

© Dr. Alessandro Loiola


Dia desses foi comemorado o Dia Mundial Sem Carro. Quando vi a propaganda, achei que todos os automóveis seriam enviados para Netuno e só voltariam ao planeta no dia seguinte. Uma maravilha. Mas, para minha decepção, não foi nada disso. Enfim, por causa das celebrações, fui zapear na Internet e descobri que existem cerca de 500 milhões de automóveis no mundo. Para cada um destes automóveis, existe um adulto responsável, devidamente treinado e habilitado para sua condução. E então veio o estalo.

Existem 1,82 bilhões de crianças no mundo. Quase 4 crianças para cada automóvel. Responda rápido: qual você acredita ser a proporção de adultos responsáveis, devidamente treinados e habilitados para conduzir estas crianças?

Não conheço escolas ou faculdades que formem pais responsáveis. Também não existem cursos rápidos sobre como criar filhos. Isto continua sendo uma experiência individual na maioria dos casos, baseada na velhíssima fórmula de tentativa e erro.

Uma das queixas mais freqüentes dos pais despreparados é que “a criança que faz pirraça demais”. Ora, no começo da infância, tudo que o bebê quer é chamar sua atenção. Para isso, ele irá falar, chorar, bater, jogar coisas no chão e perturbar todo mundo. Ele não se importa muito se está sendo agradável ou chato, desde que você olhe para ele. Isso não tem coisa alguma a ver com pirraça.

Além disso, a pirraça ou birra não deve ser confundida com desobediência. O conceito de pirraça começa no momento em que a criança sabe a diferença entre certo e errado, mas ainda não tem maturidade suficiente para se controlar e fazer a coisa certa. Esta fase começa por volta dos 2 anos de idade. Raramente, a criança pirracenta quer um confronto. Ela quer apenas atenção e descobrir seus limites.

Por outro lado, a desobediência significa que a criança faz questão de se impor firmemente contra a sua autoridade. Nestes casos, ela quer de toda forma um confronto.

Para enfrentar uma crise de pirraça com garbo e estilo, recomendo que você faça o seguinte:

- Inicialmente, mantenha um comportamento sereno. Tente ignorar a birra, falando com a criança de modo calmo e pausado, porém firme. Procure entender e explicar a situação. Se isto não funcionar, a criança deve ser castigada.

- Quando digo “castigada” não estou falando “surrada até a morte exsanguinante”. Punir a criança com tapas e beliscões pode ser uma solução rápida, mas certamente é pouco duradoura. Além disso, você estabelece um ciclo de agressões e truculências que não leva a nada. Um excelente exemplo de castigo é proibir a criança de brincar com os coleguinhas ou de assistir ao programa preferido de TV durante uma semana.

- Se a criança não ceder, ela deve ser subordinada. Novamente, isso pode ser feito sem violência. Como? Mostre-se fora de controle, faça a criança perceber que, se é para perder a cabeça, você pode ser mais perigosa que ela. Mas nunca subordine fazendo ameaças ou gritando em público: a audiência só faz a criança aumentar o teatro. No final da subordinação, aplique um castigo.

- Se a pirraça estiver relacionada a uma situação onde não existe possibilidade de negociação (p.ex.: a criança não quer tomar banho, ou se joga no chão para não atravessar a rua, etc), pegue a criança com firmeza pelos braços, sempre dizendo o que você está fazendo e porquê. Não bata nem discuta. Quando terminar de fazer o que precisava ser feito, avalie se é ainda necessário aplicar alguma forma de castigo.

- É óbvio que para tudo existe um limite. Desde a quantidade de carros em circulação até o número de crises de pirraça que uma criança pode ter em um dia. Se a criança começar a machucar a si própria ou a outras, tiver mais de 5 crises de pirraça por dia, ou se as birras estiverem associadas a outros problemas de comportamento (p.ex.: dificuldade para se expressar, para fazer amigos, para aprender na escola, etc), é recomendável visitar o médico para uma avaliação mais específica.

E lembre-se sempre: a obediência da criança depende da sua capacidade de mostrar autoridade com inteligência. Ouça e converse com seu filho. Explique o que você acredita que ele fez de errado, escute os motivos dele e deixe-o de castigo se for preciso, mas jamais apele para surras. A violência é o argumento da ignorância. E a ignorância é o caminho mais curto para o fracasso.

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Dr. Alessandro Loiola é médico, palestrante e escritor, autor de PARA ALÉM DA JUVENTUDE – GUIA PARA UMA MATURIDADE SAUDÁVEL (Ed. Leitura, 496 pág.) e VIDA E SAÚDE DA CRIANÇA (Ed. Natureza, 430 pág.). Atualmente reside e clinica em Belo Horizonte, Minas Gerais.

