22 abril 2009

A INDÚSTRIA DA PERDA

© Dr. Alessandro Loiola




Aprendi há algum tempo que, depois de um sopro, vem sempre uma mordida. Por isso, quando ela me escreveu dizendo “sou fã dos seus textos, leio todos e sempre encaminho para amigos”, sabia que tinha mais. E tinha mesmo: “Gostaria muito que escrevesse sobre medicamentos para redução de peso, como sibutramina, anfepramona, femproporex, etc. Com admiração, Srta. X”.

Como o pedido de uma leitora em apuros é uma ordem, fiz meu dever de casa, convoquei algumas sinapses e saí fuçando sites e bibliotecas médicas especializados. Minha primeira parada: a NAASO, Associação Norte Americana para Estudo da Obesidade, fonte de incontáveis estatísticas terroristas sobre o assunto.

De cima de um reluzente pedestal científico, a NAASO brande seus números: a obesidade afeta quase 60 milhões de americanos e está relacionada a 80% dos casos de diabetes, 70% das doenças cardiovasculares, 30% das pedras na vesícula, 40% dos cânceres na mama, 42% dos tumores malignos no intestino grosso, e por aí vai.

Durante a pesquisa para a Srta. X, constatei que os quilos a mais definitivamente deixaram de ser uma preocupação com a saúde. Viraram uma indústria. A indústria da perda de peso.

Este riquíssimo ramo empresarial envolve companhias que engordam e outras que emagrecem. Enquanto você decora a casa com adesivos herbalifeanos, ímãs de geladeira para refeições supercalóricas e esteiras de última geração, os espertalhões vão acumulando dezenas de bilhões de dólares a cada ano em suas contas bancárias.

Concordo 100% com os especialistas que abordam o excesso de peso como uma doença crônica. A obesidade é uma doença, sim. Uma verdadeira epidemia. Apenas nos últimos 20 anos, a porcentagem de obesos mórbidos cresceu 400%. Essa gordurada toda resulta em graves complicações e faz pensar: até que ponto a busca pelo controle obsessivo do sobrepeso passou a representar por si só uma doença?

A corrida permanente atrás de uma imagem a ser mantida para os olhos dos outros produz níveis elevados de estresse. Nesta ditadura, todos querem ser magros. Todos devem ser magros. Entretanto, das fotos de top-models em processo de caquexia brotam índices significativos de depressão, transtornos de comportamento, compulsões alimentares, abuso de remédios e drogas ilícitas.

Não quero lhe assustar, mas anote aí: estar vivo e comendo aumenta consideravelmente o seu risco para obesidade (e milhares de outras moléstias). Pelo simples fato de que estar vivo é um pré-requisito absoluto para adoecer.

Uma dieta saudável, rica em frutas e verduras, associada à prática de exercícios físicos regulares, certamente irá lhe colocar no rumo certo. Para entrar na forma ideal, recomenda-se perder cerca de meio quilo por semana. Um ritmo mais acelerado que este pode resultar em diminuição indesejada da massa óssea e muscular. Vá sem pressa.

A Indústria continuará lhe bombardeando dia após dia com imagens de pessoas magras cheias de sorrisos comendo doces maravilhosos, e modelos adolescentes ditando padrões de beleza em revistas de moda para senhoras de meia idade. O segredo está em não permitir que o número da sua calça jeans seja a luz que guiará toda sua existência.

O controle do excesso de peso deve ser feito com o objetivo de promoção do bem-estar, da qualidade de vida e do crescimento pessoal, não para satisfazer demandas da vaidade. Lembre-se da frase célebre do saudoso Tim Maia: “fiz uma dieta rigorosa, cortei tudo. Em duas semanas, consegui perder 14 dias!”.

Longe da apologia ao conformismo ou da vista grossa para o excesso de gordura, fica o alerta: a Indústria da Perda não tem muito mais do que isto para lhe oferecer. Por mais fundo que seu umbigo possa estar, existe um universo infinito para além dele. Feche a boca para as calorias se preciso for, mas não se esqueça de abrir os olhos para enxergar o que realmente vale alguma coisa neste mundo. Os ganhos serão todos seus.

