31 agosto 2011

AUTOMEDICAÇÃO PLACEBOTERÁPICA

© Dr. Alessandro Loiola


Em uma folga durante o plantão, peguei emprestada uma revista médica de um colega. A sensação que tenho ao folhear ciência de qualidade é quase idêntica a de uma criança à solta em uma loja de brinquedos. Com a diferença de que, ao sair da revista, não tenho que pagar uma pequena fortuna por alguns pedaços de plástico pintados com tinta não-tóxica.

Pois bem. Na revista havia uma curiosa pesquisa sobre automedicação que avaliava o potencial do efeito placebo. Para quem não sabe, os estudos clínicos sobre um determinado tratamento ou remédio são feitos comparando-se 3 grupos distintos de pacientes: 1 grupo tratado com o remédio novo, 1 grupo tratado com um remédio antigo consagrado para aquele problema, e 1 grupo tratado com remédio falso, de mentirinha, a que chamam placebo. Este remédio de mentirinha pode ser uma cápsula contendo apenas excipiente, uma injeção de soro fisiológico, o que for.

O fato é que o placebo não tem propriedade terapêutica alguma. Mas os participantes do estudo nunca sabem o que estão tomando – placebo ou remédio de fato. O placebo serve para mostrar as consequências da ausência de tratamento, permitindo comparar com maior clareza os efeitos da droga nova em relação à droga antiga. Obviamente, a utilização de placebos deve obedecer a elevados critérios éticos, como não colocar a vida do sujeito em risco (isto poderia diminuir perigosamente a população de cobaias).

O dado curioso das pesquisas que avaliam a eficácia de novos remédios é que, em não raros casos, o efeito do placebo costuma ser igual ou superior ao efeito dos remédios propriamente ditos. Por exemplo: cerca de 30% das pessoas que participam de estudos sobre analgésicos relatam melhora da dor após tomar uma única e inocente pílula de açúcar...

No estudo publicado na British Medical Journal, os cientistas modificaram o conceito de placebo da seguinte maneira: os mesmos pacientes recebiam exatamente o mesmo medicamento para controlar a dor, para ser tomado à vontade. Em um dia, dizia-se ser o medicamento “A”, um potente analgésico comprado por R$0,70; no dia seguinte, dizia-se ser o medicamento “B”, um potente e novo analgésico comprado por R$7,00.

Na verdade, os dois medicamentos eram exatamente a mesma droga, sem tirar nem por. A mesma dose, a mesma caixa, todos os dias. O efeito placebo estava na ilusão de que o comprimido B custava 10 vezes mais que o comprimido A. Como na cabeça de qualquer cidadão razoavelmente sensato um tratamento 10 vezes mais caro certamente deve surtir 10 vezes mais efeito que o outro, este foi o efeito observado no estudo. O poder de sugestão respondia pela diferença na eficácia.

Tenho muitos pacientes que se deixam levar pelos números, preços, dosagens, cores, tamanhos:
- Mas é só isso aqui? Esse comprimidinho de nada vai melhorar minha memória??
- Sim, é isso aí.
- Mas doutor, sinceramente, não vai fazer efeito... eu tomo diariamente aquele outro bem maior, amarelo, da caixa branca, sabe?
- Amarelo da caixa branca... ?
- É... hum... – estala os dedos - humm... tá na ponta da língua...
- Então cospe.
- Não, não, o nome do remédio... é... bah, esqueci o nome. Mas o fato é que ele, sim, funciona de verdade. Um comprimidão deste tamanho! – e mostra com as mãos espalmadas o que provavelmente corresponderia a uma truta adulta ou uma pequena frigideira.

Como dizem as boas revistas de outro ramo, não é o tamanho da varinha que conta, mas o efeito da mágica que ela proporciona. Afinal de contas, se tamanho fosse documento, sua carteira de identidade deveria ter pelo menos 1 metro de altura e o elefante – não o leão – seria o rei da selva. O mesmo princípio parece valer para os comprimidos.

Quanto ao placebo, ele não precisa nem mesmo ser uma pílula. O placebo pode ser uma dieta especial, um exercício, uma meta, um novo relacionamento ou um modo diferente de enxergar a vida. Qualquer coisa que mexa com seu poder de auto-sugestão, influenciando o estado de ânimo em direção à cura.

Remédios para dormir, perder peso, antibióticos, analgésicos, antiinflamatórios... a consequência não está no preço, na aparência ou nas miligramas, mas no modo como aquela droga irá reagir com seu corpo.

Para ter uma idéia mais precisa de como será essa reação e não ingerir gato por lebre, é preciso ter cuidado e estudar um pouco mais além da bula que acompanha a caixa. Para sua felicidade, existe uma raça de gente biruta que adora folhear revistas científicas nas horas de folga. Esse povo parece realmente entender alguma coisa sobre remédios. Procure sempre conversar com um deles antes de tomar o seu.

2 comentários:

Louise disse...

Para minha felicidade há pessoas birutas que folheiam revistas e não precisam dizer quase nada para dizerem quase tudo. Vamos ao texto... excelente! Este misto de ciência com um toque de humor me faz refletir sempre... Se tomarmos determinado placebo e acreditarmos que ele vai fazer um efeito positivo temos uma grande chance desse efeito ser o melhor possivel. Um simples sorriso, uma capsula de açucar, um remedio conceituado... O que acreditamos e mais necessitamos no momento é o que nos proporciona maior bem estar com possibilidade de cura fisica ou psicológica! Parabéns! Sempre somando! Abraços!

Regina Couto disse...

Parabéns pelo blog Dr Alessandro.
Apesar de bastante ausente não deixo de dar uma lida nas postagens.
Esta da automedicação vai de encontro a maioria da população . Eu , já morro de medo de tomar remédios quando necessito. Sou extremamente alérgica a inúmeros componentes. Não leio bulas, deixo essa parte para minha filha. Como tenho sempre reações com os efeitos colaterais , ninguém acredita que sinto mal mesmo! Já fui internada por tomar um famoso medicamento ANALGÉSICO +DIPIRONA para cólica de vesí8cula, rins etc...
Foi uma bomba , sofri umam crise aguda de urticária gigante.
Quando o senhor tiver um tempo escreva sobre isso , fico muito constrangida pois os profissionais insistem para que eu tome um remédio que eu já tive reação, dizem que é psicológico. Passo maus bocados.
Um grande abraço
Regina Couto