13 julho 2018

O QUE É PRECISO FAZER PARA O BRASIL IR PARA FRENTE?

Em A Riqueza e a Pobreza das Nações, David Landes argumenta que, embora os recursos naturais e a geografia sejam importantes para explicar por que alguns países são capazes de dar um salto para a industrialização e outros não, o fator-chave na verdade é a base cultural do país, especialmente o grau de internalização de valores como trabalho árduo, prosperidade, honestidade, paciência e tenacidade, assim como até que ponto o país está aberto à mudança, às novas tecnologias e à igualdade para as mulheres. A boa notícia é que a cultura não é apenas importante, mas pode mudar.

As culturas não fazem parte de nosso DNA: são produto do contexto de qualquer sociedade, incluindo fatores como geografia, nível de educação, liderança e experiência histórica. Quando esses fatores mudam, a cultura também pode mudar.

Em pouco mais de meio século, o Japão e a Alemanha passaram de sociedades altamente militarizadas a sociedades altamente pacifistas e democráticas. Durante a Revolução Cultural, a China parecia estar dominada por uma loucura ideológica; hoje a China é sinônimo de pragmatismo, competitividade e meritocracia. A cidade-estado árabe de Dubai usou seus petrodólares para construir o maior centro cultural, turísticos, de serviços e de computação do Golfo da Arábia. Ao mesmo tempo, tornou-se um dos lugares mais tolerantes e cosmopolitas do mundo – e os turistas nem sequer precisam de visto. Portanto, é claro que a cultura é importante, mas a cultura se assenta em contextos, não em genes.

Uma nação consegue organizar-se para este salto a partir de duas qualidades primordiais:

1) a disposição e a capacidade de unir-se e sacrificar-se em prol do desenvolvimento econômico, e

2) a presença de líderes com suficiente visão para perceber o que precisa ser feito e disposição para usar o poder na promoção das mudanças necessárias, em vez de enriquecer e preservar o status quo ou se deixar distrair pela ideologia e pelas rivalidades locais.

Todos querem desenvolvimento econômico, mas, para isso, é preciso desejar mudanças.


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*Adaptado de Thomas L. Friedman. O Mundo é Plano – uma breve história do século XXI. Ed. Objetiva (2005).


11 julho 2018

SUA MÃE E A RELIGIÃO*

Considerada a média de nossa espécie, existe apenas um indivíduo fisicamente saudável mais vulnerável que um exemplar do sexo feminino: este indivíduo é um bebê. Por isso, quando éramos bebês, o mundo inteiro representava um risco para nossa existência: escadas, tomadas elétricas, ventos frios, panelas de água quente, ruas movimentadas, andar de pés descalços, ofertas de pessoas estranhas, objetos estranhos levados à boca... bastaria uma queda de mau jeito ou um resfriado e estaríamos fritos!

Felizmente, para nos salvar de todas essas “potenciais catástrofes”, a maioria de nós contou com a presença sempre atenta de um anjo da guarda chamado de Mãe. Era dela a tarefa hercúlea de proteger a frágil cria do planeta que queria devorá-lo - ou pelo menos era assim que a Mãe enxergava o ambiente ao seu redor. Toda Mãe é assustada, apavorada e protetora. O medo está na raiz da sobrevivência humana e, quanto mais frágil o espécime, maior o medo. De um modo geral, mães com bebês novos são a dupla no topo dessa pirâmide de “terrores por acontecer”.

E de que maneira uma mãe protege seu bebê? Simples: dizendo “Não!”. E são muitos “Nãos!”. Estima-se que um bebê ouça sua mãe dizer “Não!” oito vezes mais que a ouve dizer “Sim!”: dados dos EUA calculam que um bebê terá ouvido sua mãe dizer “Não!” cerca de 40.000 vezes antes de completar 5 anos de idade, mas a maratona está longe de terminar no final dessa fase.

