28 novembro 2022

SOBRE AS MANIFESTAÇÕES DE 2022 NO BRASIL

A história do mundo está recheada de grandes manifestações populares e processos revolucionários não raramente feitos em nome de “devolver o poder ao povo”. Sem embargo, antes de analisarmos o que está ocorrendo no Brasil em 2022, vamos conferir um sumário do que ocorreu nas 10 “rebeliões” mais famosas dos últimos 300 anos: 
 
1. A Revolução Francesa (1789-1799) talvez seja um dos mais famosos e citados deles. As mudanças demográficas (a população da França dobrou entre 1700 e 1800) e sociais (o surgimento de uma inusitada classe média-alta próspera e com acesso à educação), combinadas a um severo sistema de classes (herança dos últimos suspiros do feudalismo), e à desculpa de uma “tirania dos iluminados” para justificar aumentos estrondosos de impostos (a realeza francesa estava atolada em dívidas devido às guerras do século XVIII), fizeram com que milhares de franceses se revoltassem contra a monarquia. No desenrolar dos fatos, nobres e burgueses ricos emigraram, a França declarou guerra contra a Áustria (1792), o nacionalismo atingiu níveis estratosféricos, a monarquia foi abolida, o Rei Luís XVI foi decapitado (1793), seu filho Luís Carlos morreu na prisão e Luís XVIII, irmão mais novo de Luís XVI, fugiu para o exílio. Propriedades privadas foram confiscadas, a oposição à “revolução” foi massacrada pelo Reino do Terror (1793-1894) e mais de 15 mil pessoas foram guilhotinadas, enquanto outras milhares foram presas sem qualquer tipo de processo e morreram nas masmorras.

No calor do alvoroço e da desorganização, Napoleão Bonaparte ascendeu politicamente, dissolveu o Diretório Nacional da recém-nascida república e tornou-se “Primeiro Cônsul”, expandindo o teatro de guerra para Suíça, Malta e Egito. A subida do ditador Napoleão marca o final da Revolução Francesa. Em 1825, depois de quase 40 anos de convulsões contra a “tirania” e a “monarquia” que custaram a vida de dezenas de milhares de cidadãos, os franceses coroaram Luís XVIII como Rei.

2. A Revolução Americana (1776-1783) foi marcada pela rebelião das 13 Colônias na América do Norte contra o domínio britânico. Contando com imenso apoio da França e da Espanha, os revolucionários conquistaram a independência e, no Tratado de Paris de 1783, os Estados Unidos da América nasceram. Ao todo, a Revolução envolveu vários conflitos armados que custaram milhares de vidas: como saldo final, estima-se que 6.800 americanos foram mortos em ação, 6.100 foram feridos e até 20.000 foram feitos prisioneiros. Outros 17.000 morreram como resultado de doenças, incluindo 8.000-12.000 que morreram enquanto prisioneiros de guerra.

3. A Revolução do Haiti (1791-1804) teve como pavio o intricado sistema de classes da ilha. Toussaint L’Ouverture, um ex-escravo e tornado comandante durante a Revolução, recrutou haitianos para lutar contra os “burgueses europeus opressores”  e, perseguindo seus próprios interesses políticos junto aos governos de França e Inglaterra, assumiu a liderança criando um novo Estado e nomeando a si mesmo “Governador-Geral Vitalício”. Usando de força militar, colocou os cidadãos para trabalhar de volta nas lavouras. Em 1801, desejando recuperar o domínio da ilha, Napoleão Bonaparte enviou tropas para o Haiti. Após meses de guerra, Toussaint foi deposto e morreu na prisão em 1803.

O conflito iniciado por Toussaint foi levando adiante por seus tenentes, em especial  Jean-Jacques Dessalines. Aproveitando a atmosfera nacionalista exacerbada e a epidemia de febre amarela que enfraqueceu os franceses, Dessalines venceu e expulsou os europeus, declarou a independência da ilha em 1804 e assumiu o governo com o título de Imperador Jacques I. Para “limpar a nação”, Dessaline ordenou um genocídio dos brancos e oprimiu com extrema violência os revoltosos, morrendo em outubro de 1804 ao tentar suprimir uma rebelião de mulatos. Desde então, o Haiti lida com tensões raciais e índices absurdos de analfabetismo, miséria e tragédia, ostentando um dos piores IDHs do mundo (0,404).

