14 fevereiro 2019

A VOLTA DOS QUE NUNCA FORAM



Mais um verão, mais uma “epidemia” de dengue. Curioso ainda falarem em “epidemia”...

A Dengue chegou nas Américas nos intestinos e salivas dos primeiros Aedes aegypti que aportaram no Novo Mundo trazidos do Egito, na bagagem das caravelas e do tráfico de Escravos. Graças ao ambiente favorável, os insetos rapidamente se espalharam pelo Caribe, EUA, Colômbia e Venezuela.

No Brasil, a primeira epidemia de Dengue provavelmente acompanhou o surto de febre amarela que paralisou o Rio de Janeiro no começo do século XX. Na mesma época, o ciclo do Aedes foi bem documentado em uma monografia de 400 páginas escrita pelo médico paraense Antonio Gonçalves Peryassú (1879-1962), um verdadeiro gênio (1).

Só Odin sabe quantas mortes diagnosticadas como Febre Amarela foram causadas de fato pelo vírus da Dengue. Felizmente ou infelizmente, ambas as arboviroses possuíam o mesmo vetor, e o combate ao mosquito liquidava dois coelhos com uma pedrada só.

Apavorado com a escalada das mortes e amparado pelos estudos de Peryassú, Francisco Rodrigues Alves, o 5º Presidente da República do Brasil, escalou em 1903 um jovem médico de São Luiz do Paraitinga para dar conta do recado.

Nomeado Diretor Geral da Saúde Pública, Oswaldo Cruz – então com apenas 30 anos de idade – organizou batalhões de “mata mosquitos” e avançou como um tsunami. De acordo com o médico Egídio Sales Guerra (2), em apenas 1 mês Cruz vistoriou 14.772 prédios; extinguiu 2.328 focos de larvas; limpou 2.091 calhas e telhados, 17.744 ralos e 28.200 tinas; lavou 11.550 caixas automáticas e registros, 3.370 caixas d´água e 173 sarjetas, retirando 6.559 baldes de lixo dos quintais de casas e 36 carroças de lixo dos terrenos da cidade.

A ação enérgica provocou revoltas populares coordenadas por demagogos e ignorantes (desculpe o pleonasmo...), mas produziu resultados: em 1903, a febre amarela havia totalizado 584 óbitos no Rio de Janeiro. Em 1908, o número havia sido reduzido para apenas quatro (3). Todavia, o desgaste político de Cruz foi intenso e ele abandonou a saúde pública no ano seguinte. Em 1917, faleceria precocemente aos 44 anos, vítima de complicações de uma insuficiência renal.

Os esforços de Antonio Gonçalves Peryassú e Oswaldo Cruz conduziram ao controle efetivo da epidemia de Febre Amarela e da Dengue em 1920. Em 1955, o Aedes seria considerado erradicado do território nacional, mas o relaxamento das medidas de controle sanitário promoveria seu retorno ao longo da década seguinte (1).

No começo dos anos 80, voltamos a ter pequenos episódios localizados de Dengue no Brasil. Em 1986, um novo surto se alastrou do Rio de Janeiro para o restante do país e, desde então, a doença se tornou uma “epidemia anual”, só aguardando a combinação de sol e chuvas para lembrar que nunca foi embora.

A dengue ocorre o ano inteiro, causando sofrimento e dezenas de mortes, mas apenas no verão recordamos de sua existência. Passados os meses de calor mais intenso, os casos voltam a se tornar mais raros e os cidadãos e gestores públicos convenientemente se esquecem de tudo que Peryassú e Cruz ensinaram. No ano seguinte, lembrarão apenas em parte do que estava escrito nas apostilas e chamarão seu medo de morrer por picada de mosquito de “epidemia” – como têm feito por hábito ou burrice há mais de 30 anos.

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Fontes:

1. Instituto Oswaldo Cruz. Dengue - vírus e Vetor. Acessado em http://www.ioc.fiocruz.br/dengue/textos/longatraje.html

2. Egídio Sales Guerra. Oswaldo Cruz. Casa Editora Vecchi (1940).

3. Aleidys Hernández Tasco. O Surto de Febre Amarela no Rio de Janeiro (1928-1929). Acessado em https://www.13snhct.sbhc.org.br/resources/anais/10/1345081434_ARQUIVO_SurtodefebeamarelanoRiodeJaneiro.pdf

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