07 abril 2016

Qual o melhor amigo do homem?

© Alessandro Loiola


Quando criança, na sala de casa, meus pais construíram uma muralha em forma de estante e espalharam pelas prateleiras um universo eclético de páginas que se estendiam desde a Enciclopédia Barsa à Delta Universal, passando por atlas, mapas, coletâneas de contos, poesias de Olavo Bilac e Cecília Meirelles, romances de Hemingway, novelas de Morris West e Sidney Sheldon, crônicas de Fernando Sabino e Luis Fernando Veríssimo e um muito velho volume de autênticas lendas indígenas brasileiras.

Devorei cada um daqueles livros antes da adolescência - sim, inclusive as enciclopédias. E feito um hobby sádico da infância, sentados à mesa para o almoço, desafiava meu pai com o conhecimento recém-adquirido:

- Pai, você sabe o que significa o "DC" em Washington DC?
- Hum. - ele respondia, o olhar de lado dizendo "lá vem...".
- Distrito de Columbia.
No outro dia:
- Pai, você sabe qual mamífero põe ovos?
- Não tenho notícia de que mamíferos ponham ovos...
- Os ornitorrincos põem.
- Hum. - ele respondia, o olhar de lado dizendo "mais uma...".
E no dia seguinte:
- Pai.
- Fala, Sandro.
- É verdade que TODOS os rios correm para o mar?
- Eu achava que sim, mas pelo visto você tem alguma novidade aí.
- Os rios temporários no outback da Austrália não correm para o mar. Eles vão de lugar algum a lugar nenhum.
- Hum, sei... Come, Sandro.
 
Eram bons almoços e tenho saudades de todos eles. Dia após dia, depois da refeição, do cochilo e das tarefas da escola, se estivesse chovendo ou se nenhum colega me chamasse para jogar bola ou perambular de bicicleta ou travar batalhas de estilingue e mamona, eu me deixava perder de novo nas galáxias da estante.
 
Gosto de ler desde que me lembro de ter aprendido a ler, e os sintomas dessa doença apenas se acentuaram com os anos. Quando pergunto a alguém "Qual seu livro preferido?" ou "O que você anda lendo?" e recebo de resposta algo como "Não sou muito de ler...", não posso deixar de sentir uma certa compaixão por aquela pobre alma.
 
Neste mundo de pequenas pessoas aterrorizadas, guardadas nas miudezas de suas camas convencionais, tão cheias de planos quanto seus planos são vazios de si, só enxergo esta única saída da mediocridade absoluta: a leitura. Pois se a vida é uma mochila, os livros são sua estrada, e ler é viajar em passos rápidos, tão rápidos que cedo chegará o ponto em que nenhuma pessoa ao seu lado, além dos deuses, saberá o que há mais a frente.
 
Felizmente, dependendo do que você anda folheando, quando este momento chegar você poderá contar-lhes um pouco sobre tudo que leu ao longo da jornada. E, nessa hora, até os deuses irão pausar seus ofícios para ouvir o que você tem a dizer.

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