4. A Revolução de Taiping (1850-1864) foi uma das mais importantes revoluções ocorridas na China. Ela brotou do sentimento anti-Qing e levou ao colapso do governo Manchu, no poder desde 1644. O movimento, com fortes inspirações religiosas, fundamentava-se na crença de que seu líder, Hong Xiuquan, era o irmão mais novo de Jesus Cristo. Xiuquan fazia questão de explicitar isso, afirmando que Deus havia lhe dado uma série de visões mostrando sua missão de “salvar e reformar a China”. Uma das bandeiras mais fortes de Xiuquan era a abolição da propriedade privada – algo que atraiu uma quantidade imensa de famintos e trabalhadores simples. A revolta transbordou para uma guerra civil que matou cerca de 20 milhões de pessoas. Em 1851,  Xiuquan proclamou sua dinastia, Taiping Tianguo (“Reino Celestial da Grande Paz”), assumindo o título de Tianwang (“Rei Divino”). As pautas “revolucionárias” foram jogadas de escanteio. Insatisfeito, o povo “elegeu” um novo líder, Zeng Guofan – um oficial do antigo regime Qing. Guofan reconquistou Pequim, Xiuquan cometeu suicídio,  e o velho regime foi restituído. Contudo, a herança cultural de Taiping serviria de combustível para outra Revolução Chinesa, quase 100 anos mais tarde: a Revolução Chinesa de 1949, que mergulhou o país no Socialismo-Comunismo, é considerada uma das maiores tragédias da humanidade. Apenas entre 1959 e 1961, durante o  “grande salto para frente” de Mao Tsé-Tung, mais de 30 milhões de chineses morreram de fome.
5. A Revolução dos Jovens Turcos (1908) consistiu em uma aliança de vários grupos reformistas contra o regime autoritário do sultão otomano Abdülhamid II. Os revolucionários, que defendiam uma economia mais aberta e mais autonomia para os diferentes grupos étnicos do país, terminaram negociando seus princípios para acomodar o Islamismo como religião oficial do novo “estado constitucional” e criaram entre si uma nova elite política – ainda mais desorganizada e ineficiente que elite que haviam destituído. Na confusão, a Turquia perdeu a soberania dos Balcãs para a Bulgária e a Bósnia-Herzegovina para o Império Austro-Húngaro.
6. A Revolução de Outubro na Rússia (1917) tinha como objetivo abolir a tirania czarista e a corrupção endêmica do governo de Nicolau II. Os bolcheviques, liderados por Vladimir Lenin e financiados por grupos estrangeiros com todo tipo de interesse escuso no imenso território russo, realizaram várias missões armadas, conquistaram São Petersburgo (então Capital do Império) e deram início a uma guerra civil que custaria diretamente a vida de 1,5 milhão de combatentes e, indiretamente, 8 milhões de vidas civis até 1922. Maiores informações sobre a tragédia que se abateu sobre a Rússia a partir daí podem ser encontradas, por exemplo, na obra O Livro Negro do Comunismo (1997), cuja leitura recomendo fortemente.
7. A Revolução de Cuba (1953-1959), liderada por Fidel Castro, Raul Castro e Che Guevera, tinha como “objetivo” libertar Cuba das mãos do ditador Fulgêncio Batista. Na prática, os cubanos apenas trocaram uma tirania por outra. Estima-se que, desde 1959, mais de 5.600 cubanos “subservivos” foram executados pelos pelotões de fuzilamento e outros 1.200 foram mortos pelo governo em “assassinatos extrajudiciais”, mas é provável que o número de “eliminados” seja bem maior que isso: algumas fontes sugerem que aproximadamente 50 mil cubanos (ou mais) foram executados pelo governo desde a “revolução”. Até hoje, a “revolução cubana” vem atuando como fonte disseminadora do Socialismo-Comunismo para toda a América Latina.
8. A Revolução Iraniana (1978-1979) teve suas raízes na Revolução Constitucional de 1905-1911, conduzida por clérigos, proprietários de terra, intelectuais e comerciantes. A revolução de 1905-1911 foi abafada pelos interesses internacionais de países como Rússia, Grã-Bretanha e EUA. Em 1921, a Grã-Bretanha ajudou Reza Shah Pahlavi a estabelecer uma monarquia no Irã. Com a ajuda da Rússia, Pahlavi foi exilado em 1941 e seu filho, Mohammad Reza Pahlavi assumiu o trono, dissolveu o parlamento e começou uma série de reformas econômicas e culturais agressivas. Alguns partidos políticos foram criminalizados, protestos foram proibidos e a censura se tornou comum – assim como prisões arbitrárias e sessões de tortura para os “subversivos”.

As condutas do Xá Mohammad Reza Pahlavi fizeram com que o povo se tornasse fascinado pelos discursos populistas do Ayatollah Ruhollah Khomeini, um antigo professor de filosofia em Qom e exilado desde 1964 por posicionar-se contra as reformas de Pahlavi. Milhares de vídeos, áudios e cópias impressas dos discursos de Khomeini foram contrabandeadas para o Irã na década de 1970, conquistando as esperanças de milhares de  cidadãos pobres e desempregados que se sentiam órfãos no vácuo cultural das “modernizações” promovidas por Pahlavi. As tensões, que vinham crescendo geometricamente, eclodiram em 1978-1979: inspirados pela “influência satânica do Ocidente”, os iranianos deram início a uma série de conflitos civis acompanhados de greves nacionais e milhares de pessoas protestando nas ruas. Pahlavi, fragilizado por um câncer, aproveitou a desculpa de umas férias e fugiu do Irã em janeiro de 1979 (ele morreria de causas naturais no Cairo, Egito, em julho de 1980). Em fevereiro de 1979, Khomeini retornou ao país, sendo recebido por milhões de manifestantes. As forças armadas declararam sua “neutralidade” - o que, efetivamente, significava o fim do regime de Pahlavi. Em 1 de abril de 1979, Khomeini declarou o Irã uma República Islâmica, tornando-se seu “líder supremo” em dezembro do mesmo ano. Desde então, a violência, a brutalidade e as violações de direitos humanos no Irã são bem maiores que aquelas observadas durante a dinastia Pahlavi.
10. Finalmente, em 2010, tivemos a Primavera Árabe, que não resultou em melhoras para mais de 95% dos países envolvidos: os índices de pobreza continuaram altos, especialmente nas regiões rurais, e as convulsões generalizadas produziram violências horríveis e duradouras, migrações em massa e acentuação da repressão em muitas partes. Escrevi sobre isso em maiores detalhes aqui.
As 6 coisas principais que observamos em uma parcela da população brasileira hoje consistem em:

1. A presença de interesses internacionais que agem nas sombras, com a desculpa de apoiarem pautas ufanistas quando, na verdade, buscam o domínio sobre monopólios e recursos naturais do Brasil, como ocorreu na Revolução Americana e na Revolução Russa.

2. Uma comoção contra uma “tirania dos iluminados” tendo como combustível um nacionalismo exacerbado, como ocorreu na Revolução Francesa.

3. Uma massa de pessoas desejando resolução de suas próprias misérias por meio de um redentor, como ocorreu na Revolução do Haiti

4. Um forte sentimento messiânico salvacionista, como ocorreu na Revolução de Taiping.

5. A ausência de visão de que movimentos revolucionários em geral produzem governos mais desorganizados e mais ineficientes, como ocorreu na Revolução dos Jovens Turcos e na Primavera Árabe.

