11 fevereiro 2016

Brincadeira de criança


© Dr. Alessandro Loiola, 2016


Nunca concordei com o termo "inocência da infância". Não acho as crianças inocentes. Muito pelo contrário: vejo-as lúcidas. De uma lucidez como nunca mais teremos na vida.

Uma criança é capaz de convidar os colegas para irem assistir a um DVD em sua casa, fazer a mãe preparar duas tigelas de pipocas, desarrumar os móveis da sala para que os 21 pequenos gremlins caibam na frente da tela da TV e então, poucos minutos depois de iniciada a película, todo mundo se levanta e vai jogar queimada no playground.

Déficit de atenção e hiperatividade? Nada disso. Lucidez. Da porta do corredor, a mãe conversa com filho que já se prepara para descer as escadas acompanhando o restante da manada:

– Vocês não vão terminar de ver o filme?

– Ah, mãe, a gente tava vendo, mas agora o pessoal que ir brincar de bola.

– Mas vocês nem viram tudo…

– Depois a gente vê. O filme vai estar aqui em casa mesmo. Tchau!

Soberba, magnífica, puríssima lucidez. Viva com intensidade cada momento. Amarre todo seu coração no sentimento de estar aprendendo e fazendo, e não na ganância tola de preservar o que acha que venceu ou conquistou. Você não conquistou coisa alguma. Alexandre Magno conquistou o Egito e Pizzarro derrotou os Incas. Não os vejo por aí há algumas semanas… Nós vamos pelo mesmo caminho.


"Quero-não-quero"

Acima de tudo, jamais questione a lucidez das crianças. É através dessa montanha russa de "quero-não-quero" que elas desenvolverão habilidades motoras, senso de liderança e capacidade de solução de problemas em situações de crise, enquanto se divertem muito, de um modo como você não sabe mais fazer.

Quando éramos criança, aprender era magnífico. Um bebê é capaz de se entreter por horas com meia dúzia de brinquedos simples de plástico. A textura, as cores, as formas. Tocar os objetos, lamber a tinta tóxica, procurar pequenas peças que possam ser arrancadas com aqueles dentinhos e ameaçar engolir tudo, para desespero da tia que acabou de dar o presente de aniversário.

Diversão

Em que ponto nos esquecemos da alegria de aprender com as dificuldades desse mundo e nos tornamos esse bando de adultos cegos e chatos?

Com as brincadeiras, as crianças expandem a compreensão de si mesmas, dos outros e do mundo ao seu redor. Por volta dos 6 meses de idade, elas já desenvolveram um método particular de "tentativa e erro", e utilizam este mecanismo para avaliar o ambiente e, em alguns casos, nossa tênue paciência.

À medida que adquire novas capacidades motoras, são criados esquemas mais complexos. Aos 9 meses de idade, a criança gosta de empurrar uma bola ou outro brinquedo para vê-lo deslocar-se, e então se diverte engantinhando atrás dele. Mais ou menos como você faz com sua saúde, empurrando-a para longe para abrir mais espaço para o dinheiro, e então engatinhando sobre o dinheiro para ver se alcança a saúde de volta.

Consciência

É apenas a partir dos 2 anos de idade que a criança começa a tomar consciência das funções dos objetos no seu mundo social. Ela é capaz de compreender que abridores de garrafas não são chupetas, e que o telefone serve para falar com outras pessoas.

Com 5 anos, as idéias sobre o mundo social, o mundo da "gente grande", começam a invadir a brincadeira de faz-de-conta, que se torna mais complexo, cheio de elementos organizados e regras. A flexibilidade das brincadeiras se torna um meio para atender às necessidades intelectuais e sociais do grupo. Por exemplo: escolher um dos times para jogar ajuda a reafirmar laços de amizades, e ter rapidez de raciocínio pode ser útil para manipular as regras e tornar a brincadeira mais divertida para o seu lado.

E as brincadeiras de criança podem ser ainda mais construtivas se você for capaz de ajudá-las por meio de três princípios básicos:

1) Valorize o divertimento da mesma maneira que você valorizaria um trabalho bem feito. As brincadeiras, assim como a escola (ou algumas vezes mais que a própria escola), prepararão seu filho ou filha para os verdadeiros desafios do futuro.

2) Crie uma atmosfera favorável em casa. Coloque brinquedos e livros educativos sempre ao alcance da criança, mas deixe também um graveto para o moleque atazanar o formigueiro antes do horário de almoço. E intervenha para garantir a segurança da brincadeira: conflitos entre faixas etárias podem resultar em brigas desiguais, e a simples presença atenta de um adulto pode ser suficiente para coibir comportamentos mais violentos.

3) Finalmente, envolva-se nas brincadeiras de seus filhos sempre que conseguir. Jogue bola, frisbee, peão, pique-esconde, tome chá de mentirinha, pule corda, role pelo chão e ria, ria muito. Sua infância pode ter ficado a décadas de distância, mas a criança dentro de você irá viver até o último segundo.

Aproveite!


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