19 maio 2008

ATLETISMO SEXUAL

© Dr. Alessandro Loiola


A atividade sexual é um dos muitos parâmetros utilizados para aferir o nível global de saúde de um adulto. Em teoria - e respeitados os devidos limites de carga, velocidade e decibéis do seu bairro -, quanto maior a quantidade e a qualidade do sexo que você pratica, mais saudável você está. Entenda isto como uma conseqüência fisiológica das coisas: o objetivo de sua programação genética é que você procrie, principalmente se estiver com saúde. E para tanto você deve se envolver em relações sexuais.

A importância da atividade sexual em nossas vidas é inquestionável (não estaríamos aqui se não fosse por ela), tornando o tema um verdadeiro campeão de bilheterias do lado de cá da Via Láctea. Por isso, não me surpreendi quando, recentemente, recebi um e-mail com algumas dúvidas sobre o assunto. A mais curiosa era a seguinte: será que o sexo pode lhe ajudar a ficar em forma? Em outras palavras: a atividade sexual, como forma de esporte, pode ser útil para queimar calorias? Afinal de contas, nada como otimizar seu tempo unindo o útil ao agradável...

Pensei em simplesmente apagar a bendita mensagem, mas a mesma curiosidade que matou o gato terminou me obrigando a comprar um bilhete da Helman’s Airlines – aquela em que você viaja na maionese -, e fui pesquisar durante alguns dias. Antes que você fique imaginando coisas impróprias para o horário (pesquisar? Como assim, “pesquisar”?), vamos aos resultados.

Dez minutos de relação sexual consomem cerca de 45 calorias, quase a mesma quantidade de energia que você gasta para ficar de pé, dormir, estudar ou falar ao telefone por meia hora. Mas os especialistas afirmam que o prazer destas atividades pode não ser tão intenso, justificando tranqüilamente sua escolha pela primeira alternativa.

Se extrapolarmos a contabilidade para a fase de aquecimento dos motores, e considerarmos que seus 10 minutos de sexo foram precedidos por 10 minutos de preliminares, o gasto mal atinge 70 calorias – menos do que o necessário para arrumar os móveis da sala.

Fazer compras, buscar as crianças na escola, preparar a janta e colocá-las para dormir é uma rotina capaz de consumir mais de 200 calorias. Em valores totais, seria algo como manter 5 relações sexuais completas no intervalo de poucas horas. Não surpreende que ao final do dia você sinta toda aquela fadiga – e nem pense em culpar o trânsito!

Deixando de lado a vida doméstica e partindo para a academia, para uma pessoa média atingir um estágio “sarado” será necessária pelo menos uma hora de malhação, 4 vezes por semana, durante 1 ano. Isso significa um investimento de 70.000 calorias, o equivalente a 1.600 relações sexuais ou cerca de 260 horas de sexo ininterrupto. Fique à vontade para tentar e relatar aos amigos sua experiência. Ah, sim: e não se esqueça de comunicar o feito inédito ao Guinness.

Equacionadas as variáveis pertinentes, ficou fácil perceber que o Atletismo Sexual não deveria sequer constar na lista das 100 melhores práticas desportivas de todos os tempos, pelo menos não do ponto de vista de gasto energético ou de condicionamento cardiopulmonar.

A explicação para o resultado desta pesquisa é bem simples: quando lidamos com Sexo, não estamos falando de controle da obesidade, queima de calorias ou reengenharia de músculos, mas da celebração máxima da cumplicidade afetuosa entre dois seres humanos. Isso, sim, é o que verdadeiramente importa. O resto não passa de conversa calórica para boi dormir.

13 maio 2008

COMO DEIXAR A CASA LIMPA

© Dr. Alessandro Loiola


Apesar da raça humana estar fazendo um excelente trabalho no quesito “poluição ao nível do auto-extermínio”, ainda nos resta esperança. Estudos recentes apontam para o surgimento de uma ramificação do Homo sapiens, o Homo limpadorus compulsivum, que poderá significar a salvação do planeta.

As pesquisas mostram outro fato alarmante: toda família terrestre já possui pelo menos um (ou uma) representante desta subespécie entre os seus. O que caracteriza este nosso primo mais evoluído é o desejo irrefreável de ver não apenas as coisas limpas, mas ver as coisas limpas por ele mesmo.