6. A ausência de visão de que movimentos revolucionários em geral produzem governos mais violentos e intolerantes, como ocorreu na Revolução Chinesa de 1949, na Revolução de Cuba e na Revolução do Iraniana.

Considerando a altíssima taxa de analfabetismo em nosso povo (que atinge pelo menos 29% dos brasileiros) e o baixíssimo QI médio (que varia entre 83 e 87), não é difícil aceitar que quase nada das 10 revoluções abordadas e nenhum dos 6 pontos anotados acima influencia coisa alguma na tomada de decisões do consciente coletivo: a porção “revoltosa” da população segue movida por sentimentos acalorados e uma coleção de narrativas delirantes sem pautas precisas ou noções exatas de como fazer valer suas demandas. Uma massa de gente assim não apenas está pronta para ser instrumentalizada por qualquer agenda, como será inevitavelmente instrumentalizada – e com consequências danosas, se considerarmos a média da série histórica de outros movimentos similares.

O mantra anestesiante “todo poder emana do povo”, repetido ad nauseam há séculos, sempre serviu de desculpa para o estabelecimento derradeiro das vontades daqueles de quem o poder de fato emana: aristocratas, oligarcas financeiros, líderes religiosos, controladores midiáticos, mega-fundos de investimentos ou qualquer espécie de tirano capaz de juntar ao redor de si os interesses dos demais grupos que exercem o poder ipso facto.

O poder nunca emanou do povo, mas isso não diz tanto com relação ao regime que nos governa quanto diz a respeito das pessoas que serão governadas pelo regime que distraidamente fomentam, uma geração depois da outra.

01 maio 2019

EM DEFESA DA ÁREA DE HUMANAS


Faça o teste e me diga o que você entende por:

- O Método de Prova da Dedução Transcendental e sua Aplicação na Crítica da Faculdade de Juízo Teleológico.

- Pacto social e direito de natureza no Tratado Teológico-Político.

- Ceticismo e Reconhecimento: Outras Mentes, Racionalidade e Linguagem.

- Conhecimento, intencionalidade e funcionalismo semântico: desintelectualizando o espaço lógico das razões.

- Do sujeito constituinte à constituição da subjetividade: o problema do fundamento da subjetividade na fenomenologia.

Se complicou? Leia os temas de novo. Se esforce.

Conseguiu a serventia e finalidade deles? Então responda: você pagaria 2 mil reais por mês durante 4 
anos para cada um dos sujeitos que ficou escrutinando esses assuntos?

E entre mestrados e doutorados somam-se dezenas, centenas dessas “utilidades”. Faz a soma aí: são 43 Universidades Estaduais e 68 Universidades Federais no Brasil, repletas de dissertações e teses na área de humanas com temas cabalísticos, hipóteses esfíngicas e empregos indecifráveis.

Cada aluno em um programa de pós-graduação stricto sensu desses custa, por baixo, cerca de R$ 2 mil reais por mês ao bolso dos pagadores de impostos.

É ou não é um dinheiro bem investido e com retorno certo em termos de desenvolvimento da ciência, florescimento Moral, progresso social, geração de trabalho, renda e prosperidade?

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12 março 2019

O FILME DA CAPITÃ: A DIFERENÇA ENTRE WONDER E MARVEL


Estive dia desses no cinema para assistir Capitã Marvel. Fiquei tão impressionado com o discurso do filme que não resisti e vim escrever uma resenha.

É o seguinte:

Em 2017, o lançamento de Mulher Maravilha foi exaltado como um hino do neofeminismo. Estrelado pela estonteante Gal Gadot, a história de uma heroína no mais pleno arquétipo Atena + Ártemis exibia, entre outras coisas, uma sociedade de amazonas misândricas como o clímax do ativismo do exército das SJW Progressistas Pós-Modernas.

Em si, o enredo de Mulher Maravilha não é ruim; a diversão é até decente, mas a mensagem subliminar é questionável. Ainda assim, Wonder Woman custou 149 milhões de dólares e rendeu 821 milhões, o que lhe garantiu o troféu de 9º maior bilheteria de 2017.

Dois anos depois de Mulher Maravilha, o lançamento de Capitã Marvel ofereceu um novo palanque para os argumentos neofeministas. Inclusive, a atriz principal, Brie Larson, foi acusada de fazer discursos “lacradores” e havia até mesmo a expectativa de que isso gerasse um boicote ao filme. O que não ocorreu:

Capitã Marvel custou 152 milhões de dólares e após 4 dias de exibição havia acumulado a bagatela de 456 milhões de dólares em bilheteria. No Brasil, Capitã já se tornou a terceira maior arrecadação da Marvel Studios, ficando atrás apenas de Capitão América: Guerra Civil e Vingadores: Guerra Infinita. O provável é que seu lucro ultrapasse Mulher Maravilha, mas isso não é o mais importante. O mais importante é a mensagem explícita que carrega.

Em inglês, a palavra “wonder” pode ser traduzida como “maravilha”, mas uma tradução mais correta seria “deslumbramento”, no sentido de que “wonder” sugere um êxtase prazeroso da imaginação ou um estado de admiração por encantamento.

Em contrapartida, apesar de “marvel” também poder ser traduzido como “maravilha”, a palavra tem um sentido mais refinado de espanto ante o extraordinário, um estado de surpresa diante do fenomenal e do grandioso – e esta é exatamente a diferença entre Mulher Maravilha e Capitã Marvel.

Mulher Maravilha é vistosa, Capitã Marvel é magnífica.

A super guerreira Diana Prince foi interpretada pela modelo internacional Gal Gadot. Gadot, com 1,78m de altura, Miss Israel em 2004, tem uma beleza incontestável e um corpo super malhado – atributos que foram bem aproveitados pela produção e pela indumentária de sua personagem.

