10 janeiro 2018

MORALIDADE E (in)JUSTIÇA

Kant defendia que as Verdades substantivas poderiam ser encontradas apenas no reino dos abstratos universais, e não no reino da realidade ou do particular. O agente moral se torna moral apenas na medida em que seus motivos estão desvinculados de toda contingência: o imperativo categórico – a mola mestra da moral e da filosofia legal de Kant – deve ser formulado em sintonia ao Realismo Moral e às Verdades substantivas.

Por outro lado, na visão Aristotélica e Tomista, a Verdade substantiva deve ser encontrada no mundo real, não em algum reino abstrato desconhecido. Enquanto, para Kant, o julgamento moral consiste em decidir como funcionar dentro de regras abstratas e universais, a tradição Aristotélica diz que o mundo real constitui a matriz sobre a qual devemos julgar o valor de nossos atos.

Para Aristóteles e São Tomás de Aquino, o que é certo é certo, e a Lei representa a distribuição proporcional do que é certo. A Justiça, como instrumentalização da Lei, não é ideal, mas é real e baseia-se em uma noção transcendetal de equidade. Contudo, uma vez que um direito é a defesa do que é considerado individualmente certo, é evidente que os direitos humanos irão colidir entre si – e, em conjunto, atropelarão nossas percepções de Lei e Justiça.

Na prática, isso significa que é quase uma insensatez tentar definir uma carta de direitos humanos universais. Ninguém discorda que genocídio e estupro sejam errados. A questão é determinar se certos atos individuais podem ou devem ser colocados em categorias especiais – e o que fazer a respeito disso. Por este motivo, a Lei será sempre política: ainda que afirme levitar dentro do Realismo Moral universal, a Lei estará sempre tentando regular a sociedade para o melhor funcionamento possível – e não da maneira mais ética possível.

Uma excelente demonstração disso pode ser vista no sistema carcerário brasileiro: o Brasil possui 1478 estabelecimentos penais públicos de diversos tipos que contabilizavam, em 2016, 726.712 presos – uma média de 491 presos por estabelecimento.

Segundo relatórios do Mapa da Violência, do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias e do Ministério da Justiça, temos cerca de 61 mil mortes violentas por ano. Vamos descontar o fato de que apenas 6% dos assassinatos são investigados e resultam em identificação do criminoso. Vamos supor que vivemos em um país onde 100% dos crimes são solucionados e que a imensa maioria dos assassinatos não foi cometida por assassinos seriais ou recorrentes: considere que existe 1 assassino para cada assassinato ocorrido. Isso significa que, anualmente, a lista de assassinos aguardando condenação é acrescida de 61 mil indivíduos. Agora faça uma matemática simples:

Se cada estabelecimento penitenciário abriga em média 500 criminosos, e temos uma superlotação nas vagas já disponibilizadas, quantos novos presídios precisaríamos construir a cada ano para abrigar apenas os assassinos condenados? Simples: 122. Cento e vinte e dois presídios novos a cada ano.

Segundo cálculos elaborados pela 1ª Vara das Execuções Criminais de São Paulo, a criação (construção) de uma vaga gira em torno de R$40 mil e o gasto médio por preso é de R$ 750/mês. Para produzir 61 mil novas vagas por ano, o Estado brasileiro precisaria investir anualmente R$2,5 bilhões na construção de novos estabelecimentos penais e mais R$550 milhões por ano para manter os condenados por lá. Três bilhões de reais por ano, todos os anos, apenas para retirar assassinos de circulação - e ainda nem falamos de sequestradores, estelionatários, ladrões, corruptos e afins.

É óbvio que esta montanha de dinheiro não é aplicada neste sentido. A polícia não funciona e a justiça penal é lenta porque é assim que o Estado precisa que elas sejam: se ambas fossem eficientes, a (pouca) credibilidade gestora (que ainda resta) do Estado iria pelo ralo com a extensão das filas de camburões nas portas dos presídios ganhando em muito das filas de caminhões com grãos aguardando embarque em nossos portos a cada safra.

A Moralidade política da justiça brasileira, portanto, exemplifica bem como funciona a balança entre as demandas dos cidadãos e a visão de preservação da ordem social promovida pelo Estado. Na impossibilidade do ideal de Justiça, vai-se dobrando a Moral quantas vezes forem necessárias até que ela caiba na pequena caixa de nossa realidade ordinária.


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