Para detectar o Homo Limpadorus compulsivum é muito simples: em uma dessas tardes insossas no final de semana, logo depois do almoço, dirija-se para a cozinha dizendo que está na hora da limpeza. Imediatamente, o Limpadorus irá estacionar na porta, puxando conversa como quem não quer nada e então, com um movimento insuspeito, irá surrupiar um pano de prato na gaveta da esquerda e começará a passá-lo com requintes de detalhes naquilo que você jurava ter acabado de limpar.

- Nossa, olha só – mostrando o pano tão limpo quanto antes -, ninguém merece! Faz o seguinte, vai lá ver televisão com o pessoal que eu termino aqui.

Você pode até aproveitar a deixa para esticar as pernas. Contudo, assim que ouvir algo como “o que essa casa está precisando é de uma boa faxina!”, recomendo que assuma rapidamente o controle, tome o pano de prato do Homo Limpadorus e peça alguns sedativos hipnóticos na farmácia mais próxima. Ou coloque-o para assistir um programa de auditório. O efeito é idêntico.

Manter uma boa higiene é imprescindível para sua saúde, mas o mutante tende a transformar isso em uma cruzada épica contra a própria existência das bactérias. Infelizmente, cerca de 60% das partículas de poeira em suspensão na sua casa são compostas por fragmentos de pele morta. O restante são fungos, ácaros e demais extraterrestres minúsculos. Você irá respirar isso umas 10 milhões de vezes por ano, por mais que as paredes sejam alvejadas. Não há escapatória.

Todo Limpadorus que se preza também preocupa de modo exagerado com a preparação dos alimentos. Eles adoram deixar as alfaces afogadas a noite inteira em um caldo antibacteriano de composição alquimista. Pobre coitado... para cada ser humano neste planeta existem 200 milhões de insetos. Ao longo de nossas vidas, engolimos mais de 70 deles durante o sono. Além disso, anualmente, centenas de pessoas morrem engasgadas com partes de canetas esferográficas. Conclusão: o perigo pode estar onde você menos espera. É melhor ficar mais atento.

Se você quiser ajudar seu ilustre representante de Homo Limpadorus compulsivum, passe à frente estas informações realmente úteis para a limpeza do lar doce lar:

- O chão da cozinha é considerado a área mais suja da casa. Os restos microscópicos de comida embutidos ali são o ambiente ideal para proliferação de vírus, fungos e bactérias. O chão deve ser varrido diariamente e lavado com produtos químicos específicos duas ou quatro vezes por semana.

- A pia da cozinha também deve ser lavada diariamente com detergentes fortes. Ao final do dia, é uma boa idéia enxaguá-la com uma panela de água aquecida. Mantenha as crianças longe neste momento.

- Por falar em pia: pelo menos duas vezes por semana, faça o mesmo com a pia do banheiro. Para facilitar, utilize um pouco de água sanitária no lugar da água aquecida. Logo você irá perceber que alguns detalhes da pia são difíceis de alcançar. Não esquente a cabeça: espere pela próxima crise no casamento e utilize a escova de dente do seu cônjuge para limpar estas reentrâncias. Depois guarde a escova de volta.

- A bucha que você utilizou para lavar os pratos e talheres antes da refeição contém mais micróbios nocivos que o assento do seu vaso sanitário. Tudo bem, pode vomitar o almoço agora. A parte boa da notícia é que a bucha pode ser esterilizada no microondas: bastam 30 segundos (quando seca) ou 60 segundos (quando molhada), em potência máxima, para eliminar todas as bactérias.

- E uma última dica: todo mundo adora a sensação de limpeza de um bom banho, mas há quanto tempo você não dá uma geral no próprio chuveiro? Assim que retornar ao banheiro, veja se não tem uma samambaia carnívora crescendo lá de dentro. Se for seguro, limpe o chuveiro antes que ele fagocite alguém da família.

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Dr. Alessandro Loiola é médico, palestrante e escritor, autor de PARA ALÉM DA JUVENTUDE – GUIA PARA UMA MATURIDADE SAUDÁVEL (Ed. Leitura, 496 pág.) e VIDA E SAÚDE DA CRIANÇA (Ed. Natureza, 430 pág.). Atualmente reside e clinica em Belo Horizonte, Minas Gerais.

05 maio 2008

PALESTRANDO EM RITMO DE AVENTURA

© Dr. Alessandro Loiola


A ida até Uberlândia foi uma tranqüilidade. Uma pena não ter conseguido tempo hábil para uma parada no meio do caminho e visitar Araxá, mas não se tratava de um passeio. Era uma viagem estilo caixeiro viajante para tratar de negócios. Mais precisamente, palestras. Depois de uma merecida noite de descanso na bela cidade do triângulo mineiro, partimos para o destino final: Caldas Novas.

