© Alessandro Loiola
- Ei, você já embarcou? – diz a voz feminina do outro lado da ligação. Apesar do barulho no saguão e do zumbido da máquina de café expresso na minha frente, a voz é familiar.
- Não, nem entrei no avião. Tô aqui esperando um capuccino.
- Onde?
- Na lanchonete do aeroporto.
- Então espera, tô chegando aí.
E ela chegou. Linda como sempre, o nervosismo discretamente preso na coleira de um sorriso bastante honesto.
- Quanto tempo, hein?
- Pois é, menina. Anos. Passaram voando. Mais um pouco e pousavam aqui.
- Vim porque precisava te pagar uma dívida: ficamos devendo um abraço um ao outro da última vez.
- Não foi por culpa minha.
- É, eu sei. Aprendi isso com você.
- O que? Que nunca é culpa minha?
- Não, bobo. A aproveitar meus abraços quando eles aparecem. Pode demorar tempo demais até conseguir colher a próxima oportunidade. Ah, e isso nos leva ao segundo motivo de estar aqui hoje. Precisava te entregar isso também. – e retirou da bolsa uma pequena pedra branca.
- Mas o quê... ?
- É uma pedra branca, ora. Lembra? Você ficou de me contar essa história...
Pois terminamos trocando mais uma meia dúzia de duas palavras, a moça do alto-falante anunciou meu vôo, paguei a dívida do abraço e embarquei de volta para São Paulo com a pedra branca no bolso. E não contei a história. Puxa vida, esqueci e terminei não contando a história. Por isso, aqui vai o conto do Calendário e a Pedra Branca. Assim, quem sabe, pago minha dívida com ela e você ganha um mimo por tabela:
Tudo começa com as duas explicações possíveis para a origem da palavra Calendário. A primeira versão, mais oficial, afirma que nos tempos antigos os meses romanos se iniciavam em cada lua nova. No primeiro dia da lua nova, chamado dia das calendas (“calendae”), um alto representante da religião vigente informava as celebrações daquele mês. Nessa época, termo “calendarium” surgiu para designar o livro de contas onde eram marcados os dias entre uma calendas e a próxima.
A segunda explicação traz uma boa dose de mito, mas é infinitamente mais poética. Diz a lenda que os romanos possuíam o hábito de marcar o intervalo entre as calendas utilizando carreiras de pedras ou pequenos seixos. Após um determinado número de seixos, era hora de pagar os impostos e executar os ritos religiosos.
Acontece que, eventualmente, no meio daquela carreira de seixos, havia uma data especial a ser celebrada. O nascimento de um filho ou o amor e a união de um casal. Datas especiais como essas deveriam ser diferenciadas dos demais seixos que marcavam a mera sucessão de dias. Essas datas mereciam uma pedra diferente. Uma pedra branca – que, por um detalhe geológico (facilidade de acesso às jazidas na região), costumavam ser de cal.
E por isso, por volta desta mesma época, Plínio, militar e historiador romano, cunhou a célebre frase “Albo lapillo notare diem”. Traduzindo: Marcar cada dia com uma pedra branca. Cada dia. Excelente, não?
Não se deve marcar um dia ou outro com uma pedra branca, mas sim TODOS os dias. Todos os dias são especiais, valiosos e insubstituíveis de uma forma ou de outra. E se você marcar todos os dias com uma pedra branca, em breve formará uma longa sequência de pedras de CAL. Um CALendário.
A verdade por trás dessa pequena parábola é profundamente modificadora. Vivemos assombrados pelo passado e demasiadamente preocupados com planos para o futuro – e nos esquecemos de colher o dia. Não temos tempo para procurar e espalhar nossas pedras brancas pelo presente. E o presente nada mais é que isto mesmo que o nome diz: um presente. Que deve ser colhido e cuidadosamente marcado como uma lembrança especial, um dia após o outro.
Quem ou o que será sua pedra branca hoje?