Em contrapartida, Carol Danvers, a piloto da aeronáutica que se torna um dos seres mais poderosos do universo, foi interpretada pela jovem Brie Larson. Com apenas 1,70m e 58 kg, Larson tem uma beleza mediana e passaria quase despercebida caso comparecesse a uma festa ao lado de Gadot. Mas a Capitã de Brie Larson é um gigante perto da Wonder Woman de Gadot.

NÃO LEIA DAQUI EM DIANTE CASO NÃO QUEIRA RECEBER SPOILERS

Durante o longa Capitã Marvel, podemos perceber o quanto Carol Danvers era poderosa antes de ser “poderosa”: ela era o tipo de pessoa que você pode derrubar QUANTAS VEZES QUISER.

Entenda: para derrubar uma pessoa QUANTAS VEZES VOCÊ QUISER, essa pessoa deve levantar-se TODAS as vezes que cair. E Carol Danvers cai na praia, cai jogando baseball, cai andando de bicicleta, cai correndo de kart, cai treinando na academia militar, cai durante o teste de uma aeronave, cai na explosão de um reator... e levanta-se, sozinha, sempre.

Nos trechos em flashback, as jovens atrizes London Fuller (que interpreta Carol aos seis anos de idade) e Mckenna Grace (Carol aos 13 anos) dão um show quando se erguem encarando a câmera com um olhar de “Venha, mundo! Mostre o que mais você pode tentar fazer comigo! – e eu vou mostrar de volta o que eu vou fazer com você”. O efeito do close up em cada um daqueles olhares é inspirador.

Em outro trecho, Maria Rambeau, piloto habilidosa e melhor amiga de Carol Danvers / Capitã Marvel, se vê ante um dilema: ficar em segurança na terra cuidando de sua filha ou guiar um avião recém-adaptado para ir até o espaço e enfrentar uma força alienígena inimiga tecnologicamente mais avançada.

Quase enveredando por uma típica crise melodramática, Maria ouve sua pequena lhe dizer que momentos como esse existem para que você reflita exatamente qual mensagem deseja passar para seus filhos. E isso basta para que Rambeau entenda o que deve fazer.

Pessoas “comuns” atropeladas por contextos capazes de trazer à tona a verdadeira matéria que nos constitui: é disso que os bons filmes de heróis deveriam tratar. E as mulheres-heroínas em Capitã Marvel não deixa a desejar: elas são emocionais, vulneráveis e ternas, mas ao mesmo consistentes de um modo flexível, intensas de um modo empático e determinadas de uma maneira fascinante.

“Eu não sou o quê você acha que eu sou”, diz Danvers para Fury, logo no início do filme, antes de tentar abater um skrull com uma rajada de fótons. Na sequência, enquanto estão em perseguição ao skrull, Fury conversa com Coulson no carro:

– Você viu a arma dela? – pergunta Fury.

– Não. – responde Coulson.

Capitã Marvel não tem braceletes, ou laços mágicos, ou aviões invisíveis. Ela não dispara com armas: ela tem suas mãos, suas convicções e uma missão. E isso é tudo que precisa.

Numa cena-chave, Danvers encontra-se no ambiente virtual da Inteligência Suprema, o governante soberano do planeta Hala. Ao tentar revoltar-se contra a subserviência imposta pela Inteligência, é golpeada por raios de força. Imobilizada, recebe um aviso: “o que lhe foi dado também pode ser retirado”.

Esta frase marca uma epifania, quando Danvers compreende que sua “stamina” não foi “dada”: ela sempre esteve ali, porém acorrentado pelos mecanismos de controle daquilo que ela conhecia como Inteligência Suprema. E o que aconteceria se ela, uma simples terráquea voluntariosa e altruísta, decidisse renunciar ao servilismo? O que aconteceria se ela decidisse parar de lutar “com uma mão amarrada às costas” e desse vazão à sua avassaladora energia feminina?

Finalmente liberta do domínio da “Inteligência Suprema”, Danvers manifesta toda sua potência, destrói a ameaça alienígena no espaço – que foge com o rabo no meio das pernas – e retorna à Terra para um último compromisso: próximo aos destroços de uma nave, a Capitã encontra seu antigo instrutor, Yon-Rogg (interpretado por Jude Law).

Rogg era a ferramenta que a Inteligência Suprema havia colocado ao lado e acima de Marvel para garantir sua submissão à autoridade.  As frases pseudo-motivacionais de Rogg – “tudo que quero é que você seja a melhor versão de si mesma” – nunca foram potencializadoras, mas limitadoras das capacidades de Carol.

Se a Inteligência Suprema é todo o conjunto de Moralidades virtuais masculinas e femininas que agrilhoam as aptidões femininas, o traidor Rogg é a própria personificação do mito da “sociedade patriarcal machista opressora”. Ciente de sua desvantagem na situação, ele desafia Marvel para um embate mano a mano, sem que ela use plenamente seus poderes.

– Estou tão orgulhoso de você! – diz Rogg, colocando sua arma no coldre. – Você percorreu um longo caminho desde que a encontrei naquele dia, à beira do lago. Mas será que você consegue controlar suas emoções tempo o suficiente para me enfrentar? Ou irá permitir que elas roubem o melhor que você tem? Eu lhe disse: você estaria pronta apenas quando controlasse suas emoções e me vencesse sendo você mesma. E esta é sua chance! Este é o momento, Vers!

E então Rogg ergue os punhos, desafiando-a:

– Desligue seu show de luzes e prove, prove para mim, que você é capaz de me vencer sem... – e antes que possa terminar sua frase, Rogg recebe uma cacetada fotônica disparada por Danvers, sendo arremessado com violência contra uma pedra a centenas de metros de distância. Danvers aproxima-se dele. Rogg está caído e ferido. Ele a olha com temor. Ela o olha com desapego enfático.

