Estive dia desses no cinema para assistir Capitã Marvel.
Fiquei tão impressionado com o discurso do filme que não resisti e vim escrever
uma resenha.
É o seguinte:
Em 2017, o lançamento de Mulher Maravilha foi exaltado como um hino do
neofeminismo. Estrelado pela estonteante Gal Gadot, a história de uma heroína
no mais pleno arquétipo Atena + Ártemis exibia, entre outras coisas, uma
sociedade de amazonas misândricas como o clímax do ativismo do exército das SJW Progressistas
Pós-Modernas.
Em si, o enredo de Mulher Maravilha não é ruim; a diversão é até
decente, mas a mensagem subliminar é questionável. Ainda assim, Wonder Woman
custou 149 milhões de dólares e rendeu 821 milhões, o que lhe garantiu o troféu
de 9º maior bilheteria de 2017.
Dois anos depois de Mulher Maravilha, o lançamento de Capitã Marvel ofereceu
um novo palanque para os argumentos neofeministas. Inclusive, a atriz
principal, Brie Larson, foi acusada de fazer discursos “lacradores” e havia até
mesmo a expectativa de que isso gerasse um boicote ao filme. O que não ocorreu:
Capitã Marvel custou 152 milhões de dólares e após 4 dias de exibição havia acumulado a bagatela de 456 milhões de dólares em bilheteria. No Brasil, Capitã já se tornou a
terceira maior arrecadação da Marvel Studios, ficando atrás apenas
de Capitão América: Guerra Civil e Vingadores: Guerra Infinita. O provável
é que seu lucro ultrapasse Mulher Maravilha, mas isso não é o mais importante.
O mais importante é a mensagem explícita que carrega.
Em inglês, a palavra “wonder” pode ser traduzida como “maravilha”, mas
uma tradução mais correta seria “deslumbramento”, no sentido de que “wonder” sugere
um êxtase prazeroso da imaginação ou um estado de admiração por encantamento.
Em contrapartida, apesar de “marvel” também poder ser traduzido como “maravilha”,
a palavra tem um sentido mais refinado de espanto ante o extraordinário, um
estado de surpresa diante do fenomenal e do grandioso – e esta é exatamente a
diferença entre Mulher Maravilha e Capitã Marvel.
Mulher Maravilha é vistosa, Capitã Marvel é magnífica.
A super guerreira Diana Prince foi interpretada pela modelo
internacional Gal Gadot. Gadot, com 1,78m de altura, Miss Israel em 2004, tem
uma beleza incontestável e um corpo super malhado – atributos que foram bem aproveitados
pela produção e pela indumentária de sua personagem.
Em contrapartida, Carol Danvers, a piloto da aeronáutica que se torna
um dos seres mais poderosos do universo, foi interpretada pela jovem Brie
Larson. Com apenas 1,70m e 58 kg, Larson tem uma beleza mediana e passaria quase
despercebida caso comparecesse a uma festa ao lado de Gadot. Mas a Capitã de
Brie Larson é um gigante perto da Wonder Woman de Gadot.
NÃO LEIA DAQUI EM DIANTE CASO NÃO QUEIRA RECEBER SPOILERS
Durante o longa Capitã Marvel, podemos perceber o quanto Carol Danvers
era poderosa antes de ser “poderosa”: ela era o tipo de pessoa que você pode
derrubar QUANTAS VEZES QUISER.
Entenda: para derrubar uma pessoa QUANTAS VEZES VOCÊ QUISER, essa
pessoa deve levantar-se TODAS as vezes que cair. E Carol Danvers cai na praia,
cai jogando baseball, cai andando de bicicleta, cai correndo de kart, cai treinando
na academia militar, cai durante o teste de uma aeronave, cai na explosão de um
reator... e levanta-se, sozinha, sempre.
Nos trechos em flashback, as jovens atrizes London Fuller (que
interpreta Carol aos seis anos de idade) e Mckenna Grace (Carol aos 13 anos)
dão um show quando se erguem encarando a câmera com um olhar de “Venha, mundo!
Mostre o que mais você pode tentar fazer comigo! – e eu vou mostrar de volta o
que eu vou fazer com você”. O efeito do close up em cada um daqueles olhares é inspirador.
Em outro trecho, Maria Rambeau, piloto habilidosa e melhor amiga de
Carol Danvers / Capitã Marvel, se vê ante um dilema: ficar em segurança na
terra cuidando de sua filha ou guiar um avião recém-adaptado para ir até o
espaço e enfrentar uma força alienígena inimiga tecnologicamente mais avançada.
Quase enveredando por uma típica crise melodramática, Maria ouve sua pequena
lhe dizer que momentos como esse existem para que você reflita exatamente qual
mensagem deseja passar para seus filhos. E isso basta para que Rambeau entenda
o que deve fazer.
Pessoas “comuns” atropeladas por contextos capazes de trazer à tona a verdadeira
matéria que nos constitui: é disso que os bons filmes de heróis deveriam tratar.