Qualquer que seja a estatística real, o fato é que ao longo de toda a infância vamos ouvindo: Não encoste aí, não ponha isso na boca, não toque, não corra, não suba na estante, não vá na parte funda da piscina, não mexa nisso, não chore, não ande descalço, não fique acordado até tarde, não atravesse a rua sem olhar para os lados, não converse com estranhos, não me desobedeça, não me responda, não me ignore, não solte minha mão, não suma, não faça pirraça, não seja mal educado, não entre aqui com os pés sujos desse jeito, não largue as coisas pela casa, não deixe seu quarto tão desarrumado, não saia sem colocar o casaco, não quero mais ver você andando com tal pessoa, não vê que eu só quero o seu bem?

A quantidade de negativas de uma mãe tende ao infinito, mas elas não estão de todo equivocadas: asfixias, acidentes de trânsito, aspiração de corpo estranho, afogamentos, queimaduras e homicídios figuram entre as principais causas de morte entre crianças. Dizer “Não!” pode salvar uma vida. E as mães sabem disso. Então elas dizem “Não!. Bastante.

Crescemos e ficamos com esta tradição em nossas mentes: Mães dizem “Não!”. E Mães nos amam, incondicionalmente – ou pelo menos este era o plano que a natureza tinha para a maternidade. Em geral, o plano funciona, e o amor de uma mãe é tão incontestável quando inabalável. Passamos a associar quem diz “Não!” a alguém que nos ama profundamente, que nos quer bem da maneira mais irrestrita possível, e nossa mente grava a ferro e fogo esta convicção: dizer “Não!” é uma manifestação de cuidado e afeto. Apesar de a adolescência representar um período de crise temporária nesta crença, a tatuagem mental do “Só alguém que lhe ama muito lhe diz Não!” sobrevive bem a esta fase. Nos tornamos jovens adultos e adultos maduros, e a tatuagem nos acompanha.

Por isso, as religiões AMAM tolher, coibir, obstar, opor-se. Elas buscam este imprint estigmatizado em nosso inconsciente desde a tenra infância: quanto mais impedimentos forem exigidos, tão mais aquela doutrina puxará de sua memória a impressão de alguém que lhe ama acima de todas as coisas. Um dogma religioso proibitório é nada além disso: a recuperação de ecos maternos para obter sua subserviência voluntária até mesmo – e, principalmente, inclusive - ao absurdo.

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*extraído de “Sobre a Natureza e a Crise da Moralidade”, em edição

02 julho 2018

A ETERNA REVOLUÇÃO BRASILEIRA

No livro Homo Deus (2015), o autor Yuval Noah Harari afirma que revoluções comumente são feitas por pequenas redes de agitadores e não pelas massas. Segundo Harari, se você quiser desencadear uma revolução, não se pergunte “Quantas pessoas apoiam minha ideia?”. A pergunta correta a fazer é: “Entre os que me apoiam, quantos são capazes de prestar uma colaboração eficaz?”.

A Revolução Romena de 1989 foi sequestrada pela autoproclamada Frente de Salvação Nacional, que era na verdade uma cortina de fumaça para a ala moderada do Partido Comunista. A Frente não tinha laços verdadeiros com as multidões em suas demonstrações. Integrada por funcionários de hierarquia média do partido, era chefiada por Ion Iliescu, ex-membro do comitê central do Partido Comunista e ex-chefe do departamento de propaganda.

Iliescu e seus camaradas na Frente de Salvação Nacional se reinventaram como políticos democratas: em todo microfone que estivesse disponível, proclamavam que eles eram os líderes da revolução, e depois usaram toda a sua experiência e sua rede de asseclas para assumir o controle do país e embolsar seus recursos.

Destino semelhante teve a Revolução Egípcia de 2011. O que a televisão fez na Romênia em 1989, o Facebook e o Twitter fizeram em 2011. As novas mídias ajudaram as massas a coordenar suas atividades, de modo que milhares de pessoas inundaram as ruas e as praças no momento certo para derrubar o regime de Hosni Mubarak. Contudo, uma coisa é levar 100 mil pessoas à praça Tahrir, e outra, muito diferente, é ter o controle da máquina política, apertar as mãos certas nos bastidores certos e tocar um país com eficácia.