– Eu não tenho que lhe provar coisa alguma. – responde Carol, enquanto cata Rogg pela mão e o arrasta pelo deserto.

Assistir Capitã Marvel é uma aula do legítimo poder feminino que as feministas atuais, ainda deslumbradas com a ilha de Themyscira, com os sovacos peludos e os absorventes mastigáveis, deveriam assistir várias vezes.

O feminismo não é, não deveria ser e nunca se tratou de uma luta contra os homens. Para as mulheres, o feminismo deveria significar uma busca pela feminilidade em seus genes, pelo poder singular que reside nos seus dois cromossomos X.

O Aretê Feminino não consiste em provar o seu valor para ou contra os outros, mas simplesmente descobrir sua Identidade Pessoal e cumprir seu propósito com força, coragem, honra, sentimento, justiça e sabedoria; sem amarras; por si, para si e para o bem dos outros à sua volta.

Em um trecho revelador, o líder skrull Talos pergunta a Danvers: “Você gostaria de saber quem você realmente é?”.  

Esta é a pergunta que ecoa pelo filme e mais além. E esta, sim, é uma questão Maravilhosa para as autênticas mulheres do século XXI – e um espetáculo para todos os homens que as admiram.

Capitã Marvel é um filmaço.


09 março 2019

O DURADOURO BAILE DO AUTOVITIMISMO PÓS-MODERNO

Se a Psicologia e a Psiquiatria desejam ser levadas a sério e consideradas minimamente científicas, as patologias de que tratam devem ser definidas e diagnosticadas de modo estritamente prático e objetivo. Infelizmente, boa parte destas “ciências” depende de percepções subjetivas e imprecisas. Como resultado, mais de 80% do que se faz em Psicologia e Psiquiatria consiste em legitimar o autovitimismo e tornar uma forma de drogadição socialmente aceitável por ser “terapêutica”.

Em 1 ano, de cada 1000 pessoas, apenas 4 apresentam transtornos francamente psicóticos, apenas 3 apresentam surtos de esquizofrenia, e apenas 10 apresentam sintomas de Depressão Grave (não tristeza, melancolia ou autopiedade, mas Depressão Maior de fato, com recusa de tomar banho, escovar os dentes, receber alimentos e sair de casa, além de ideações de autoextermínio ou tentativas de suicídio ipso facto).

Todavia, a cultura do vitimismo faz com que 200 de cada 1000 se digam portadoras de alguma forma de transtornos mental, lotando ambulatórios e redes sociais com suas lamentações.

Se Darwin estivesse vivo, seria divertido vê-lo tentando explicar o processo de Seleção Natural que aumentou tão exponencialmente a incidência do Mimimi...

Neste meio tempo, 11 milhões de pessoas saudáveis entre 15 a 29 anos não estudam e nem trabalham no Brasil. Isso equivale 25% de todos os jovens nesta faixa etária, ou quase três Noruegas. Tente responder: quantos destes estão sob acompanhamento psicológico ou aguardando renovação das receitas de seus psicotrópicos de estimação?
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Fontes:

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1140960/

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5896987/

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3997379/

https://www.psychiatryadvisor.com/home/depression-advisor/prevalence-of-major-depressive-disorder-remains-high-in-us-population/

http://www.administradores.com.br/noticias/cotidiano/a-geracao-nem-nem-e-os-profissionais-des-des/125089/

https://g1.globo.com/economia/noticia/numero-de-jovens-que-nao-estudam-nem-trabalham-cresce-20-em-4-anos-e-chega-a-258-em-2016-diz-ibge.ghtml

14 fevereiro 2019

A VOLTA DOS QUE NUNCA FORAM



Mais um verão, mais uma “epidemia” de dengue. Curioso ainda falarem em “epidemia”...

A Dengue chegou nas Américas nos intestinos e salivas dos primeiros Aedes aegypti que aportaram no Novo Mundo trazidos do Egito, na bagagem das caravelas e do tráfico de Escravos. Graças ao ambiente favorável, os insetos rapidamente se espalharam pelo Caribe, EUA, Colômbia e Venezuela.

No Brasil, a primeira epidemia de Dengue provavelmente acompanhou o surto de febre amarela que paralisou o Rio de Janeiro no começo do século XX. Na mesma época, o ciclo do Aedes foi bem documentado em uma monografia de 400 páginas escrita pelo médico paraense Antonio Gonçalves Peryassú (1879-1962), um verdadeiro gênio (1).

Só Odin sabe quantas mortes diagnosticadas como Febre Amarela foram causadas de fato pelo vírus da Dengue. Felizmente ou infelizmente, ambas as arboviroses possuíam o mesmo vetor, e o combate ao mosquito liquidava dois coelhos com uma pedrada só.

Apavorado com a escalada das mortes e amparado pelos estudos de Peryassú, Francisco Rodrigues Alves, o 5º Presidente da República do Brasil, escalou em 1903 um jovem médico de São Luiz do Paraitinga para dar conta do recado.

Nomeado Diretor Geral da Saúde Pública, Oswaldo Cruz – então com apenas 30 anos de idade – organizou batalhões de “mata mosquitos” e avançou como um tsunami. De acordo com o médico Egídio Sales Guerra (2), em apenas 1 mês Cruz vistoriou 14.772 prédios; extinguiu 2.328 focos de larvas; limpou 2.091 calhas e telhados, 17.744 ralos e 28.200 tinas; lavou 11.550 caixas automáticas e registros, 3.370 caixas d´água e 173 sarjetas, retirando 6.559 baldes de lixo dos quintais de casas e 36 carroças de lixo dos terrenos da cidade.