Com cerca de 60.000 habitantes, este pequeno município goiano é considerado o maior sítio de fontes hidrotermais do planeta. Conhecia Caldas Novas de anos passados. Não vou dizer exatamente quando ou você irá me achar Jurássico. Basta falar que, na primeira vez em que estive em Caldas, as águas quentes ainda estavam mornando.

O motivo da viagem foi uma participação no 4º Encontro Nacional Dedo de Prosa da Melhor Idade, a convite do grande amigo Juarez Eliziário. O encontro foi excepcional. Centenas de pessoas simpáticas, esbanjando após os 60 anos uma vitalidade que não se vê em muitos meninos de 20 ou 30. Oficinas, bailes, lançamento do livro Para Além da Juventude e, entre outros eventos, uma palestra muito divertida sobre a aventura de envelhecer com saúde ministrada por um médico de Beozonte. Um rapaz de óculos, meio careca e muito simpático que escreve uma coluna aos domingos no Jornal Estado de Minas... o nome me fugiu agora, mas você deve saber quem é.

Ótimas pessoas, ótima estrutura, ótimos temas. Um abraço enorme à ajuda inestimável de Juarez, Rita, Adelson, Polyana & Poliana e todos os envolvidos na organização do Encontro. Espero comparecer novamente, no próximo ano.

Terminado o evento, saímos de Caldas Novas de volta à Uberlândia e então Belo Horizonte para, no mesmo dia, pegar um vôo para Governador Valadares e de lá, seguir por estrada até Teófilo Otoni. Praticamente o estado de Minas de ponta a ponta em um dia.

Não conhecia Governador Valadares e vou lhe contar uma coisa: é quente. Muito quente. Quase tanto quanto as águas de Caldas Novas. Mas ainda assim menos quente que Teófilo Otoni, onde estive para mais duas palestras, desta vez sobre Doenças Emergentes no Século XXI.

Durante a apresentação na capital das pedras preciosas, apenas uma coisa era mais abrasadora que o sol na calçada do lado de fora: a recepção teofilotonense no auditório do SESC-MG, com direito a presença do Secretário de Saúde Walter da Silva Gonçalves, da Diretora Luciene, do Frederico, do locutor Alan, grupos da Terceira Idade e acadêmicos de várias faculdades próximas. Foi uma apresentação recompensadora e um bate-papo interessante.

Na volta para casa, após dias de muita estrada e muita gente boa, restaram excelentes lembranças e a satisfação da troca de conhecimentos. Alguns podem afirmar que conversar com um auditório em Caldas Novas e outro em Teófilo Otoni não é suficiente para mudar o Mundo. Concordo e também tenho certeza absoluta disso. Todavia, o sentimento de dever cumprido pode ser compreendido através da história da Menina e as Estrelas do Mar:

Em uma distante cidade litorânea, após uma violenta tempestade, milhares e milhares de pequenas estrelas do mar foram jogadas pelas fortes correntezas, abandonadas à própria sorte para morrerem na praia. Curiosas, as pessoas da cidade foram até o local para presenciar o estranho fenômeno.

Um casal que caminhava de mãos dadas admirando a paisagem inusitada, deteve-se diante de uma menina que parecia não prestar atenção a mais nada, exceto ao que estava fazendo: cuidadosamente, ela pegava uma estrela e a devolvia às águas do mar. Certificava-se de que ela estava bem posicionada em seu habitat, acenava tchau, pegava outra estrela e repetia tudo de novo e de novo.

O casal trocou um entreolhar rápido e disse para a menina com ar condescendente:
- O que você está fazendo?
- Devolvendo as estrelinhas para casa, ora essa.
- Mas olhe à sua volta. Deve ter mais de um milhão de estrelas espalhadas pela areia!
- Eu sei.
- E você acha que jogar uma ou outra de volta ao mar irá fazer alguma diferença?
A menina abaixou-se, devolvendo mais uma estrela e dizendo:
- Para esta, faz.... – pegando a seguinte, disse: – e para esta faz... e para esta aqui também...

Após todas as andanças, a verdadeira recompensa vem do fato de ter encontrado em Caldas Novas e Teófilo Otoni centenas de pequenas estrelas. Com alguma sorte, posso ter feito alguma diferença na vida de algumas delas. E isto basta. Por enquanto.
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Dr. Alessandro Loiola é médico, palestrante e escritor, autor de PARA ALÉM DA JUVENTUDE – GUIA PARA UMA MATURIDADE SAUDÁVEL (Ed. Leitura, 496 pág.) e VIDA E SAÚDE DA CRIANÇA (Ed. Natureza, 430 pág.). Atualmente reside e clinica em Belo Horizonte, Minas Gerais.