11 dezembro 2007

O FUTURO VAI POR AÍ

© Dr. Alessandro Loiola


Por mais incrível que possa parecer – e recomendo que você recoste mais profundamente na poltrona antes de continuar a leitura deste parágrafo – a burocracia brasileira deu um importante passo adiante. Um passo nanométrico, mas ainda assim um passo adiante. Esta semana, entre as pequenas notícias do dia a dia, fiquei sabendo que a 13ª Conferência Nacional de Saúde decidiu incentivar as pesquisas com células-tronco embrionárias no país.

As pesquisas terão que aguardar a regulamentação da Lei de Biossegurança – que anda perdida em alguma gaveta do planalto desde 2005, quando foi aprovada pelo Congresso Nacional -, mas nem por isso a manchete deixa de ser estimulante.

As células-tronco são encontradas em todos os organismos multicelulares (até mesmo em seu cunhado) e possuem a capacidade de se transformar nos mais diversos tipos de células especializadas. Entre os mamíferos, existem 3 variedades principais: células-tronco embrionárias, células-tronco do sangue do cordão umbilical e células-tronco adultas, sendo as primeiras consideradas de melhor qualidade para pesquisa e tratamento.

As células-tronco podem estar na moda, porém representam apenas uma pequena ponta de um imenso iceberg chamado biotecnologia. Esta indústria, que movimenta algo em torno de US$30 bilhões por ano, já produz centenas de medicamentos e vacinas. Suas possibilidades parecem avançar na velocidade do pensamento.

No século XVII, o notável físico Daniel Bernoulli tinha pouco mais de 37 anos de idade quando descreveu a relação inversa entre velocidade e pressão: quanto maior a velocidade entre duas superfícies, menor a pressão entre elas. Apesar desta idéia formar a base do que faz os aviões voarem, entre os experimentos de Bernoulli e a barrinha de cereal que nos servem a 36 mil pés de altura passaram-se mais de dois séculos e meio.

Pois bem. Entre os trabalhos iniciais do cientista canadense James Edgar Till, considerado o pai das células-tronco, e o emprego destas células para rejuvenescer o músculo cardíaco de pessoas com doença de Chagas ou portadoras de seqüelas de infarto agudo do miocárdio, passaram-se menos de 50 anos. E a biotecnologia está só tomando fôlego.

Em 2004, uma empresa nos EUA iniciou o fornecimento de microchips para implantes em seres humanos. Estes dispositivos podem ser utilizados para fornecer informações valiosas sobre o histórico médico da pessoa, presença de alergias, medicamentos atualmente em uso e telefones para contato em caso de acidentes. Em breve, poderão fornecer até a localização e temperatura do corpo - para felicidade da polícia e desespero de maridos infiéis.

A biotecnologia também vem estendendo seus tentáculos no campo dos órgãos artificiais. Desde os conhecidos marcapassos, passando pelas próteses penianas e outros membros robóticos de alta performance, esfíncteres artificiais, implantes cocleares para recuperar a audição, estimuladores cerebrais para tratar epilepsias e sintomas do mal de Parkinson, e um coração capaz de manter seu receptor vivo por mais de 1 ano (tempo necessário para encontrar um doador compatível), a indústria não pára.

Uma das grandes promessas da biotecnologia – e menos conhecida pelo público em geral - atende pelo nome de “interferência de RNA”. Esta tecnologia do arco do Exu é capaz de colocar muito patuá baiano no chinelo. A interferência de RNA consiste na anulação das doenças a partir dos genes que a produzem. Um conceito relativamente simples que poderá representar o controle definitivo de processos alérgicos, tumores malignos e inúmeras outras moléstias.

O potencial da interferência de RNA é tão incrível que o prêmio Nobel de Medicina de 2006 foi entregue aos cientistas descobridores da técnica, os doutores Andrew Fire e Craig Mello. (O Nobel de Medicina de 2007 foi entregue para pesquisas envolvendo... adivinhe? Células-tronco !).

Com a decisão favorável da Conferência Nacional de Saúde, o Brasil acertou novamente o passo rumo ao desenvolvimento biotecnológico e plantou a semente para tornar-se um berço de excelência, especialmente no campo das pesquisas com células-tronco. Existem obstáculos técnicos e éticos a serem superados, sem dúvida alguma. Mas boas noticias merecem ser comentadas. E comemoradas.


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Dr. Alessandro Loiola é médico, palestrante e escritor, autor de PARA ALÉM DA JUVENTUDE – GUIA PARA UMA MATURIDADE SAUDÁVEL (Ed. Leitura) e VIDA E SAÚDE DA CRIANÇA (Ed. Natureza). Atualmente reside e clinica em Belo Horizonte, Minas Gerais.

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