© Alessandro Loiola
Em nome do argumento, vamos considerar que uns 20
milhões de adultos utilizem o SUS para uma consulta de check-up todo ano, como
se fossem automóveis na revisão dos 50 mil quilômetros. E imagine que, entre
agendamento, consulta com o generalista, exames de laboratório, radiografia,
eletrocardiograma e consulta de retorno, o custo final de cada check-up saia
pela bagatela de R$100,00. Estamos falando
de uma rotina de 2 bilhões de reais a cada 12 meses.
Do ponto de vista do meu bolso, qualquer coisa que
custe 2 bilhões de reais por ano deixou de ser rotina há muito tempo. Virou
investimento, passou a ter a obrigação de valer muito à pena. E o lance é que
não vale.
Por motivos diversos e muito além da preocupação
com custos, poucas sociedades médicas ainda recomendam que pessoas adultas
saudáveis passem por exames periódicos anuais, sendo que alguns grupos de
especialistas se posicionam ativamente contra essa prática, tais como o US
Preventive Services Task Force e o Canadian Task Force on the Periodic Health
Examination.
“Ah, mas é
importante fazer uma revisão geral periodicamente”. É mesmo? Baseado em que
evidências? Exames de rotina podem gerar (e quase sempre geram) outros exames
adicionais para detectar alterações incidentais, aumentando a
ansiedade e levando a diagnósticos e tratamentos excessivos de "doenças" que, se
deixadas em paz e sem detecção, jamais produziriam consequências clinicamente significativas.
Do ponto de vista de promoção da saúde, o exame
anual periódico em indivíduos sem sintomas tem ainda menos valor, pois não
reduz a morbidade e a mortalidade de doenças agudas ou crônicas, podendo ainda
alimentar a complacência de pessoas que deixam de agir “até terem certeza
absoluta de que é necessário” – como aquele seu conhecido com sobrepeso que,
enquanto não receber o resultado dos níveis de colesterol, não toma atitude
alguma para diminuir a própria capa de gordura.
Uma revisão realizada em 2012 pelo prestigiado
grupo Cochrane, envolvendo 14 estudos clínicos randomizados e totalizando mais
de 180 mil pacientes acompanhados por uma média de nove anos, concluiu que
exames de check-up realizados em pessoas sem sintomas não produzem qualquer
benefício para a saúde. Não importam os tipos de testes ou métodos de
screening: exames periódicos simplesmente não são capazes de reduzir a
mortalidade geral ou específica, nem mesmo aquelas relacionadas a câncer e
doenças cardíacas.
Uma outra pesquisa, chamada Danish Inter99, também
produziu pareceres semelhantes. O estudo comunitário envolveu cerca de 60 mil
adultos entre 30 e 60 anos que foram avaliados periodicamente durante cinco
anos quanto ao risco de infarto cardíaco, sendo sempre orientados a promover
modificações no estilo de vida. Uma década após esta intervenção, não foram
observadas quaisquer melhoras na incidência de doença cardíaca, derrame ou
mortalidade geral.
Alguns especialistas defendem o check-up periódico
dizendo que o custo de tratar as complicações da hipertensão arterial, por
exemplo, são muito maiores que aqueles dos exames preventivos. Se o sujeito
esperar demais, quando chegar a ser diagnosticado como hipertenso, já estará à
beira de uma catástrofe. E as consultas periódicas podem ser um bom terreno
para orientar sobre vacinas, tabagismo, alcoolismo, drogas, nutrição,
obesidade, atividade física e pesquisar a incidência de depressão e violência
doméstica.
É verdade que talvez o maior benefício do exame de
check-up esteja na construção de um vínculo entre o paciente e o seu médico, ao
invés do contato apenas em situações de emergências. Mas, em termos de políticas públicas, o papel do check-up de rotina em indivíduos sem sintomas precisa ser revisto.
Em termos
pessoais, eu recomendo que você evite paranoias: procure seu médico se e quando você estiver sentindo
alguma coisa. Pronto. E vá descobrir a vida que existe para além da sua hipocondria.
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