A ação enérgica provocou revoltas populares coordenadas por demagogos e ignorantes (desculpe o pleonasmo...), mas produziu resultados: em 1903, a febre amarela havia totalizado 584 óbitos no Rio de Janeiro. Em 1908, o número havia sido reduzido para apenas quatro (3). Todavia, o desgaste político de Cruz foi intenso e ele abandonou a saúde pública no ano seguinte. Em 1917, faleceria precocemente aos 44 anos, vítima de complicações de uma insuficiência renal.

Os esforços de Antonio Gonçalves Peryassú e Oswaldo Cruz conduziram ao controle efetivo da epidemia de Febre Amarela e da Dengue em 1920. Em 1955, o Aedes seria considerado erradicado do território nacional, mas o relaxamento das medidas de controle sanitário promoveria seu retorno ao longo da década seguinte (1).

No começo dos anos 80, voltamos a ter pequenos episódios localizados de Dengue no Brasil. Em 1986, um novo surto se alastrou do Rio de Janeiro para o restante do país e, desde então, a doença se tornou uma “epidemia anual”, só aguardando a combinação de sol e chuvas para lembrar que nunca foi embora.

A dengue ocorre o ano inteiro, causando sofrimento e dezenas de mortes, mas apenas no verão recordamos de sua existência. Passados os meses de calor mais intenso, os casos voltam a se tornar mais raros e os cidadãos e gestores públicos convenientemente se esquecem de tudo que Peryassú e Cruz ensinaram. No ano seguinte, lembrarão apenas em parte do que estava escrito nas apostilas e chamarão seu medo de morrer por picada de mosquito de “epidemia” – como têm feito por hábito ou burrice há mais de 30 anos.

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Fontes:

1. Instituto Oswaldo Cruz. Dengue - vírus e Vetor. Acessado em http://www.ioc.fiocruz.br/dengue/textos/longatraje.html

2. Egídio Sales Guerra. Oswaldo Cruz. Casa Editora Vecchi (1940).

3. Aleidys Hernández Tasco. O Surto de Febre Amarela no Rio de Janeiro (1928-1929). Acessado em https://www.13snhct.sbhc.org.br/resources/anais/10/1345081434_ARQUIVO_SurtodefebeamarelanoRiodeJaneiro.pdf

10 fevereiro 2019

EDUCAÇÃO BRASILEIRA: UM PROJETO PARA JOGAR DINHEIRO FORA

Um Mestrado dura 24 meses. Em instituições particulares, a mensalidade de um Mestrado Acadêmico varia de R$1,8 mil (Administração de Empresas) a R$1,9 mil (Ciências Médicas).  Um Mestrado Profissional varia de R$2,2 mil (Odontologia) a R$2,4 mil (Direito) (1).

Vamos considerar então que, para um Mestrado, a mensalidade média em instituições particulares gira em torno de R$2 mil. Para produzir um Mestre, são necessários R$48 mil. Não é uma fortuna, mas certamente é um bom dinheiro.

Um Doutorado dura cerca de 48 meses e tende a ser um pouco mais salgado: Em instituições particulares como PUC e FGV, a mensalidade varia de R$1,4 mil a R$ 3,5 mil (2,3).

Podemos considerar então que, para um Doutorado, a mensalidade média em instituições particulares gira em torno de R$2,45 mil. Para produzir um Doutor, são necessários R$117,6 mil. Novamente, não é uma fortuna, mas certamente é um bom dinheiro.

As instituições que oferecem estes cursos cobram estes valores como sendo suficientes e correspondentes ao uso de suas estruturas físicas, dos serviços prestados dentro do campi, como percentual do valor investido para formar os professores, manter as salas de aula, pagar água, luz, seguranças, faxineiros, colocar papel higiênico no banheiro, etc.

Apenas no ano de 2016, o Capes concedeu 50.273 bolsas de mestrado e 43.045 de doutorado (4). Esqueça o valor das bolsas– que está na casa de várias dezenas de milhões de reais, mas deixe isso de lado. Vamos nos concentrar no valor real dos cursos em si.

Milton Friedman já havia avisado: não existe almoço grátis. Da mesma forma, não existe Mestrado ou Doutorado grátis, nem mesmo nas faculdades federais.

Em valores reais de mercado, as 50.723 bolsas de Mestrado equivalem a um investimento de cerca de R$2.434.704.000 (dois bilhões de reais e uns trocados) ao longo de 2 anos. Este será o dinheiro, em valores reais de mercado, que será investido para formar todos estes Mestres.

Novamente, em valores reais de mercado, as 43.045 bolsas de Doutorado equivalem a um investimento de cerca de R$ 5.062.092.000 (meros 5 bilhões de reais) ao longo de 4 anos. E este será o dinheiro, em valores reais de mercado, que será investido para formar todos estes Doutores.

Considere o seguinte: em 10 anos, o "sistema" brasileito consegue rodar duas turmas de Doutorado e (2 x 5 = 10 bilhões de reais, estimando por baixo) e 4 de Mestrado (4 x 2 = 8 bilhões de reais, novamente nivelando por baixo).

Ao todo, em uma década, o Capes consome a bagatela de R$18 bilhões de reais – ou uns 5 bilhões de dólares, arredondando pra não levar moedinhas nem bala no troco pra casa.

Em 2012, ao custo de 10 anos de estudos e pesquisas e sob um investimento de 2,5 bilhões de dólares, a NASA colocou a sonda Curiosity no solo marciano (5).

Ou seja: no mesmo intervalo de tempo e pela metade do preço que nosso país investe para formar Mestres e Doutores, os Mestres e Doutores nos EUA pousaram uma nave terrestre em um planeta a 230 milhões de quilômetros daí da sua casa.

Por aqui, em nossas sapientíssimas universidades, sabe o que o dinheiro retirado do bolso dos PAGADORES DE IMPOSTOS produz após 2 anos de Mestrado e 4 anos de doutorado?