E as mulheres-heroínas em Capitã Marvel não deixa a desejar: elas são emocionais,
vulneráveis e ternas, mas ao mesmo consistentes de um modo flexível, intensas de
um modo empático e determinadas de uma maneira fascinante.
“Eu não sou o quê você acha que eu sou”, diz Danvers para Fury, logo no
início do filme, antes de tentar abater um skrull com uma rajada de fótons. Na
sequência, enquanto estão em perseguição ao skrull, Fury conversa com Coulson
no carro:
– Você viu a arma dela? – pergunta Fury.
– Não. – responde Coulson.
Capitã Marvel não tem braceletes, ou laços mágicos, ou aviões
invisíveis. Ela não dispara com armas: ela tem suas mãos, suas convicções e uma
missão. E isso é tudo que precisa.
Numa cena-chave, Danvers encontra-se no ambiente virtual da
Inteligência Suprema, o governante soberano do planeta Hala. Ao tentar
revoltar-se contra a subserviência imposta pela Inteligência, é golpeada por
raios de força. Imobilizada, recebe um aviso: “o que lhe foi dado também pode
ser retirado”.
Esta frase marca uma epifania, quando Danvers compreende que sua “stamina”
não foi “dada”: ela sempre esteve ali, porém acorrentado pelos mecanismos de
controle daquilo que ela conhecia como Inteligência Suprema. E o que
aconteceria se ela, uma simples terráquea voluntariosa e altruísta, decidisse renunciar
ao servilismo? O que aconteceria se ela decidisse parar de lutar “com uma mão
amarrada às costas” e desse vazão à sua avassaladora energia feminina?
Finalmente liberta do domínio da “Inteligência Suprema”, Danvers manifesta
toda sua potência, destrói a ameaça alienígena no espaço – que foge com o rabo
no meio das pernas – e retorna à Terra para um último compromisso: próximo aos
destroços de uma nave, a Capitã encontra seu antigo instrutor, Yon-Rogg
(interpretado por Jude Law).
Rogg era a ferramenta que a Inteligência Suprema havia colocado ao lado
e acima de Marvel para garantir sua submissão à autoridade. As frases pseudo-motivacionais de Rogg – “tudo
que quero é que você seja a melhor versão de si mesma” – nunca foram
potencializadoras, mas limitadoras das capacidades de Carol.
Se a Inteligência Suprema é todo o conjunto de Moralidades virtuais masculinas
e femininas que agrilhoam as aptidões femininas, o traidor Rogg é a própria personificação
do mito da “sociedade patriarcal machista opressora”. Ciente de sua desvantagem
na situação, ele desafia Marvel para um embate mano a mano, sem que ela use
plenamente seus poderes.
– Estou tão orgulhoso de você! – diz Rogg, colocando sua arma no coldre.
– Você percorreu um longo caminho desde que a encontrei naquele dia, à beira do
lago. Mas será que você consegue controlar suas emoções tempo o suficiente para
me enfrentar? Ou irá permitir que elas roubem o melhor que você tem? Eu lhe
disse: você estaria pronta apenas quando controlasse suas emoções e me vencesse
sendo você mesma. E esta é sua chance! Este é o momento, Vers!
E então Rogg ergue os punhos, desafiando-a:
– Desligue seu show de luzes e prove, prove para mim, que você é capaz
de me vencer sem... – e antes que possa terminar sua frase, Rogg recebe uma
cacetada fotônica disparada por Danvers, sendo arremessado com violência contra
uma pedra a centenas de metros de distância. Danvers aproxima-se dele. Rogg
está caído e ferido. Ele a olha com temor. Ela o olha com desapego enfático.
– Eu não tenho que lhe provar coisa alguma. – responde Carol, enquanto cata
Rogg pela mão e o arrasta pelo deserto.
Assistir Capitã Marvel é uma aula do legítimo poder feminino que as
feministas atuais, ainda deslumbradas com a ilha de Themyscira, com os sovacos
peludos e os absorventes mastigáveis, deveriam assistir várias vezes.
O feminismo não é, não deveria ser e nunca se tratou de uma luta contra
os homens. Para as mulheres, o feminismo deveria significar uma busca pela feminilidade
em seus genes, pelo poder singular que reside nos seus dois cromossomos X.
O Aretê Feminino não consiste em provar o seu valor para ou contra os
outros, mas simplesmente descobrir sua Identidade Pessoal e cumprir seu propósito
com força, coragem, honra, sentimento, justiça e sabedoria; sem amarras; por
si, para si e para o bem dos outros à sua volta.
Em um trecho revelador, o líder skrull Talos pergunta a Danvers: “Você gostaria
de saber quem você realmente é?”.
Esta é a pergunta que ecoa pelo filme e mais além. E esta, sim, é uma
questão Maravilhosa para as autênticas mulheres do século XXI – e um espetáculo para todos os homens que as admiram.
Capitã Marvel é um filmaço.
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