Consequentemente, quando Mubarak foi deposto, os manifestantes não conseguiram preencher a lacuna. O Egito contava somente com duas instituições suficientemente organizadas para governar o país: o Exército e a Irmandade Muçulmana – que se apropriaram, sequencial e indevidamente, da revolução das massas.

O fim da Ditadura Militar no Brasil seguiu um roteiro parecido: não podemos creditar exclusivamente a Dante de Oliveira a proposta de restauração da eleição direta para Presidente da República, mas sua iniciativa ganhou repercussão por ter sido a primeira a não ficar restrita às paredes do Congresso Nacional, ganhando as ruas em um momento em que as manifestações pedindo a volta das eleições diretas se multiplicavam pelo país.

Receoso quanto aos acontecimentos, o presidente militar João Figueiredo exerceu uma forte pressão sobre os parlamentares do PDS (partido do governo) para que a emenda não fosse aprovada, mas o primeiro “comício oficial” pró-diretas reuniu 30 mil pessoas em Curitiba, em 12 de janeiro de 1984. No segundo evento, realizado na Praça da Sé no dia do aniversário de 430 anos da capital paulista, compareceram duzentas mil pessoas. Em abril do mesmo ano, o movimento de apoio às Diretas Já levou nada menos de 1 milhão de pessoas ao Vale do Anhangabaú.

Apesar do apoio de 84% da população, a emenda Dante de Oliveira terminou sendo rejeitada na Câmara, porém com consequências: vendo a oportunidade, a oposição articulou com parte da base governista que havia se mostrado insatisfeita com a rejeição da proposta e lançou Tancredo Neves (PMDB) como candidato às eleições indiretas. Tancredo ganhou o pleito, mas faleceu por problemas de saúde antes de tomar posse, e a Presidência da República foi assumida por seu vice, José Sarney – que fora presidente do PDS e apoiador do regime militar por 20 anos. No início de 1980, Sarney havia deixado o PDS, ingressando no PMDB. Em 2002, apoiaria a candidatura de Luís Inácio da Silva, vitorioso no pleito.

No intervalo entre o fisiológico Sarney e o socialista Lula, surgiria a figura do sociólogo Fernando Henrique Cardoso. Em 1974, a convite de Ulysses Guimarães, FHC coordenou a elaboração da plataforma eleitoral do PMDB aos moldes da imagem do Partido Democrata americano. Com um discurso de esquerda, FHC se elegeria senador pelo PMDB, assumindo seu mandato em 1983. FHC atuou como líder do governo Sarney no senado até 1988 e como Ministro de Relações Exteriores e Ministro da Fazendo durante o governo seguinte, conduzido por Itamar Franco após o impeachment de Fernando Collor.

Vale mencionar que Itamar Franco, nosso 33º Presidente da República, pertenceu ao Partido Trabalhista Brasileiro na juventude, filiando-se ao PMDB, ao Partido Liberal (PL) e ao Partido Popular Socialista (PPS) a partir da meia idade.

O PTB foi fundado em 1945 sob a inspiração de Getúlio Vargas, tendo como ideologia o castilhismo gaúcho (“cabe ao Estado comandar, regenerar, transformar e modernizar a sociedade”), o positivismo político (Gramscismo na prática), alguns traços de social-democracia, e o pensamento de Alberto Pasqualini – considerado o maior ideólogo do PTB e um defensor ferrenho do monopólio estatal na exploração de petróleo. Refundado em 1980, o PTB coligou-se a outros partidos para apoiar as candidaturas à Presidência da República de FHC (1994, 1998), Ciro Gomes (2002), José Serra (2010) e Aécio Neves (2014).