É só conferir a foto deste post.

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Fontes:
1. https://www.diplomas.com.br/quanto-custa-fazer-um-mestrado/
2. https://portal.fgv.br/educacao/mestrado-doutorado
3. https://www.pucsp.br/pos-graduacao/mestrado-e-doutorado
4. http://www.capes.gov.br/sala-de-imprensa/noticias/8254-capes-divulga-numeros-de-2016
5. https://www.terra.com.br/noticias/ciencia/espaco/sonda-de-us-25-bilhoes-pousa-com-seguranca-em-marte,0408879d792ca310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.html

O PROBLEMA DA PSIQUIATRIA E O CARÁTER HUMANO

Imagine alguém que tem um problema grave de visão. Uma miopia de 10 graus, por exemplo. Esta pessoa é disfuncional, não tem soberania sobre sua retina, não consegue navegar direito pelo mundo, tem dificuldade para arrumar emprego e ganhar dinheiro para seu sustento. Ela passa em um Oftalmologista que lhe prescreve um óculos e voila!, seu autopertencimento está de volta. Ela continua míope, porém agora tem autonomia.

Imagine alguém que sofre de diabetes. Os altos níveis de glicose provocam crises de coma por hiperglicemia, a neuropatia nas mãos compromete a coordenação e a vasculopatia nos pés dificulta sua locomoção. Essa pessoa é disfuncional, não tem soberania, não consegue navegar direito pelo mundo, tem dificuldade para arrumar emprego e ganhar dinheiro para seu sustento. Ela passa em um Endocrinologista que lhe prescreve dieta e insulinoterapia e voila!, seu autopertencimento está de volta. Ela continua diabética, porém agora tem autonomia.

Imagine alguém que sofreu um trauma gravíssimo na quinta vértebra torácica e desenvolveu espasmos musculares. As contrações nas pernas ocorrem a qualquer momento, comprometem suas interações, pioram ainda mais sua mobilidade, acentuando sua disfuncionabilidade. Essa pessoa não tem soberania, não consegue navegar direito pelo mundo, tem dificuldade para arrumar emprego e ganhar dinheiro para seu sustento. Ela passa em um Neurocirurgião que lhe prescreve um esquema adequado de neurolépticos e voila!, após algum tempo, as contrações e espasmos desaparecem. Seu autopertencimento está de volta. Ela continua paraplégica, porém agora ganhou mais autonomia.

Imagine alguém que sofre de epilepsia. As crises convulsivas inesperadas, as quedas, os traumas, as fraturas, a insegurança e o estigma a tornam disfuncional. Essa pessoa não tem soberania, não consegue navegar direito pelo mundo, tem dificuldade para arrumar emprego e ganhar dinheiro para seu sustento. Ela passa em um Neurologista que lhe prescreve um esquema adequado de anticonvulsivantes e voila!, após algum tempo, seu autopertencimento está de volta. Ela continua epiléptica, porém agora tem autonomia.

Agora imagine alguém que sofre de um transtorno psiquiátrico como Ansiedade, Depressão, Somatização, Déficit de Atenção e Hiperatividade, Transtorno Bipolar ou Transtorno Obsessivo-Compulsivo. Essa pessoa não tem soberania, não consegue navegar direito pelo mundo, tem dificuldade para arrumar emprego e ganhar dinheiro para seu sustento. Ela passa em um Psiquiatra que lhe prescreve drogas psicoativas e... nada. Seu autopertencimento raramente volta. Ela continuará portadora do transtorno, porém agora tem outro problema: tornou-se dependente de medicamentos controlados.

Diferentemente do que ocorre em Oftalmologia, Endocrinonologia ou Neurologia, na Psiquiatria os tratamentos medicamentos são considerados uma “arte” dependente de tentativas e erros. Imagine um Cirurgião Geral que a cada caso de apendicite tem que ir “tentando achar” onde se escondeu o apêndice que deve ser retirado – algumas vezes no dedão do pé, outras no pescoço, outras no joelho... isso seria considerado “ciência”?

Apesar de décadas de desenvolvimento e estudos, os tratamentos psiquiátricos não produzem cura e apenas muito raramente produzem alguma melhora ou remissão efetiva (1).

Vejamos os pacientes com “depressão”. Estudos randomizados sugerem fortemente que o uso de antidepressivos não é superior ao uso de placebos no tratamento de transtornos depressivos unipolares (2). Entre os pacientes depressivos que utilizam medicamentos pesados, menos de 30% se livram do transtorno (3), sendo que a maior parte dos indivíduos tratados com medicamentos não apresenta melhora do funcionamento social (4).

Nos casos de transtorno bipolar, o uso de medicamentos não resolve o transtorno e apenas muito raramente produz remissão (5).

Cerca de metade dos pacientes com transtorno do pânico apresentam melhora dos sintomas com o uso de medicamentos psiquiátricos, mas exatamente a mesma quantidade melhora com o uso de comprimidos placebos feitos de açúcar (6). Uma extensão revisão sistemática da literatura realizada recentemente mostrou que de cada 7 portadores de transtorno do pânico tratados com remédios controlados, apenas 1 apresenta melhora dos sintomas (7).

Com relação ao tratamento de pessoas com transtorno de ansiedade, após 3 meses, 46% melhoram apenas com terapia cognitivo comportamental (contra apenas 27% de melhora entre aquelas tratadas apenas com remédios). Após 1 ano, 63% das pessoas submetidas apenas à psicoterapia cognitivo-comportamento referem melhora dos sintomas, versus 38% daquelas tratadas com remédios apenas (8).

Segundo estimativas do Ministério da Saúde, 12% da população brasileira apresenta transtornos de ordem psiquiátrica (9). Isso equivale a cerca de 23 milhões de pessoas – ou praticamente uma Austrália inteira.

