Quando eu era uma criança,
eu falava como uma criança,
pensava como uma criança
e agia como uma criança.
Quando me tornei Homem,
deixei de lado meus jeitos infantis.
(1 Coríntios, 13:11)
A ideia de que crianças levam décadas para tornarem-se adultas, passando por um intervalo de “adolescência” e de “adultos jovens”, é uma concepção caprichosa e relativamente recente na evolução de nossa espécie.
Antes dessa maluquice ser inventada, esperava-se que as crianças assumissem o papel de adultas assim que fossem capazes de tanto, aprendendo as habilidades necessárias com seus parentes e alcançando a idade adulta assim que chegassem à puberdade. As mudanças nos conceitos sobre “estágios da vida” é um exemplo incrível de como a sociedade e os governos constroem nossas noções de Idade.
A adolescência como a conhecemos era mencionada mal e porcamente antes do final do Século XIX. A análise de materiais escritos entre 1800 e 1875 mostram praticamente nenhuma utilização deste termo e uma preocupação muitíssimo discreta com este estágio da vida (e seus comportamentos característicos).
A invenção da adolescência decorreu de 3 fatores principais: a aplicação da tecnologia para aumento da produtividade; a afluência de pessoas que este processo gerou, e a transição demográfica que o acompanhou. Graças ao ganho em tecnologia em produção, as famílias puderam se tornar sistemas menores e biologicamente mais estáveis. A população adulta urbana cresceu e os “adolescentes” saíram da força de trabalho, sendo deslocados para as escolas.
O aumento da dependência dos pais e do tempo livre fez-se acompanhar da criação de um mercado novo para produtos bem direcionados para ele e pronto!, temos essa bizarrice agora aí.
Puberdade precoce
Paradoxalmente, no passado, a puberdade chegava mais tarde, mas a ausência de supervisão dos pais chegava mais cedo. Romeu e Julieta carregavam o peso do mundo em seus ombros – ainda que fosse um mundo bem menor que aquele que os adolescentes habitam hoje.
Ao longo de todos os séculos que se passaram, uma pessoa sexualmente madura nunca era tratada como “uma criança em crescimento”. Hoje, indivíduos sexualmente maduros passam 6 ou mais anos (digamos, dos 12 aos 18, muitas vezes bem mais que isso) vivendo sob a autoridade de seus pais. Baseado em quê sistema na natureza poderíamos esperar que isso funcionasse?
Desde meados do Século XIX, a puberdade – definida como advento da maturação sexual e início da “adolescência” - tem retrocedido 1 ano a cada intervalo de 25 anos. Hoje, ela ocorre cerca de 6 anos mais cedo que em 1850: por volta dos 11-12 anos entre as meninas, e 12-13 anos para os meninos.
Ainda não se sabe direito o que desencadeia a puberdade. É possível que o momento em que a puberdade se inicia tenha retrocedido devido à melhora da nutrição durante o período pré-natal e a infância.
Entre os demais primatas, os indivíduos fisicamente maduros não são bem vindos na família: a competição sexual torna essa convivência impossível. Mas, entre estes e outros animais, a maturidade física coincide com a maturidade mental, então a separação do indivíduo de seu núcleo familiar não constitui exatamente uma rejeição.
O jovem cérebro jovem
Se hoje em dia nossas crianças se parecem com adultos mais cedo do que nunca, isso não significa que elas sejam adultas de fato: na nossa espécie, o cérebro não cresce no mesmo ritmo dos demais órgãos e sistemas.
A colisão entre a maturidade física e a imaturidade mental do Homo sapiens não apenas confunde os pais, mas também lança o adolescente em situações ridículas. Por exemplo: eles se tornam intensamente interessados em romance, mas suas ideais de romance são absurdamente simples, culminando em bilhetes que são trocados na sala de aula ou posts no Facebook dizendo coisas como “Você gosta de mim? Marque sim ou não”.
A puberdade não é o único marcador da adolescência. Também observa-se um lento aumento da capacidade de pensamento abstrato e raciocínio relativo. Os adolescentes tornam-se capazes de refletir sobre grandes tópicos – Morte, Destruição, Sentido da Vida -, mas essas reflexões tendem a gerar angústia e depressão. Eles estão sexualmente maduros mas ainda vivem sob a tutela dos pais, como diabos irão mudar o mundo desse jeito?
A descoberta pelo adolescente de que tudo é relativo leva a um debate cansativo de todas as regras que lhe são apresentadas. Eles levarão um tempo se lambuzando com o doce da Contestação Infinita até compreenderem QUAIS brigas valem à pena e quais não valem.
Os adolescentes também procuram a autonomia que lhes falta. Eles querem ficar sozinhos porque têm “coisas demais na cabeça”. Curiosamente, esse desejo de solitude deriva justamente da importância dos relacionamentos sociais. Avaliar as vantagens e desvantagens das diversas situações a que eles são expostos requer um certo tempo sem fazer nada.
Apesar de não parecer, nesta fase os laços familiares têm mais importância do que você supõe e oferecem valores e parâmetros sólidos de interação sobre os quais os adolescentes construirão suas próprias verdades de adultos.
Não culpe os hormônios
A despeito do que quer que cause o humor tipicamente chato do adolescente, os hormônios têm ganhado um crédito exagerado por isso.
A produção hormonal que dá forma aos nossos corpos se inicia por volta dos 7-8 anos de idade, e as crises que enchem o saco tipicamente ocorrem entre os 11 e 14 anos – nessa época, os hormônios já andam pela vizinhança há alguns anos, isso elimina deles uma boa carga da culpa.
O mais provável é que os surtos da adolescência estejam mais relacionados à intensificação dos estados emocionais, ao aumento das cobranças sociais e escolares, e ao fluxo de eventos que são apresentados ao jovem e suas novas responsabilidades frente a este mesmo fluxo.
Como todo mundo adora um bode expiatório, então descemos a lenha nos hormônios. É mais fácil culpá-los que assumir 100% da responsabilidade pela própria imbecilidade.
Pingos nos is
Nas palavras de Schoen-Ferreira et al: “A sociedade contemporânea ocidental estendeu o período da adolescência, que não é mais encarada apenas como uma preparação para a vida adulta, mas passou a adquirir sentido em si mesma, como um estágio do ciclo vital”. Este é o grande erro. Valorizamos o jovem em grande parte por ser jovem, pelas suas características físicas de jovem, pelas suas ideias libertárias e descompromissadas de jovem, e não pela sua demonstração de vontade, compromisso e domínio das habilidades necessárias para tornar o mundo um lugar melhor para todos.
Se você não é mais criança, então trate de colocar-se rapidamente à altura das competências do mundo adulto. ESSA deveria ser a mensagem passada em cada ensinamento durante a “adolescência”. E as competências do mundo adulto não dizem respeito apenas à capacitação profissional. Elas vão além.
Tais competências incluem o imprint de fortes noções de decência, moral, disciplina, generosidade, empatia, estoicismo e altruísmo, e não o deslumbramento ou - pior - a celebração consumista e paternalista com essa invenção inútil que batizaram de “adolescência”.
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Referências Bibliográficas:
1. Esman AH. G. Stanley Hall and the invention of adolescence. Adolesc Psychiatry. 1993;19:6-20.
2. Demos J, Demos V. Adolescence in Historical Perspective. Journal of Marriage and Family 1969; 31(4): 632-638.
3. Schoen-Ferreira TH, Aznar-Farias M; Silvares EFM. Adolescência através dos séculos. Psic.: Teor. e Pesq. vol.26 no.2 Brasília Apr./June 2010.
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