02 julho 2018

A ETERNA REVOLUÇÃO BRASILEIRA

No livro Homo Deus (2015), o autor Yuval Noah Harari afirma que revoluções comumente são feitas por pequenas redes de agitadores e não pelas massas. Segundo Harari, se você quiser desencadear uma revolução, não se pergunte “Quantas pessoas apoiam minha ideia?”. A pergunta correta a fazer é: “Entre os que me apoiam, quantos são capazes de prestar uma colaboração eficaz?”.

A Revolução Romena de 1989 foi sequestrada pela autoproclamada Frente de Salvação Nacional, que era na verdade uma cortina de fumaça para a ala moderada do Partido Comunista. A Frente não tinha laços verdadeiros com as multidões em suas demonstrações. Integrada por funcionários de hierarquia média do partido, era chefiada por Ion Iliescu, ex-membro do comitê central do Partido Comunista e ex-chefe do departamento de propaganda.

Iliescu e seus camaradas na Frente de Salvação Nacional se reinventaram como políticos democratas: em todo microfone que estivesse disponível, proclamavam que eles eram os líderes da revolução, e depois usaram toda a sua experiência e sua rede de asseclas para assumir o controle do país e embolsar seus recursos.

Destino semelhante teve a Revolução Egípcia de 2011. O que a televisão fez na Romênia em 1989, o Facebook e o Twitter fizeram em 2011. As novas mídias ajudaram as massas a coordenar suas atividades, de modo que milhares de pessoas inundaram as ruas e as praças no momento certo para derrubar o regime de Hosni Mubarak. Contudo, uma coisa é levar 100 mil pessoas à praça Tahrir, e outra, muito diferente, é ter o controle da máquina política, apertar as mãos certas nos bastidores certos e tocar um país com eficácia.

Consequentemente, quando Mubarak foi deposto, os manifestantes não conseguiram preencher a lacuna. O Egito contava somente com duas instituições suficientemente organizadas para governar o país: o Exército e a Irmandade Muçulmana – que se apropriaram, sequencial e indevidamente, da revolução das massas.

O fim da Ditadura Militar no Brasil seguiu um roteiro parecido: não podemos creditar exclusivamente a Dante de Oliveira a proposta de restauração da eleição direta para Presidente da República, mas sua iniciativa ganhou repercussão por ter sido a primeira a não ficar restrita às paredes do Congresso Nacional, ganhando as ruas em um momento em que as manifestações pedindo a volta das eleições diretas se multiplicavam pelo país.

Receoso quanto aos acontecimentos, o presidente militar João Figueiredo exerceu uma forte pressão sobre os parlamentares do PDS (partido do governo) para que a emenda não fosse aprovada, mas o primeiro “comício oficial” pró-diretas reuniu 30 mil pessoas em Curitiba, em 12 de janeiro de 1984. No segundo evento, realizado na Praça da Sé no dia do aniversário de 430 anos da capital paulista, compareceram duzentas mil pessoas. Em abril do mesmo ano, o movimento de apoio às Diretas Já levou nada menos de 1 milhão de pessoas ao Vale do Anhangabaú.

Apesar do apoio de 84% da população, a emenda Dante de Oliveira terminou sendo rejeitada na Câmara, porém com consequências: vendo a oportunidade, a oposição articulou com parte da base governista que havia se mostrado insatisfeita com a rejeição da proposta e lançou Tancredo Neves (PMDB) como candidato às eleições indiretas. Tancredo ganhou o pleito, mas faleceu por problemas de saúde antes de tomar posse, e a Presidência da República foi assumida por seu vice, José Sarney – que fora presidente do PDS e apoiador do regime militar por 20 anos. No início de 1980, Sarney havia deixado o PDS, ingressando no PMDB. Em 2002, apoiaria a candidatura de Luís Inácio da Silva, vitorioso no pleito.

No intervalo entre o fisiológico Sarney e o socialista Lula, surgiria a figura do sociólogo Fernando Henrique Cardoso. Em 1974, a convite de Ulysses Guimarães, FHC coordenou a elaboração da plataforma eleitoral do PMDB aos moldes da imagem do Partido Democrata americano. Com um discurso de esquerda, FHC se elegeria senador pelo PMDB, assumindo seu mandato em 1983. FHC atuou como líder do governo Sarney no senado até 1988 e como Ministro de Relações Exteriores e Ministro da Fazendo durante o governo seguinte, conduzido por Itamar Franco após o impeachment de Fernando Collor.