Alguns transtornos psiquiátricos – como surtos psicóticos e Esquizofrenia – são doenças realmente, mas a massa dos casos não se classifica exatamente como “doença” dentro do conceito médico. São “doenças” do ponto de vista biopsicossocial: se você acha que está doente e não está, o “achar estar doente” basta para que você receba um diagnóstico.

Seria mais ou menos o mesmo que dizer que, se você acha que Papai Noel ou Saci-Pererê estão atrás da porta, então sua fé na existência destas entidades é prova mais que suficiente de que você está certo e elas estão ali de alguma forma. E esta é uma amostra da insanidade de nossos tempos.

Boa parte dos pacientes nas agendas dos consultórios psiquiátricos não sofre de doenças. E exatamente por isso o que apresentam não é classificado como “doença”, mas como transtorno. Eu iria além disso e, como Thomas Szasz em “O Mito da Doença Mental” (1961), classificaria a imensa maioria desses “transtornos” simplesmente como Fraquezas de Caráter.

Não que pessoas com depressão ou ansiedade ou pânico não tenham Caráter ou tenham um “caráter” ruim: o que elas têm é uma lâmpada incandescente de 20 watts em um ambiente que necessita de uma lâmpada de 100 watts. A luz que produzem não é boa ou ruim: ela é apenas insuficiente. É fraca.

Infelizmente, a maluquice da pós-modernidade faz com que você seja proibido de chamar o negro de negro, o gordo de gordo, o doido de doido, o viciado de viciado, o feio de feio, o manco de manco, o histérico de histérico, e daí em diante. Todos se doem. E todos procuram alguém que sinta pena de suas dores e legitime assim o falso esforço da fraqueza de suas luzes.

O dilema que se apresenta para a Psiquiatra no Brasil e no mundo todo é como fazer esta autocrítica e aceitar que uma parte substancialmente incômoda dos diagnósticos que fazem e dos tratamentos que instituem de pouco valem. Não porque a psiquiatria não seja válida, mas porque resignou-se a tratar com biqueiras de remédios controlados fraquezas de Caráter que nunca foram e nunca serão doenças de fato.

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Fontes:

1. McMahon FJ. Prediction of treatment outcomes in psychiatry—where do we stand ? Dialogues Clin Neurosci. 2014 Dec; 16(4): 455–464.

2. Walsh BT, Seidman SN, Sysko R, Gould M. Placebo response in studies of major depression: variable, substantial, and growing. JAMA. 2002 Apr 10;287(14):1840-7.

3. Trivedi MH et al.  Evaluation of outcomes with citalopram for depression using measurement-based care in STAR*D: implications for clinical practice. Am J Psychiatry. 2006 Jan;163(1):28-40.

4. Fawcett J, Barkin RL. Efficacy issues with antidepressants. J Clin Psychiatry. 1997;58 Suppl 6:32-9.

5. Sachs GS et al. Effectiveness of adjunctive antidepressant treatment for bipolar depression. N Engl J Med. 2007 Apr 26;356(17):1711-22. Epub 2007 Mar 28.

6. Shear MK et al. Pattern of placebo response in panic disorder. Psychopharmacol Bull. 1995;31(2):273-8.

7. Bighelli I et al.  Antidepressants versus placebo for panic disorder in adults. Cochrane Database Syst Rev. 2018 Apr 5;4:CD010676. doi: 10.1002/14651858.CD010676.pub2.

8. Craske MG et al. Treatment for Anxiety Disorders: Efficacy to Effectiveness to Implementation. Behav Res Ther. 2009 Nov; 47(11): 931–937.

9. Governo Brasileiro. Transtornos mentais atingem 23 milhões de pessoas no Brasil. Agência Brasil, 23 de dezembro de 2017. Acessado em http://www.brasil.gov.br/noticias/saude/2010/06/transtornos-mentais-atingem-23-milhoes-de-pessoas-no-brasil









25 janeiro 2019

O MENINO QUE GRITAVA "LOBO!"

Há quase 10 anos, desde que emergiu de um projeto de engenharia social televisiva, o pequeno menino travesso Sr. J. Wylly Wonka vem gritando "Lobo!".

Apesar disso, durante todo este tempo, sequer teve um fio de cabelo arrancado por quem quer que fosse. Jamais teve um furo de bala na janela da Câmara de onde, minutos antes, observava manifestantes na rua. Também não foi esfaqueado no abdome em plena luz do dia, quase perdendo a vida por isso.

Não. Nestes 10 anos, tudo Sr. Wonka fez foi gritar "Lobo!" toda vez que se sentia ultrajado, diminuído, menosprezado, abandonado ou ignorado.

Travesso, decidiu que deveria gritar “Lobo!” para outras plateias sedentas por alguém que lhes legitime o autovitimismo.  Então levou seu espetáculo para o exterior, onde – considerando a Fraqueza Moral que impera no Ocidente – certamente será um grande sucesso de bilheteria.

Reveja o histórico de apresentações do Sr. Wylly Wonka (o menino que gritava "Lobo!") e tire suas próprias conclusões:

Em 2011: http://g1.globo.com/politica/noticia/2011/03/jean-wyllys-relata-ameacas-de-morte-comissao-de-direitos-humanos.html

Em 2013: https://celebridades.uol.com.br/noticias/redacao/2013/04/09/jean-wyllys-vai-ganhar-protecao-policial-24-horas-por-dia.htm

Em 2015: https://cidadeverde.com/noticias/201680/internauta-ameaca-de-morte-jean-wyllys-e-condenado-a-servico-comunitario

Em 2016: https://noticias.gospelmais.com.br/bispo-acusado-ameacar-jean-wyllys-morte-84297.html

Em 2017: https://noticias.r7.com/brasil/jean-wyllys-avisa-pf-sobre-ameacas-de-morte-a-familia-14032017

Em 2018: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/12/14/politica/1544825670_895192.html