Por sua vez, o PL surgiu da fusão do Partido Geral dos Trabalhadores com o Partido Social Trabalhista em 1985, fundindo-se então ao PRONA em 2006, originando o Partido da República (PR). Segundo um balanço do Tribunal Superior Eleitoral divulgado em outubro de 2007, o PR ocupava então a sétima posição no ranking de partidos com mais parlamentares cassados por corrupção desde 2000, atrás do DEM, PMDB e PSDB, PP, PTB e PDT.

Mais recentemente, o Brasil se viu novamente convulsionando com a “Manifestação dos 20 Centavos” ou “Jornadas de Junho”, em 2013, e os protestos em defesa da Operação Lava Jato e contra o governo da presidente Dilma Rousseff, em 2015. Ambas “revoluções” levaram milhões de pessoas às ruas e a pressão que produziram culminou com o impeachment de Dilma. Com seu afastamento, assumiu o vice, Michel Temer, filiado desde 1981 ao mesmo PMDB de Sarney, Itamar e FHC.

Apesar dos nomes diferentes – Itamar, Sarney, FHC, Lula, Dilma... – e de siglas diferentes - PMDB, PSDB, PTB, PT, DEM... - as ideologias em comando sempre apresentaram um fortíssimo viés de Esquerda. Para vencer esse bloqueio cognitivo, uma parcela considerável dos brasileiros agora nutre esperanças em um deputado federal eleito em 2014 pelo Partido Progressista (PP), uma legenda que surgiu de uma costura estilo Frankenstein juntando pedações da ARENA / PDS, do PDC / PPR, e do PST, entre outras influências, e tem Paulo Maluf como liderança mais conhecida.

Talvez para fugir do estigma Maluf, Jair Bolsonaro anunciou sua filiação ao Partido Social Liberal em 2014 – o oitavo partido político de sua carreira, desde que foi eleito vereador em 1989. Além do PSL, Bolsonaro já foi filiado ao PDC (extinto), PPR (extinto), PPB (extinto), PP (descrito acima), PFL (extinto e ressuscitado como DEM), PTB (viés de esquerda, como descrito acima), e PSC. Este último, curiosamente, ostenta a denominação Social Cristão por acreditar que o cristianismo, mais do que uma religião, é um estado de espírito que “não segrega e não exclui”, mas declara-se contrário ao casamento entre pessoas do mesmo sexo...  Coisas de Pindorama.

Com enorme tristeza, não é difícil perceber nesta longa dança de letrinhas uma enorme similaridade com a novela romena e o líder comunista Iliescu, ou com a revolução Egípcia e a Irmandade Muçulmana, além de tantos outros movimentos populares que buscavam justiça, segurança, educação e prosperidade.

Quando repetimos a pergunta revolucionária de Harari: “Entre os que me apoiam, quantos são capazes de prestar uma colaboração eficaz?”, a resposta da política brasileira parece ser: “Nós, os mesmos de sempre”.

CHEGOU A HORA DE SUPERAR O LULOPETISMO?

Nas sociedades que têm mais recordações do que sonhos, muita gente passa muito tempo olhando para trás. Veem dignidade, segurança, afirmação e valor não por procurar essas coisas no presente, e sim no passado. E mesmo assim, muitas vezes não é um passado real, mas um passado imaginado e embelezado. Com efeito, essas sociedades concentram toda sua imaginação em tornar esse passado imaginado ainda mais belo do que foi, e em seguida se aferram a ele como um bote salva-vidas ou um terço ungido por forças sobrenaturais.

A história deixa perfeitamente claro como o ex-presidente Lula explorou sem escrúpulos - e com óbvios objetivos políticos - as emoções despertadas por um Estado paternalista, capaz de cuidar de todas as esperanças do povo, prometendo-lhes ao mesmo tempo ônus algum por suas benesses. Ao fazer isso, o Lulismo não somente dividiu os brasileiros entre si, mas também separou o país de sua própria identidade. Seu governo transformou o Brasil no país que luta contra a fome e a desigualdade social não por meio do empoderamento de seus cidadãos, mas através da intervenção direta do Estado ao custo da autonomia do povo. Dizendo-se portador de uma nova esperança, Lula patrocinou a disseminação da indústria da indolência e tornou o país um campo de extrativismo da autocomiseração.

