11 março 2010

UM BRINDE AO DIA DEPOIS DO OUTRO

© Dr. Alessandro Loiola


Por gerações a perder de vista, os incontáveis povos que já passaram pela superfície no nosso planeta-grão-de-poeira adoravam eleger datas festivas para comemorar o que quer que fosse. Isso é uma coisa tão prevalente que me atrevo a dizer que somos o produto de milênios de seleção natural de ancestrais baladeiros e festeiras.

Por exemplo: os hindus têm um tal de Festival das Cores, para celebrar a germinação das sementes e a nova colheita que virá com a primavera. Tudo muito bonito, sincronizado com as fases da Lua, os primeiros dois dias todo mundo comportado, rezas, ladainhas, adorações, coisetal. E então, no terceiro dia… “loucura, loucura, loucura!”, como diria o Sr. Luciano “o Incrível” Huck. O festival vira festival mesmo e o bicho pega.

Um pouco pra cima da Índia, os chineses não fazem por menos. A partir da metade de setembro e até por volta da primeira semana de outubro, eles comemoram o Festival do Bolo Lunar, uma tradição com mais de 3.000 anos que celebra a derrota dos invasores mongóis. E segue-se um troca-troca sem fim de pequenos bolinhos adocicados em formato de Lua cheia. Quer dizer, eles dizem que tem formado de Lua cheia. Pra mim, é formato de bolo mesmo.

Os chineses são mestres em celebrações. Quem manda? Com 1,3 bilhões de pessoas, eles têm o próprio planeta deles por lá. Tanto é que o Ano Novo Chinês é comemorado entre 15 de janeiro e 15 de fevereiro. Ouvi falar que a tradição é soltar fogos de artifício, limpar a casa, sujar a rua com pequenos pedaços de papel vermelho e fazer muita comida, especialmente os Yau Gowk, bolinhos que simbolizam prosperidade.

Bolinhos chineses novamente. Fico imaginando o que esse povo tem com bolinhos. Deve ser algum fetiche. Sei lá.

Os muçulmanos comemoram o ano novo no meio do nosso ano. O ano novo judaico, chamado Rosh Hasanah ou a “festa das trombetas” (imagine a alegria dos vizinhos...), acontece um pouco mais tarde, em setembro. Os coreanos, mais animados, comemoram 2 anos novos: um baseado no calendário ocidental e o Seol Lal, baseado no calendário lunar chinês.

A primeira notícia que se tem de comemoração do Ano Novo no dia 1º de janeiro vem dos idos do imperador Julio Cesar, em 46 a.C, mas a data seria adotada pela cristandade apenas em 1582, com a oficialização do calendário gregoriano – que nos rege até hoje.

A celebração do Ano Novo marca um evento bastante simples e pouco altruísta: como nas demais festividades de todos os povos em todos os tempos, estamos celebrando nada mais, nada menos, que nossa própria sobrevivência.

Sobrevivemos a mais um giro, você completou mais uma volta. Ainda estamos aqui. Bata no peito, grite bem alto, levante sua taça – afinal, o ano se foi e você ficou! Agora, graças ao renascimento do calendário grudado na porta da geladeira, você poderá fazer novamente todas suas velhas promessas.

Celebrar a sobrevivência, apesar de previsível, não deixa de ser louvável. Nossos ancestrais miúdos, as amebas, vivem apenas dois dias. Uma miséria. Um glóbulo vermelho do seu sangue vive no máximo 120 dias: uma hemácia nascida no verão, provavelmente irá desaparecer antes do cair da primeira folha de outono. Pouquíssimas terão a oportunidade de conhecer o barulho de uma rolha de espumante.

Mesmo quando comparados a outros mamíferos, somos uma espécie longeva: um coelho vive apenas 10 anos. Gatos e cachorros, no máximo uns 18 anos. Gorilas e chimpanzés, cerca de duas reles décadas. Nós? Vivemos uma média de 75-80 anos. Faz sentido comemorarmos coletivamente cada um deles.

Mas eu iria além. Se estas festas de todos os dezembros marcam nossa sobrevivência ao longo do velório do ano velho e o trabalho de parto do próximo, porque não celebrar mais frequentemente a sobrevivência? Celebrar a imensa felicidade de acordar e desfrutar mais uma vez o mundo e as pessoas. Quer dizer, nem todas as pessoas, apenas algumas pessoas. Bem poucas, pra falar a verdade. Mas elas estão por aí e merecem um alô.

Será que temos essa inteligência suficiente para comemorar o cotidiano? Festejar a beleza elegante da evolução, a serenidade da sabedoria e o milagre absurdo que se esconde no simples fato de estarmos aqui, prestes a declarar o imposto de renda outra vez?

Considerando que o ano novo é a simples realização de que estamos vivos, porque não exaltar cada novo dia? Sim! Cada raiar do sol esconde um novo ano particular, uma oportunidade única para você refazer os cacos e juntar o todo. Que feliz ano novo que nada! Apesar da paganice, da receita federal e dos argentinos, desejo mesmo a você e toda sua família um Feliz Dia Depois do Outro! E outro. E outro. E outro. E sempre. Saúde!

6 comentários:

Anônimo disse...

Dr Alessandro

Sempre leio seus textos, são bastante inteligentes, porem esse em especial me chamou a atenção,pois ando um pouco atarefada e não consigo aproveitar meus dias....
obrigada mais uma vez por tudo...
abraços

Anônimo disse...

concordo plenamente doutor...a vida deve ser comemorada,ou melhor...celebrada a cada dia,pois, nem sempre, quem deseja ou recebe um feliz ano novo,estará presente no ano novo,para celebrar a vida.o dia de amanha é um sonho,e se é sonho..."por favor",nao me acorde!!!pois,so quem sonha consegue alcançar!!!bjo...bjo!!

Polly.

Anônimo disse...

Parabens, muito edificante e oportuna. Todos precisamos enaltecer a cada dia a vida e os frutos que podemos oferecer através dessa dádiva divina.

Amanhã, vai ser outro dia e será

um grande abraço

Paulo Roberto.

Unknown disse...

Nada como um dia após o outro e uma noite (bem dormida ou NÃO) no meio deles!!!!

VIVA A VIDA!

Parabéns pelo post!

Abraço fraterno da
Terapeuta LUIZA BRUNÓRO

Anônimo disse...

NA PARTE QUE ME TOCA, ASSINO EMBAIXO! A VIDA É UM ETERNO BRINDE PARA QUEM SABE SABOREA-LA COMO UM DOM DIVINO, A CADA NASCER E POR DO SOL.

Erycema.

Adriana Marcondes disse...

Adorei a parte de "cada raiar do sol esconde um novo ano particular, uma oportunidade única para você refazer os cacos e juntar o todo."
Cada dia basta a si próprio, com suas preocupações e com suas atribuições sejam elas boas ou ruins. Normalmente quando estamos em uma fase ruim ou com alguma dificuldade achamos que o dia custa a passar. Não entedemos o porquê. E quando estamos muito bem, geralmente nos esquecemos completamente de pelo menos agradecer por mais um dia, por estarmos vivos, por termos uma família (ainda que não seja a ideal), de sermos perfeitos e estarmos saudáveis, de termos emprego!(ainda que não seja o ideal...)Enfim... nos esquecemos de como é bom, comemorarmos, e brindarmos cada dia, pois ele jamais voltará em todas as nossas vidas!

Parabéns pelo texto!!

Adriana Marcondes
Farmacêutica