01 abril 2009

NÓS OS ALIENÍGENAS E A FEBRE AMARELA

© Dr. Alessandro Loiola


Segundo as teorias atualmente quase aceitas, há várias centenas de zilhões de anos, em algum ponto dos vastos oceanos que cobriam a Terra, algo aconteceu. Enormes quantidades de monômeros e polímeros começaram a formar agregados colóides cada vez mais cheios de curvas e nuances. Em um processo evolucionário inacreditável, desta sopa da vida primitiva resultariam coisas tão distintas quanto um ácaro, uma esponja marinha e a Cléo Pires.

Infelizmente, a teoria evolucionista não explica exatamente qual o papel destas três entidades no crescimento espiritual da raça humana. Mas tendo a Cléo Pires como uma das conseqüências do processo evolutivo, bem, o restante até que dá para perdoar.

O fato é que antes de aparecermos por aqui, a Terra possuía outros donos. Bem antes dos índios botocudos e dos dinossauros, mas alguns milhões de anos logo após a sopa, vírus e bactérias começaram seu domínio sobre o mundo.

Apenas nas frações de segundo mais recentes da história desta partícula de poeira que chamamos de casa, nós aparecemos. Quando aportamos por essas bandas, os bisavôs bacterianos e tataravôs virais devem ter estranhado um bocado. “Como assim, planeta deles? Planeta nosso!! Chegamos aqui primeiro!”.

Até tentamos pedir desculpas. “Olhaí, a gente deixa uma meia dúzia de meninos catarrentos pra vocês irem se ocupando enquanto isso, tipo comemoração no Dia do Índio, sá’comé?”. Mas não adiantou. Refugiados em matas, micos e mosquitos, microorganismos letais aguardam sua chance de dar o bote. Vez ou outra, fazem um contato imediato do terceiro grau conosco, os alienígenas recém-chegados. As conseqüências costumam ser dramáticas.

Os historiadores creditam o declínio do Império Romano às repetidas epidemias do vírus que fez tombar Beethoven: o mortífero Orthopoxvirus, agente da varíola. No Século XIV, a Yersinia, uma bactéria transmitida pela pulga do rato, ceifou a vida de 75 milhões de pessoas – ou cerca de um terço da população da época. Uma pandemia tão devastadora que passou à história como a Peste Negra. Entre 1918 e 1919, a gripe espanhola dizimou mais 40 milhões de pessoas nos 5 continentes.

Nas últimas décadas, outras velhas doenças vêm mostrando suas garras e fazendo novas vítimas. A tuberculose, uma vez tida como em vias de extinção, vem aumentando sua incidência em cerca de 1,7% a cada ano - no Brasil, são notificados 200 novos casos diariamente. De modo emblemático, há alguns meses vem sendo ensaiada a ressurreição da moribunda Febre Amarela.

Esta doença, causada por um vírus transmitido pelo mesmo mosquito da dengue, infecta principalmente seres humanos e macacos. Os sintomas variam de acordo com a fase da doença:

FASE DE INCUBAÇÀO: corresponde aos 3-6 primeiros dias após a contaminação pelo vírus. A pessoa não sente qualquer sintoma.

FASE AGUDA: inicia-se após a fase de incubação, com febre, dor de cabeça, náuseas, vômitos, fortes dores musculares, perda do apetite, vertigens, e vermelhidão acentuada nos olhos, na face ou na língua. Os sintomas em geral melhoram após 3-4 dias.

FASE TÓXICA: cerca de 15% das pessoas com febre amarela aguda desenvolvem uma fase tóxica da doença, caracterizada por icterícia, dores abdominais, vômitos sanguinolentos, diminuição do volume urinário, sangramentos pelo nariz e pela boca, delírio, convulsões, problemas cardíacos, e disfunção nos rins e no fígado. Até metade daquelas com a forma tóxica falecem em decorrência da doença. O restante se recupera sem maiores problemas.

Não existe tratamento específico. As medidas são apenas sintomáticas, com o emprego de analgésicos, repouso e hidratação adequada. Nas formas graves, o tratamento e a observação devem ser feitos com a pessoa internada, de preferência em uma Unidade de Terapia Intensiva.

O único modo seguro de evitar a febre amarela é através da vacinação: uma única dose da vacina oferece mais de 95% de imunidade contra a doença por 10 anos.
Na infinita escala da sobrevivência, nosso jovem time de alienígenas vai defendendo a duras penas o campeonato contra levas de vírus e bactérias nonagenários. Considerando-se o tamanho da concorrência por parte dos antigos detentores do título, é de se perguntar por quanto ainda tempo seremos capazes de segurar o troféu em casa...