Para prosperar, um país, assim como seus lideres e seu povo, tem de ser sincero consigo mesmo e enxergar claramente qual o seu lugar em relação às forças que o movem e aos demais países. Nenhuma nação se desenvolve sem passar por esse raio X sobre onde está e quais são seus limites, e aqueles que perdem o bonde do desenvolvimento são um pouco como os bêbados: para voltar a existir, têm de aprender a ver-se como na verdade são. É preciso tomar uma decisão positiva de dar os passos certos - o desenvolvimento não é um acaso, mas um processo voluntário de ordem e progresso. E tudo começa por uma introspecção brutalmente sincera antes, durante e após o encontro com a urna. Somente nós podemos nos derrotar se esquecermos dos princípios que deram certo durante muito tempo em muitos lugares diferentes.

Nestas eleições, ou agarramos novamente o colar de contas fantasiosas da esquerda e retomamos o caminho para a Venezuela, ou assumimos a responsabilidade de imaginar um futuro melhor e agir para consegui-lo. Qualquer que seja o resultado, ele certamente será o definidor da mentalidade de toda uma geração.

CAPITALISMO VERSUS ESQUERDISMO*

Uma das consequências involuntárias da globalização do capitalismo é que ela coloca diferentes culturas e sociedades em contato direto muito mais amplo umas com as outras. Liga as pessoas entre si muito mais rapidamente do que estas e suas culturas possam estar preparadas para isso. Algumas culturas prosperam devido às repentinas oportunidades de colaboração que essa intimidade torna possível. Outras se sentam ameaçadas, frustradas e até mesmo humilhadas por esse contato estreito, o qual, entre outras coisas, facilita muito a percepção do lugar em que as pessoas se encontram no mundo em relação às demais. Tudo isso ajuda a explicar o surgimento de forças contrárias – como as ideologias de esquerda.

Por exemplo: quando esquerdistas olham para a riqueza de países capitalistas desenvolvidos, veem somente os aspectos que, aos olhos deles, tornam essas sociedades decadentes, promíscuas e “opressoras”. Eles não veem, e não querem ver, a liberdade de pensamento e de expressão, o poder de criatividade, o incentivo meritocrático ao empreendedorismo e o fomento aos avanços tecnológicos que tornaram esses países poderosos. Definem tudo deliberadamente como “luta de classes” e, para destruir o “poder das elites”, tentam atacar justamente aquilo que mantém as sociedades desenvolvidas, inovadoras e abertas: a confiança no capitalismo.

Sem confiança, não existe sociedade aberta, porque não existe polícia suficiente para patrulhar todas as aberturas. Sem confiança, tampouco pode haver livre comércio, porque a confiança permite derrubar muralhas, remover barreiras e eliminar atritos nas fronteiras. A confiança é essencial para o desenvolvimento do capitalismo.

Os esquerdistas estão convencidos de que “as massas” estão profundamente insatisfeitas com suas condições, e que um ou dois atos espetaculares contra os “pilares da opressão” os ajudarão a derrubar o “sistema burguês imoral” que impede o estabelecimento do paraíso proletário. Entretanto, basta consultar as inúmeras evidências históricas do século XX para perceber, com assustadora facilidade, que por onde quer que tenha passado a esquerda jamais desejou estabelecer um “paraíso proletário”, mas uma Tirania imperialista e censuradora aos seus moldes.

O fascismo e o marxismo-leninismo são oriundos da rápida industrialização e modernização da Alemanha e da Europa central, onde as comunidades que viviam em aldeias estreitamente vinculadas entre si e em famílias amplas foram repentinamente despedaçadas quando filhos e pais partiram para as regiões urbanas a fim de trabalhar para grandes firmas industriais. Nesta era de transições, os jovens, especialmente, perderam o senso de identidade, de enraizamento e de dignidade pessoal que as estruturas sociais tradicionais lhes proporcionavam.

