© Alessandro Loiola
No filme O Sexto Sentido, o pequeno Haley Joel Osment conversava com pessoas mortas. Simpatizo com seu fardo: eu leio pessoas mortas, o tempo todo, o que dá quase no mesmo. Pessoas mortas escrevem como ninguém.
Leia Nelson Gonçalves, por exemplo. Ele poderia bem ser um Charles Bukowski sem a bebida em um dia bom. Ou quase um Voltaire sem a peruca e com liberdade para usar seus palavrões como quisesse. Ou um Carl Sagan, descontando os conhecimentos de astrofísica porém com o mesmo olhar aguçado sobre as coisas. Ou um Hemingway com mais adjetivos e menos depressão.
O fato é que essas pessoas mortas oferecem aquilo que escritores e jornalistas vivos têm se recusado a produzir: opiniões que pensam. Os pouquíssimos desse quilate que existem, concorde eu com eles ou não, merecem aplausos, muitos aplausos.
Mais que dinheiro, mais que fama, mais que selfies de músculos definidos, ter uma Opinião Inteligente nos dias de hoje é a sofisticação máxima. Prosperidade e corpos vêm e vão; Ideias embasadas só vêm. Elas têm mais massa e resistência que qualquer série de crossfit. Não precisam de ibope: a Verdade é o patrocínio que as mantém. Necessitam nada além disso que as sustente. Mas peneirar opiniões assim tem se tornado uma tarefa mais árdua a cada dia.
Abro as manchetes do UOL, da Folha, do Estadão, do Terra, do Yahoo, e tudo que vem à tela são votações do BBB, tabelas de pontos do campeonato brasileiro, informações inúteis de saúde (que sempre falam de doenças, nunca de saúde) e intrigas bestas de novelas, economia e política. Nenhuma opinião capaz de provocar as sinapses, nenhuma crítica apontando caminhos lúcidos, nenhuma manifestação da verdade. Só tolices.
E alguém ainda me diz que nossa sociedade está evoluindo, maturando. Devo ser um burro mesmo. Entendo nada de progresso tecnológico e maturidade. E quero menos ainda ter qualquer coisa a ver com esse desenvolvimento vívido da desinteligência. Vou continuar com os mortos. Eles sabem o que dizem.
Um comentário:
Ler os mortos significa ler livros, não exatamente periódicos. Quando um desses mortos consegue fazer uma antologia de seus próprios artigos que escreve numa coluna de jornal, costuma separar o que tem de mais valor, que ultrapassa os fatos corriqueiros, atendo-se a princípios e conceitos de nossa época, para ficar para a posteridade. Fatos corriqueiros não podem ser confundidos com nortes. Muitos livros de renome começaram com pequenas colunas despretensiosas de jornal ou hebdomadários, como por exemplo grandes romances brasileiros, como Iracema, de José de Alencar, que começou com uma pequena novela em coluna de jornal e depois ganhou corpo. Isaac Asimov tinha sua coluna de ficção científica e desta surgiram a trilogia de Fundação e Eu, Robo. Até há uns vinte ou trinta anos atrás, era difícil se divulgar alguma coisa. Hoje a internet faz todos ficarem famosos. Mas concordo que há muito joio pra ser tirado deste trigo. Vale do nível de interesse e claro, cultural de quem procura. Afinal, não existem coisas interessantes, mas pessoas interessadas...
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