A escritora Gail Sheehy disse que "A vida é uma coletânea de 3 ou 4 destinos que se repetem furiosamente". Eu não iria tão longe: três ou quatro são projeções bem otimistas. Penso que cumprimos um único mesmo destino delicadamente arado na superfície deste planeta.
Veja: todos começamos pela infância, uma primavera de sonhos germinativos da qual trazemos umas lembranças poucas, turvas, embaralhadas, cheias de barro, água e ventos.
As estações se passam e desabrochamos para a invenção da adolescência, uma tempestade de xilemas onde entendemos que nossas folhas se estendem para além daquelas dos nossos pais. Começamos então a arrancar as raízes todas, excisando as certezas plantadas em nós, e brotamos nossas próprias verdades - que são verdes e frágeis, mas enfim são nossas (ou pelo menos assim nos enganamos).
Terminada a adolescência, agora distantes das sombras dos galhos da família, adubando os dias com experiências e habilidades, eclodimos dos 20 aos 30 anos para virarmos mudas de fato.
Aos 30 anos começa o período onde fazemos questão que a plantação em que nos transformamos produza dinheiro, muito dinheiro. As décadas mudam, as doenças seguem quase as mesmas, eu sei. Queremos, queremos bastante, queremos mais.
Entre os 40 e os 50, uma tempestade de granizo grisalho nos atinge e decidimos mudar o terreno. Conhecemos o mercado das plantas, aprendemos a reconhecer as ervas daninhas e somos capazes de ensacar nossos grãos, mas alguma coisa ainda parece incompleta. Então aplainamos todos aqueles alqueires com o trator dos questionamentos "maduros" e, achando que estamos fazendo alguma coisa diferente, começamos o mesmo processo de novo.
Por volta da curva dos 60, milionários pelos nossos frutos ou não, contemplamos o conhecimento de agronomia de vida acumulado e sentimos uma urgência em passá-lo adiante. Quiçá, com aquela bagagem, os mais novos sejam capazes de melhorar suas chances... Mas os mais novos estão cegos e surdos em seu frenesi vegetal de arrancar raízes e colher fortunas.
Adentrando nos hectares altivos dos 70, os mais tolos se perdem na ilusão obsessiva do legado ou na crítica imbecil do arrependimento. Aqueles abençoados por alguma saúde lúcida, simplesmente dão de ombros e vão viver suas vidas. As décadas de colheitas finalmente lhes ensinaram que não somos plantas. Nem animais. Somos alguma outra coisa que talvez valha à pena descobrir.
Finalmente, em algum lugar para além dos 80, o círculo derradeiro do mundo nos alcança com um sonho no qual levamos umas lembranças poucas, turvas, embaralhadas. Confusos ou não, prontos ou não, com ou sem nossa permissão, o outono vem e nos transmuta novamente em barro, água e ventos infinitos.
Um comentário:
Lindo texto Alessandro.
Retrada muito bem cada etapa de nossas vidas.
Amei!
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