Seguramente, 85% dos pacientes que atendo não estão doentes: eles SE ACHAM doentes. Não tenho saída para eles. (Se você acredita que “achar-se doente” é uma forma de doença, recomendo que leia O Mito da Doença Mental, de Thomas Szasz).
Outros 10% estão de fato doentes, mas querem ter 0% de responsabilidade sobre o curso de suas moléstias, transferindo todo ônus de sua melhora para remédios, consultas de especialistas, exames, fé, sorte ou destino, migrando de um consultório para outro, de um pronto atendimento para outro ou de um templo para o templo seguinte. Não tenho solução para esses casos idem.
Finalmente, 5% dos atendidos necessitam de fato de cuidados - mas muitos terminam não tendo o correto acesso a estes recursos devido às filas e confusões que o representantes dos dois grupos anteriores causam no sistema.
Se algum dia a Medicina foi uma arte, isto se perdeu miseravelmente por pressão de tecnicismos (qualquer dor de cabeça chega ao consultório trazendo uma pesquisa no Google que recomenda três ressonâncias para tirar a dúvida), legalidades (medicina anti-processo) e ideologias imorais de transferência de responsabilidade (recentemente, tive que chamar a polícia para ajudar a conter os ânimos dos familiares de uma paciente que se sentiu ofendida por eu ter informado que seu peso, com IMC de 39, era a causa de suas dores articulares). A Arte, hoje, é terminar o dia de trabalho sem atritos diagnósticos e ir para casa para começar o dia de Vida sem o risco deles.
O paciente anseia pela "medicina de antigamente" ao mesmo tempo em que insiste em ser "o paciente de hoje em dia". Nessa incongruência, todos perdem: o médico, o paciente e, principalmente, o emprego racional dos recursos limitados disponíveis.
E alguém vem me perguntar se escolhi fazer medicina como um modo de ajudar os outros...
Sinceramente, depois de 20 anos atuando e com um rastro de dezenas de milhares de pacientes atendidos, descarto por absoluto a possibilidade de realmente ajudar alguém. Nos atrapalhamos ou nos ajudamos sozinhos na mesma proporção. NADA, absolutamente NADA, vem de fora. TUDO - toda mudança, todo progresso, toda evolução pessoal - vem de dentro.
Você recebe os estímulos bons e ruins do meio e é você, apenas VOCÊ - e não sua mãe, pai, cônjuge, médico, psicólogo, pastor, horóscopo, cartomante ou o unicórnio de sua preferência -, quem irá decidir o que fazer com eles. Se irá perseverar com força e honra e evoluir, ou se irá se desfazer em lamúrias de autopiedade e vitimização.
No final, a Medicina é só uma de várias maneiras interessantes de ir descobrindo a Verdade do mundo - como se fosse apenas uma versão de muitas da pílula vermelha de Morpheus. Acordar para a vida sempre foi e sempre será uma decisão individual, jamais médica.
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