Kant
defendia que as Verdades substantivas poderiam ser encontradas apenas no reino
dos abstratos universais, e não no reino da realidade ou do particular. O
agente moral se torna moral apenas na medida em que seus motivos estão
desvinculados de toda contingência: o imperativo
categórico – a mola mestra da moral e da filosofia legal de Kant – deve ser
formulado em sintonia ao Realismo Moral e às Verdades substantivas.
Por
outro lado, na visão Aristotélica e Tomista, a Verdade substantiva deve ser
encontrada no mundo real, não em algum reino abstrato desconhecido. Enquanto,
para Kant, o julgamento moral consiste em decidir como funcionar dentro de
regras abstratas e universais, a tradição Aristotélica diz que o mundo real
constitui a matriz sobre a qual devemos julgar o valor de nossos atos.
Para
Aristóteles e São Tomás de Aquino, o que é certo é certo, e a Lei representa a
distribuição proporcional do que é certo. A Justiça, como instrumentalização da
Lei, não é ideal, mas é real e baseia-se em uma noção transcendetal de
equidade. Contudo, uma vez que um direito
é a defesa do que é considerado individualmente certo, é evidente que os direitos humanos irão colidir entre si –
e, em conjunto, atropelarão nossas percepções de Lei e Justiça.
Na
prática, isso significa que é quase uma insensatez tentar definir uma carta de direitos humanos universais. Ninguém
discorda que genocídio e estupro sejam errados. A questão é determinar se
certos atos individuais podem ou devem ser colocados em categorias especiais –
e o que fazer a respeito disso. Por este motivo, a Lei será sempre política:
ainda que afirme levitar dentro do Realismo Moral universal, a Lei estará
sempre tentando regular a sociedade para o melhor funcionamento possível – e
não da maneira mais ética possível.
Uma excelente demonstração disso pode ser vista no sistema carcerário brasileiro: o Brasil possui
1478 estabelecimentos penais públicos de diversos tipos que contabilizavam, em
2016, 726.712 presos – uma média de 491 presos por estabelecimento.
Segundo
relatórios do Mapa da Violência, do Sistema Integrado de Informações
Penitenciárias e do Ministério da Justiça, temos cerca de 61 mil mortes
violentas por ano. Vamos descontar o fato de que apenas 6% dos assassinatos são
investigados e resultam em identificação do criminoso. Vamos supor que vivemos
em um país onde 100% dos crimes são solucionados e que a imensa maioria dos
assassinatos não foi cometida por assassinos seriais ou recorrentes: considere que
existe 1 assassino para cada assassinato ocorrido. Isso significa que,
anualmente, a lista de assassinos aguardando condenação é acrescida de 61 mil
indivíduos. Agora faça uma matemática simples:
Se cada
estabelecimento penitenciário abriga em média 500 criminosos, e temos uma
superlotação nas vagas já disponibilizadas, quantos novos presídios
precisaríamos construir a cada ano para abrigar apenas os assassinos
condenados? Simples: 122. Cento e vinte e dois presídios novos a cada ano.
Segundo
cálculos elaborados pela 1ª Vara das Execuções Criminais de São Paulo, a
criação (construção) de uma vaga gira em torno de R$40 mil e o gasto médio por
preso é de R$ 750/mês. Para produzir 61 mil novas vagas por ano, o Estado
brasileiro precisaria investir anualmente R$2,5 bilhões na construção de novos
estabelecimentos penais e mais R$550 milhões por ano para manter os condenados
por lá. Três bilhões de reais por ano, todos os anos, apenas para retirar assassinos
de circulação - e ainda nem falamos de sequestradores, estelionatários, ladrões,
corruptos e afins.
É óbvio
que esta montanha de dinheiro não é aplicada neste sentido. A polícia não funciona
e a justiça penal é lenta porque é assim que o Estado precisa que elas sejam: se
ambas fossem eficientes, a (pouca) credibilidade gestora (que ainda resta) do
Estado iria pelo ralo com a extensão das filas de camburões nas portas dos
presídios ganhando em muito das filas de caminhões com grãos aguardando
embarque em nossos portos a cada safra.
A Moralidade
política da justiça brasileira, portanto, exemplifica bem como funciona a balança
entre as demandas dos cidadãos e a visão de preservação da ordem social promovida
pelo Estado. Na impossibilidade do ideal
de Justiça, vai-se dobrando a Moral quantas
vezes forem necessárias até que ela caiba na pequena caixa de nossa realidade ordinária.
Nenhum comentário:
Postar um comentário