Nesse vácuo espiritual e político apareceram Hitler, Lenin e Mussolini, que afirmaram a esses jovens possuírem a resposta a seus sentimentos de deslocamento e humilhação: “Vocês podem não estar mais nas aldeias e pequenos vilarejos, mas ainda são membros orgulhosos e dignos de uma comunidade mais ampla” (os oprimidos da classe trabalhadora ou da nação ariana, conforme o caso). No mundo muçulmano, Bin-Laden e o ISIS oferecem este mesmo tipo de resposta ideológica: “Está se sentindo frustrado? Una-se a nós! Nós lhe daremos um sistema através do qual poderá se vingar!” .

O esquerdismo não é fruto da pobreza material: ele é gerado pela pobreza de dignidade. Quando as pessoas se sentem humilhadas costumam reagir com energia e se entregam a extremismos, e então saem caminhando pelas estradas da vida procurando torres que possam destruir, porque não conseguem por si atingir aquelas alturas. Como a irracionalidade possui maior carga emocional e exige menos conhecimento e esforço, mais pessoas engolem o discurso de esquerda com maior facilidade. O que estes “aliciados” não percebem é que a incapacidade crônica que sofrem é produzida e mantida pelo sistema que defendem e prega a velha inverdade de que os “protege”.

A esquerda não precisa de investidores ou empresário, mas de recrutas, doadores e vítimas. O esquerdismo se alimenta da frustração e da humilhação de suas massas: findos estes sentimentos, a ideologia esquerda deixa de ser um abrigo sedutor. Quem tem um caminho para tornar-se um Homem ou uma Mulher dignos, geralmente se concentra nesse caminho para a realização de seus sonhos – mas quem não tem esse caminho, em geral se concentra em cultivar ira e sentimentos de vingança. Mantendo-se o povo sob uma nuvem de frustração, impedindo-o de crescer social e economicamente, e salientando energicamente, com uma guerra de ideias, a humilhação deste estado de penúria crônica, a esquerda angaria multidões com seu discurso de benefícios e privilégios. O que seria dela se essas emoções fossem substituídas por outras, mais livres, autônomas e objetivistas?

O capitalismo e a direita se nutrem justamente de emoções OPOSTAS àquelas da esquerda. Suas raízes estão no mérito e nas conquistas: quanto mais você busca conquistar o que deseja por meio de seus próprios méritos, mais à direita suas ideias se deslocam. Quem está ganhando dinheiro, sendo produtivo e elevando seu padrão de vida, não fica ocioso pensando: “Quem é o culpado disso que foi feito contra mim?” ou “Por que minha vida está tão ruim?”. As pessoas que vivem com esta mentalidade tendem a passar o tempo concentradas no que vão fazer e não em quem culpar.

Uma vez a favor do capitalismo e do livre mercado, você não mais quer que alguém simplesmente lhe dê a caridade de um abrigo, pois seu senso de “frustração e humilhação” foi substituído por uma profunda convicção de valor próprio. Tudo que você quer agora é advertir que unam-se a você ou saiam do seu caminho, pois irá avançar com toda sua potência. Essa é a mentalidade capitalista, e nada poderia ser mais ameaçador para o discurso auto-vitimista que sempre patrocinou a esquerda.

Como nação, possuímos todos os recursos necessários para a modernização e o crescimento em nossos próprios termos culturais, se estivermos dispostos a utilizá-los. Infelizmente, há uma forte resistência de cunho ideológico trabalhando contra esse avanço, uma resistência que luta para rebaixar todos ao mesmo nível ao invés de ELEVAR todos ao mesmo nível. Temos um povo cujos modelos de liderança são homens cheios de raiva e que agregam em torno de si jovens que passam boa parte do tempo imaginando como extravasar sua frustração e não na realização de seus potenciais.

Sabemos perfeitamente quais são as uvas azedas nesta sociedade de valores deformados. Resta saber agora de que lado você está.

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*Adaptado de Thomas L. Friedman. O Mundo é Plano – uma breve história do século XXI. Ed. Objetiva (2005).