Vale mencionar que Itamar Franco, nosso 33º Presidente da República, pertenceu ao Partido Trabalhista Brasileiro na juventude, filiando-se ao PMDB, ao Partido Liberal (PL) e ao Partido Popular Socialista (PPS) a partir da meia idade.

O PTB foi fundado em 1945 sob a inspiração de Getúlio Vargas, tendo como ideologia o castilhismo gaúcho (“cabe ao Estado comandar, regenerar, transformar e modernizar a sociedade”), o positivismo político (Gramscismo na prática), alguns traços de social-democracia, e o pensamento de Alberto Pasqualini – considerado o maior ideólogo do PTB e um defensor ferrenho do monopólio estatal na exploração de petróleo. Refundado em 1980, o PTB coligou-se a outros partidos para apoiar as candidaturas à Presidência da República de FHC (1994, 1998), Ciro Gomes (2002), José Serra (2010) e Aécio Neves (2014).

Por sua vez, o PL surgiu da fusão do Partido Geral dos Trabalhadores com o Partido Social Trabalhista em 1985, fundindo-se então ao PRONA em 2006, originando o Partido da República (PR). Segundo um balanço do Tribunal Superior Eleitoral divulgado em outubro de 2007, o PR ocupava então a sétima posição no ranking de partidos com mais parlamentares cassados por corrupção desde 2000, atrás do DEM, PMDB e PSDB, PP, PTB e PDT.

Mais recentemente, o Brasil se viu novamente convulsionando com a “Manifestação dos 20 Centavos” ou “Jornadas de Junho”, em 2013, e os protestos em defesa da Operação Lava Jato e contra o governo da presidente Dilma Rousseff, em 2015. Ambas “revoluções” levaram milhões de pessoas às ruas e a pressão que produziram culminou com o impeachment de Dilma. Com seu afastamento, assumiu o vice, Michel Temer, filiado desde 1981 ao mesmo PMDB de Sarney, Itamar e FHC.

Apesar dos nomes diferentes – Itamar, Sarney, FHC, Lula, Dilma... – e de siglas diferentes - PMDB, PSDB, PTB, PT, DEM... - as ideologias em comando sempre apresentaram um fortíssimo viés de Esquerda. Para vencer esse bloqueio cognitivo, uma parcela considerável dos brasileiros agora nutre esperanças em um deputado federal eleito em 2014 pelo Partido Progressista (PP), uma legenda que surgiu de uma costura estilo Frankenstein juntando pedações da ARENA / PDS, do PDC / PPR, e do PST, entre outras influências, e tem Paulo Maluf como liderança mais conhecida.

Talvez para fugir do estigma Maluf, Jair Bolsonaro anunciou sua filiação ao Partido Social Liberal em 2014 – o oitavo partido político de sua carreira, desde que foi eleito vereador em 1989. Além do PSL, Bolsonaro já foi filiado ao PDC (extinto), PPR (extinto), PPB (extinto), PP (descrito acima), PFL (extinto e ressuscitado como DEM), PTB (viés de esquerda, como descrito acima), e PSC. Este último, curiosamente, ostenta a denominação Social Cristão por acreditar que o cristianismo, mais do que uma religião, é um estado de espírito que “não segrega e não exclui”, mas declara-se contrário ao casamento entre pessoas do mesmo sexo...  Coisas de Pindorama.

Com enorme tristeza, não é difícil perceber nesta longa dança de letrinhas uma enorme similaridade com a novela romena e o líder comunista Iliescu, ou com a revolução Egípcia e a Irmandade Muçulmana, além de tantos outros movimentos populares que buscavam justiça, segurança, educação e prosperidade.

Quando repetimos a pergunta revolucionária de Harari: “Entre os que me apoiam, quantos são capazes de prestar uma colaboração eficaz?”, a resposta da política brasileira parece ser: “Nós, os mesmos de sempre”.

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