10 outubro 2017

MEDICINA ALTERNATIVA NÃO EXISTE


Sou obrigado a confessar: tenho restrições profundas quanto ao termo “medicina alternativa”.

Primeiro, porque Medicina é uma ciência. Pode não ser um primor de exatidão, mas, como toda ciência, busca insistentemente basear-se em evidências comprováveis e reproduzíveis. Em segundo lugar, porque o vocábulo alternativo virou um sinônimo obsequioso para embuste.

A identificação e análise dos fatos reais como padrão de valor definitivo para a construção do conhecimento atende pelo nome de Método Científico - uma abordagem formalizada por Francis Bacon em seu fascinante Novo Organum, publicado há quase 400 anos. Desde então, o Método exposto por Bacon produziu uma revolução no gnosticismo sincrético, empurrando definitivamente o pensamento para além da zona de conforto dos “achismos pessoais”, das “provas testemunhais anedóticas” e do “meu jeito de ver ou fazer as coisas”.

Em 1972, Archie Cochrane, um epidemiologista escocês, elevou o Método proposto por Bacon a uma nova categoria ao publicar um dos grandes marcos na história da medicina. Em seu livro Effectiveness and Efficiency: Random Reflections on Health Services, Archie defendeu o emprego de evidências estatisticamente fundamentadas como ferramenta avaliadora das condutas médicas. Com o tempo, esta prática foi sendo cada vez mais adotada e disseminada, levando à criação de centros de pesquisa de Medicina Baseada em Evidências (MBE) e de uma organização internacional chamada Cochrane Collaboration.

Por tudo isso, é uma afronta afirmar que existe algo como medicina alternativa, do mesmo modo que é enxovalhar a lógica dizer que existe algo como uma Geografia Alternativa ou uma Engenharia Alternativa ou uma Magistratura Alternativa. Medicina requer padrões de aplicabilidade assentados em comprovações sólidas. Adicionar o sobrenome “alternativo” a este descalabro sugere logo de cara: “não temos provas suficientes para isso”.

Sem evidências escrupulosas que lhe dê suporte, a argumentação a favor de um determinado artifício não se justifica apenas porque ele é alternativo. Que o chamem pelo nome devido: picaretagem, trapaça, vigarice, misticismo, religiosidade - ou um procedimento experimental, na melhor das hipóteses. Mas, em nenhum desses casos, um expediente alternativo deveria – ou poderia - ser rotulado de Medicina.

Chamar um tratamento qualquer de “medicina alternativa” lhe confere um significado que traz embutido em si todo um viés de probidade, de aplicação de métodos axiomáticos, de meta-análises e revisões sistemáticas da literatura, e de considerações éticas e morais, além da áurea de um escrutínio pormenorizado dos índices de eficácia, efetividade e segurança daquela abordagem.

Se algo considerado “medicina alternativa” possuísse evidências consistentes e honestas de sua irrefutabilidade, este algo poderia simplesmente abandonar o termo “alternativo” e passar a denominar-se Medicina. Mas, em não sendo este o caso, deveríamos ter a honradez de batizar os tratamentos alternativos pelo que eles de fato são: condutas de validade duvidosa baseadas em efeitos placebos questionáveis.

Eu sei, esperar por este nível de integridade é querer muito do mundo real e suas alucinações alternativas... Mas a ciência é uma dádiva tão maravilhosa para a humanidade! Quem sabe, um dia, nos tornemos decentes o suficiente para não distorcê-la mais com as torturas de nossas inseguranças infantis. Até lá, os bons apreciadores do Novo Organum continuarão assistindo de camarote o relativismo alternativo investindo sua carnificina visceral sobre os notáveis conceitos propostos por Chochrane, Galileu, Newton, Jenner, Fleming... e na mesma fogueira da doutrina pseudocientífica continuarão sendo arremessados qualquer um e qualquer coisa que ouse ameaçar as crenças vigentes preferidas do momento com doses terapêuticas de Razão.


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